A Borboleta Azul e Branco
Aconteceu em Brasília onde passava
alguns dias de férias. Era o dia 28 de julho de 2012, quando se realizou o
casamento de Geraldo Júnior e Janiele Mendes. Ele é filho de uma família
conhecida há muitos anos. Fiz a leitura do santo Evangelho de Jesus Cristo que,
a pedido do padre, contou a história das Bodas de Caná da Galileia, onde Maria,
Jesus e seus discípulos estavam presentes, porque também haviam sido convidados
(Jo 2). Durante a homilia, o Padre Paulinho explicava o sentido profundo
daquele texto, sobretudo, enfatizando que, para o sacramento do matrimônio,
pedir a benção de Deus na Igreja significa, justamente, convidar Jesus e Maria
para tomarem parte na vida do novo casal. Infelizmente, destacava o pregador,
muitos ajuntamentos modernos, também chamados de “casamento”, não contam mais
com a presença de Jesus nem de Maria, porque eles não são mais convidados, como
se ainda fosse possível construir a vida sem Deus, uma mentalidade fortemente
presente na sociedade consumista e autossuficiente.
Naquele momento, ocorreu-me a lembrança
de uma missa de sétimo dia que acontecera na Igreja Jesus Ressuscitado, em
Aracaju, durante a qual uma jovem cerimonialista vira um senhor encostado a um
jovem com quem conversava longamente. Depois da missa, ela quis saber de quem
se tratava e, para surpresa sua, o rapaz dissera-lhe que ela estava enganada
porque ninguém se aproximou dele, muito menos puxou conversa com ele no
instante da celebração. O fato é que, quando ela viu a foto do santinho do
defunto, a pessoa correspondia exatamente àquela que, na sua visão, estava
conversando com o jovem na liturgia da missa. Era o primeiro dia da
cerimonialista no ofício que começava a exercer. Mas isso não é o mais
importante quanto ao que eu gostaria de relatar. Ora, se em determinadas
circunstâncias há pessoas que veem outras que já morreram, por que o Padre
Gilvan Rodrigues não poderia ver? É que no casamento faltava Creusinha, a mãe
do noivo que falecera em outubro de 2010, vitimada por um câncer que a raptou
de nosso convívio. Amiga de todo mundo, muito gentil e disponível, nunca nos
negou o carinho de sua amizade singela de mulher, mãe e avó. Fiel cristã,
sempre pegada ao seu marido, legou-nos o testemunho da fé simples, mas não
ingênua, generosa, mas não sem compromisso leal com o próprio Cristo, na pessoa
do próximo, a quem procurou amar e testemunhá-lo na brevidade de sua
existência.
Eis, então, o que desejei durante o
enlace matrimonial: Ver Creusinha presente entre nós. Ela – Creusa Juventina
Caroba – que desejou e sonhou tanto com aquele momento tão especial na vida de
seu filho. No giro de meu pensamento, na dinâmica da pregação e na sublimidade
daquela conjuntura de festa e celebração, eis que, de repente, uma borboleta
pintada de azul e branco surgiu da frente do altar e voou em direção a Geraldo
Caroba, esposo de Creusa, depois voltou em minha direção e foi sumindo pela
frente do altar de onde surgira e por onde instantaneamente desapareceu. Fiquei
encantado com aquela presença, que não era quimera, era real. Uma borboleta com
as referidas cores faz-nos sempre lembrar as cores do manto de Nossa Senhora,
que estava presente nas Bodas de Caná, do mesmo modo misterioso como se faz
presente na vida dos cristãos que a invocam como protetora e auxiliadora em
suas necessidades. O fato fez-me lembrar de que, no dia primeiro de maio de 1994,
quando morreu Ayrton Senna da Silva, eu me encontrava num recanto do Distrito
Federal, chamado Betânia, na direção de São Sebastião. Tratava-se de um
encontro de catequese durante o qual eu acompanhei um casal amigo, que me
convidara para o evento. Era um lugar muito agradável, circundado de beleza
natural, onde havia muitas árvores e flores, que enfeitavam o ambiente também
espiritual de recolhimento e oração. No meio do mato, havia uma pequena trilha
que favorecia bons passeios e grande oportunidade para a reflexão e o
amadurecimento. Não lembro bem se havia uma cachoeira no local, de onde corria
uma água mansa e benfazeja, refrescante e saudável. Fazia frio. Então, no meio
da verde paisagem, apareceram borboletas tingidas de azul e branco que
passeavam por entre os transeuntes. Recordo-me de que, encantado com aquilo,
alguém fez um comentário muito belo, afirmando que era uma raridade aparecerem
“insetos lepidópteros diurnos” daquele tipo. Que se tratava de um bom
presságio, alvissareiro de tempos de graça e renovação interior para quem os
visse.
Não sei se Creusinha gostava de
borboletas lá pelo interior de Minas Gerais, em Bambuí, de onde viera, mas
confesso que fiquei feliz e agradecido pelo toque sobrenatural manifestado, de
modo inesperado, mas oportuno, na borboleta azul e branco, enquanto o
celebrante falava de Jesus e sua mãe numa festa de casamento. Pode até ser uma
bobagem, fantasia demais para o desejo inconsolável de rever alguém a quem
tanto amamos, mas o fato é que convém considerar a maneira surpreendente como
Deus, com sua delicadeza, toca a nossa sensibilidade com sinais tão visíveis,
palpáveis, perceptíveis. Sem a delicadeza para os pequenos gestos divinos, não
conseguiremos alcançar os grandes eventos de sua generosidade, porque Deus é
discreto e não faz alarde ao querer comunicar-nos suas bênçãos. O problema é a
indiferença de nosso espírito que nos deixa cegos em relação à frieza dos olhos
distantes, longínquos, incapazes de se abrirem ao óbvio que nos cerca, gritando
forte à surdez de todos os nossos sentidos. Se ele se manifesta na leveza da
erva do campo que amanhece vicejante e mais tarde, murcha, seca e morre, quando
mais na suavidade rasante do voo de uma minúscula borboleta que dança ao embalo
da vida que lhe é própria. Onde morre a sensibilidade humana, tudo parece
perder o seu brilho, sua essência, sua possibilidade de vibração existencial,
pois lá também fenece a capacidade para o espanto, para a maravilha, para a admiração.
Na verdade, esse é um dos prejuízos da sociedade moderna, pressurosa e aflita,
que não encontra mais tempo para a reflexão sobre o que poderia tornar a vida
mais bela e cheia de encanto. Falta-lhe a percepção mais apurada para constatar
a possibilidade dos milagres. Dos milagres que só existem para aqueles que se
permitem acreditar no sobressalto do impossível, e colocam sua sensibilidade a
serviço do improvável.
A borboleta, pintada pela criação divina
de azul e branco, e que nos provocou tal reflexão, seguirá seu curso livre e
solto pelo espaço sideral azul e branco do céu que acoberta nossas esperanças
na direção do alto, onde, um dia, todos queremos viver, sem saudades, no abraço
eterno do reencontro.