Aos50AnoSdeVidA
(1970-2020)
A história pessoal não
se acaba quando deixamos de existir, sobretudo se tivermos tido a oportunidade
de deixar alguma coisa escrita como legado ou herança literária de nossa
passagem pela Terra, mesmo que ela contenha nossas próprias inquietações ou
insuficiências existenciais. Sim, a história cronobiográfica de uma pessoa não
se acaba quando sua vida se fecha na morte! Por isso, à primeira vista, ao
primeiro lance curioso do olhar, o tema desse livro não me parece muito comum.
Não faz parte de conversas sociais de círculos que se assentam ao redor das
mesas nem nos cafés ou nos banquetes festivos dos sorvedores da reflexão
humana. Todavia, “às portas da morte, o ser humano recolhe [todas as] suas
máscaras e fala sem disfarce”. (Cury).
Marcados que somos pelo
envelhecimento natural das vísceras que nos albergam no organismo e pela
decorrente consequência da paralisação das articulações biofísicas por todas as
resistências da nossa vontade, mas também da incoercibilidade do tempo, não
apenas devemos partir como devemos nos permitir a chance da despedida. Com
efeito, a cada instante que passa nos despedimos mais um pouco das belezas
transitórias da existência, mesmo que a despedida última seja um adeus sem o
assentimento pleno da vontade. No entanto, ele precisa ser processado em vista
de todas as incongruências inevitáveis do existir. Assim, vamos adiante, até
depois do túmulo, em direção à luminosidade intensa e definitiva que nos
aguarda do outro lado da sobre-existência
pessoal, incomunicável e derradeira. Por isso, sempre me alegro e agradeço por
ter vivido mais do que outras pessoas – entre artistas, músicos, escritores,
poetas, doutores, filósofos, et alii, famosos ou anônimos, que viajaram
mais rapidamente pelo sopro breve da vida – também não por ter sido mais digno
ou mais merecedor do que eles. Simplesmente por ter sido meu tempo e minha
oportunidade.
Os projetos para a vida de cada
pessoa é um segredo dos céus. E não nos foi dado conhecer, até o fim da
estrada, o alcance de nossa travessia. Mas vamos seguindo até aonde der e for
possível. É o mistério inaudito da nossa perpétua ignorância quanto às curvas
cronológicas da estrada individual que percorremos na solidão de nós mesmos. No
entanto, não precisamos esperar a morte chegar para descobrirmos até onde
poderemos viver. Simplesmente, vivamos intensamente a vida que ainda nos resta
por viver, pois, às vezes, o absurdo do mistério da existência é justamente seu
desfecho inesperado ou violentamente cortado.
Refletir sobre a morte
é a possibilidade que temos para repensar a vida e cultivar melhor seus valores
mais sagrados, porque “morrer é uma questão de tempo”. (Santos). E, embora o pensamento preceda à escrita, somente a
escritura pode favorecer-nos o amadurecimento do sentido buscado no
entretenimento das ideias.