terça-feira, 24 de julho de 2012

Era o tempo dele!

Era o tempo dele... 

 

“Era o tempo dele...” Assim foi o breve discurso da mãe de David Henrique Conrado Meira, de 19 anos, jogador de basquete sub-22, que, infelizmente, teve sua vida comprometida e ceifada pelo peso de trezentos quilos, com a queda do suporte da rede que se precipitou sobre o seu pescoço, quando tentava fazer uma “enterrada”. O jovem faleceu na madrugada de sábado, dia 21 de julho passado. Li no Correio Brasiliense, no caderno Super Esportes, do dia 23 de julho: “A capital tricampeã de basquete amanheceu ontem de luto. Depois de 10 dias de luta e orações de toda a cidade, o jovem atleta do time sub-22 do UniCeub/BRB David Meira não resistiu e morreu na madrugada de sábado para domingo no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). O garoto estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) desde 12 de julho, quando foi atingido pela tabela do Ginásio da Asceb, na 904 Sul, que desabou sobre o seu corpo”. E o jornal destacou ainda: “Acalentados pela religiosidade e apegando-se ao fato de que o acidente aconteceu por uma vontade divina, os parentes, ao menos por enquanto, descartam o sentimento de revolta. ‘Não há indignação. Ficamos tristes que isso aconteceu com ele, principalmente da forma como aconteceu. O que fica é que preferíamos ele aqui’, destacou André [um dos primos mais próximos de David]”. 

Sua mãe, na tranquilidade de uma pessoa de fé, serena, pensa ter chegado o momento oportuno de sua partida [“Era o tempo dele!”], como ainda podemos enfrentar a dureza de certas perdas tão graves dentro do horizonte da fé, na crença de que, independentemente do modo, o destino tem a trama diagnosticada para cada um no circuito do tempo que lhe é reservado à existência na terra. Desse modo acontecem as fatalidades da vida. Será mesmo? Parece um conformismo barato e despretensioso diante de situações que, de dia para dia, fazem com que muitas pessoas paguem o preço da displicência e do descuido, desaparecendo do nosso convívio. Todo o Brasil parece estremecer em conjunturas dramáticas e desesperadas de todo tipo, pessoas fazem passeatas, grupos e ONGs se organizam para manifestar sua indignação nas redes sociais, nos encontros corpo a corpo pelas ruas, no intento de ver se o grito de angústia e aflição chega aos ouvidos gastos dos verdadeiros responsáveis pela facilidade permissiva dos acontecimentos. Todavia, embora os rumores dessas vozes atinjam, pelo menos, o prenúncio de seus objetivos, o tempo se encarrega de conduzir todos ao olvido futuro, quase total, enquanto as verdadeiras vítimas das tragédias cotidianas continuam chorando seus entes queridos, sem saber de onde virão a resposta às suas perguntas e a “justiça” que ofereça o preço aos legítimos culpados. 

Só para ampliar o horizonte de nossa compreensão, o Brasil tem se demonstrado um país avantajado em desgraças ambientais, sobretudo, em períodos de chuva, deslizamento de morros que levam casas abaixo, violências temporais que destroem vidas, grito de desespero e pedido de socorro, a nação inteira com os olhos e o coração voltados para os irmãos aflitos, prédios que desabem pela imperícia da segurança que deveria protegê-los e defender os moradores e trabalhadores, entre outros casos que poderiam ser citados, como na queda das aeronaves. O “Memorial 17 de Julho”, ao lado do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, que o diga. E ainda tem o problema vicioso, desgastante, da corrupção dos políticos, de CPIs que não esclarecem nada, inclusive, diante das quais os denunciados têm o direito de ficarem calados, sem abrir a boca, defendendo-se das ciladas em que se encontram enrascados até o pescoço, usufruindo da lei da automordaça, a fim de não serem flagrados na artimanha de suas próprias falácias. Aliás, as CPIs no Brasil tornaram-se motivo de piadas sem fim, em que os envolvidos mais zombam dos homens honestos desse país do que, realmente, deveriam ajudar na deflagração consequente de todos os implicados na sujeira inesgotável da podridão em que o nosso “Brasil brasileiro”, tão lindamente cantado, vive atolado. 

A capital federal ficou de luto e espera que as circunstâncias sejam elucidadas e levadas à conclusão investigativa, trazendo a lume o peso da responsabilidade sobre quem de direito. Do contrário, será mais um caso de perda humana na indiferença brutal da sociedade que se acostumou com a normalidade ferina do inevitável, enquanto consequência perversa da imprudência de alguns no que concerne à parcimônia de gastos na prevenção dos reais riscos que devoram vidas impunemente. Que não seja apenas mais um caso a ser deixado na poeira do esquecimento, num país tantas vezes dito “sem memória”, um rifão que parece consolar a demência dos incautos, talvez, cansados do “desejo sem esperança”, das perguntas sem respostas, das feridas sem cura, dos crimes sem punição, dos roubos do dinheiro público sem devolução nem restituição, da vergonha deslavada sem rubor, enfim, da ganância insaciável dos poderosos. A partida do jovem deixou muita tristeza e desolação para todos os parentes e amigos, também, do clube de basquete. Será que, realmente, teria sido “o tempo dele”, como nos perguntamos diante do fatídico irremediável de seu desaparecimento? 

O filósofo Arthur Schopenhauer, tido como pessimista, escreveu no seu substancioso discurso sobre “A arte de ser feliz” o seguinte: “[...] Todos viemos ao mundo cheios de pretensões de felicidade e prazer, e conservamos a insensata esperança de fazê-las valer, até o momento em que o destino nos aferra bruscamente e nos mostra que nada é nosso, mas tudo é dele, uma vez que ele detém um direito incontestável não apenas sobre nossas poses e nossos ganhos, mas também sobre nossos braços e nossas pernas, nossos olhos e nossos ouvidos, e até mesmo sobre nosso nariz no centro do rosto. A experiência vem em seguida e nos ensina que a felicidade e o prazer não passam de uma quimera, mostrada a distância por uma ilusão, enquanto o sofrimento e a dor são reais e manifestam-se diretamente por si só, sem a necessidade da ilusão da espera. Se seu ensinamento se mostra infrutífero, deixamos de buscar a felicidade e o prazer e passamos a nos preocupar apenas em fugir ao máximo do sofrimento da dor”. 

A verdade é que o caminho da felicidade fecha suas portas quando a morte se abate sobre nós, precipitando-nos no obscuro mundo do desconhecido, do além-túmulo. E o tempo continuará o seu solene curso sem nós, apesar de nós, independentemente de nós.