Do jeito de que o Diabo gosta
O diabo tem se tornado tão profundamente íntimo das pessoas, que quase ninguém se importa mais com ele. Ele veio chegando de mansinho, instalou sua morada no nosso meio, e a gente vai fingindo que ele é nosso amigo. Sim, quando escancaramos as portas da nossa vida para ele, é porque, embora, inconscientemente ou não, queremos que ele fique conosco aprontando as suas perversas maquinações. De fato, tinha razão o poeta francês, Charles-Pierre Baudelaire, “considerado um dos precursores do Simbolismo”, quando afirmou que “a maior alegria que se pode dar ao diabo é duvidar da sua existência”. E nós vivemos, assim, como se do diabo não existisse mesmo, pois é o que estamos vendo, todos os dias, na confusão silenciosa e, às vezes, irreversíveis de suas investidas, trazendo ao relento espiritual de suas provocações não poucas situações indigitadas pelo dedo destruidor de sua própria natureza. Ele destrói todo tipo de harmonia que possa haver entre Deus e os homens e, também, aquela que existe nos relacionamentos humanos.
No horizonte na teologia bíblica, a figura do diabo assoma logo nas primeiras páginas da Sagrada Escritura. Infelizmente, sua presença varre todas as folhas históricas da frágil realidade humana. A multiplicidade de seu nome indica a pluralidade de suas artimanhas para nos desviar do caminho de Deus. Eis algumas declinações de sua multifacetada personalidade: diabo, demônio, Satanás, espírito, Belzebu, entre outros cognomes dados pela tradição popular, tais como “rabudo”, “espelho sem luz”, “Anjo-caído”, “Anjo-do-mau”, “Anticristo”, “Aquele que Desvia”, “Asmodeus”, “Besta”, “Bicho-ruim”, “Boi-chumão”, “Cabruno”, “Canhoto”, “Capa-verde”, “Capiroto”, “Cão Miúdo”, “Chifrudo”, “Cinzento”, “Coisa-ruim”, “Cramunhão”, “Dragão”, “Exu”, “Ferrabrás”, “Homem-elefante”, “Lúcifer”, “Pai da mentira”, “Sete-peles” “Tinhoso” e “Tranca Ruas”. Nomes são o que não falta!. Tão presentes em nossa criatividade “onomástica”, eles traduzem a gravidade operante das obras do demônio.
Segundo o relato bíblico, na origem da criação, o demônio apresenta-se como aquele que tenta – e consegue – contrariar a harmonia de tudo o que Deus criou dentro do círculo de sua intenção primária, ou seja, da vontade de que tudo pudesse concorrer para o bem estar supremo de todos, inclusive, dos limites intrínsecos às leis da natureza. Mas, a tentação inicial levou o homem a rebelar-se contra Deus, imaginando-o seu concorrente, de modo tal, que ele começou a competir com Deus. Desde lá até o final dos séculos e do mundo, acontecerá essa luta interminável em que o “tentador” por excelência, com todos os atributos que já lhe foram consignados, seguirá, perfidamente, sua trama infernal no intento de submeter todos a si. Na verdade, ao transpor dos séculos, ele tem mostrado suas unhas. Sim, ele está presente em todos os lugares dos quais Deus foi expulso de modo cínico e impiedoso.
Quando perguntaram ao Cardeal de Paris, Jean-Marie Cardeal Lustiger, falecido no dia 5 de agosto de 2007, se ele já tinha visto o demônio, sua resposta deixou o repórter completamente desorientado e perplexo: “Sim, já o vi!”. E o encarregado da reportagem prosseguiu, contundentemente: “Onde?”. E o Cardeal, judeu, depois de presenciar o massacre desumano e implacável de mais de seis milhões dos de sua raça, começou a citar os campos de concentração e de extermínio do nazismo – esse fantasma assombroso, que vez, por outra, ainda tenta renascer das cinzas dementes de alguns microcéfalos inimigos da dita civilização humana. Com efeito, todas as vezes em que o homem tentou emancipar-se de Deus, colocando-o fora da circuito vital de sua dignidade, barbáries desse tipo encheram e enchem de sangue assassino a sociedade que luta para ver seus direitos respeitados e levados a sério nas conjunturas mais vulneráveis de sua sustentabilidade.
Manifestando-se em forma de serpente, “que era o mais astuto de todos os animais do campo” (Gn 3,1), na modernidade, sem deixar de ser o mesmo, ele se apresenta sob muitas outras roupagens tenuemente sutis. E a gente vai atrás dele, conduzidos pelos apelos fascinantes de sua discrição, pois com certeza, ele não faz alarde. De esperteza o diabo entende, e entende muito bem. Tanto, que até nos instiga a viver esquecidos dele. Aliás, nos lugares onde ele sabe que tudo já lhe pertence, ele tem pouco trabalho. Assim, muitas festas mundanas e pagãs são patrocinadas por satanás e as pessoas não se dão conta disso. Portanto, não quero dizer que uma festa como o pré-caju seja totalmente patrocinada por ele, mas as pessoas sensatas deveriam questionar mais o que se esconde por trás de carnavais que arrastam multidões ao descalabro da imoralidade, em atitudes nada producentes quanto à decência e à dignidade das pessoas. É verdade que o Estado tenta proteger os foliões de consequências mais dramáticas, favorece empregos circunstanciais, e até manda distribuir preservativos – quem sabe? – mas, no final, permanecerá, sempre, o gosto amargo das frustrações que continuarão pela vida afora, tornando-a vazia e sem sentido.
Enquanto isso, nossa Igreja tem de ser fechada por conta do barulho insuportável dos trios elétricos ritmados por de todos os sabores musicais. Há alguns meses, eu julguei por bem fechar a Igreja para um casamento que seria assistido pelo Pe. Fábio de Melo. Não demorou muito tempo, para eu receber insultos pessoalmente e por telefone, inclusive, de pessoas da comunidade paroquial. Foi um “Deus, nos acuda!”. O fato é que muita gente se preocupa, cinicamente, com certas “atitudes” da Igreja, e tentam tirar proveito dela na efervescência raivosa de seu sensacionalismo, mas nunca estão verdadeiramente interessadas em entender, nem de longe, as reais causas de suas atitudes. Olham somente o lado interesseiro de suas pretensões mesquinhas, contanto que dêem vazão às inconsequentes e bisbilhoteiras incoerências acintosas de suas ambições. Na verdade, quantas vezes, somos obrigadamente constrangidos a fechar nossas igrejas por causa da balbúrdia leteia nas proximidades do recinto sagrado? Nos interiores, as prefeituras são autorizadas a armar palanques em frente da igreja com dias seguidos de programação barulhenta, sem que o padre tenha o direito de rezar uma missa na tranquilidade esperada para o ato litúrgico! Sobre isso ninguém se pergunta, ninguém critica. Pior ainda, tudo é legalmente permitido.
Se o Brasil é um país sem dono, onde tudo pode acontecer, especialmente, para os que já são detentores da maioria de sua riqueza pecuniária e material, com direito a deboche e tudo das autoridades propriamente constituídas – como fez o ex-presidente, quando os parlamentares aumentaram seus salários – imagina se, realmente, não está tudo do jeito de que o diabo gosta. Inescrupulosamente, o Brasil é – ou não é? – o país das maravilhas.