Crise de fé volta à Baila
Com a intenção de ajudar os cristãos católicos
a repensarem e a melhor viverem sua própria atitude de fé, o Santo Padre, o
Papa Bento XVI, proclamou solenemente mais um “Ano da Fé”, por meio da carta
Apostólica “Porta Fidei” – “Porta da
fé” – de 11 de outubro de 2011. Logo no começo da carta, assim se expressa o
Romano Pontífice: “A Porta da fé (cf. At
14,27), que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua
Igreja, está sempre aberta para nós. É possível cruzar esse limiar, quando a
Palavra de Deus é anunciada e o coração se deixa plasmar pela graça que
transforma. Este caminho tem início com o Batismo (cf. Rm 6,4), pelo qual podemos dirigir-nos a Deus como Pai, e é
concluído com a passagem através da morte para a vida eterna, fruto da
ressurreição do Senhor Jesus, que, com o dom do Espírito Santo quis fazer
participantes da sua própria glória quantos creem n’Ele (cf. Jo 17,22)” (Porta da Fé, n. 1).
Quem tem a preocupação de alimentar as
seguranças de sua religião sabe que, há muito tempo, vivemos momentos de
desafiadora crise de fé. E o Papa Bento XVI também tem plena consciência disso.
Daí a razão pela qual ele afirma o seguinte: “Desde o princípio do meu
ministério como Sucessor de Pedro, lembrei a necessidade de redescobrir o
caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o
renovado entusiasmo do encontro com Cristo. Durante a homilia da Santa Missa no
início do pontificado, eu disse: ‘A Igreja, no seu conjunto e os Pastores,
nela, como Cristo devem pôr-se a caminho para conduzir os homens para fora do
deserto, para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para Aquele que
dá a vida, a vida em plenitude’. Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam
preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que
com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida
diária” (Porta da Fé, n. 2). E o Papa adentra na penumbra do mistério da fé, que
não deixa de ser diagnosticado pela sua percepção apuradamente lúcida da
realidade experimentada pelos cristãos: “Ora, um tal pressuposto não só deixou
de existir, mas frequentemente acaba até negado. Enquanto, no passado, era
possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no
seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que
já não é assim em grandes setores da sociedade devido a uma profunda crise de
fé que atingiu muitas pessoas” (Porta da Fé, n. 2). Paulatinamente, com o
avanço das teorias e ideologias libertárias, a concretude da fé foi perdendo
terreno no coração das pessoas. Não somente porque imaginamos uma fé caseira, à
maneira das necessidades circunstanciais das conveniências de cada pessoa, mas,
de modo especial, porque a autossuficiencia material, científica e tecnológica,
parece fazer com que o homem se baste a si mesmo. Foi o grande filósofo
francês, Jean Guitton, quem disse que depois que inventaram a aspirina o homem
não precisaria mais de Deus. Triste engano! Sem Deus, o destino do homem é a
autodestruição em todos os níveis de seu esforço de dignidade e superação de si
mesmo.
Escrevendo sobre o desafio da fé para os
cristãos do mundo contemporâneo, a iniciativa do Papa em proclamar o Ano da Fé – que se inicia no dia 11 de
outubro de 2011 até o dia 24 de novembro de 2013, cujo final coincide com a
Festa de Cristo Rei – não tem outra finalidade senão a de fazer com que cada
cristão se decida com mais convicção e convencimento quanto à sua atitude de
fé. E o Santo Padre parece olhar, enfaticamente, para dentro da própria Igreja,
para aqueles que, de um modo ou de outro, também se deixaram influenciar e
contaminar pela superficialidade da cultura do indiferentismo religioso que
também fere a vivência espiritual dos cristãos católicos. Talvez, seja um
esforço sincero no sentido de que o verniz da fé que ainda resta na fragilidade
de alguns poucos não desapareça por completo, diluindo-se na inconsistência
radical da apostasia, isto é, do abandono da própria fé. Por isso que o Papa
fala da “renovação da Igreja”, que acontece “também através do testemunho
prestado pela vida dos crentes: de fato, os cristãos são chamados a fazer
brilhar, com a sua própria vida no mundo, a Palavra de verdade que o Senhor
Jesus nos deixou” (Porta da Fé, n. 6). Desse modo, “o Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada conversão ao
Senhor, Único Salvador do mundo” (Porta da Fé, n. 6). Entre tantos outros
aspectos abordados pelo Sumo Pontífice, ele aponta, de igual modo, a urgência
“de um empenho eclesial mais convicto a favor de uma nova evangelização, para
descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a
fé. Na descoberta diária de seu amor, ganha força e vigor o compromisso
missionário dos crentes, que jamais pode faltar. Com efeito, a fé cresce quanto
é vivida como experiência de um amor recebido e é comunicada como experiência
de graça e de alegria. A fé torna-nos fecundos, porque alarga o coração com a
esperança e permite oferecer um testemunho que é capaz de gerar: de fato, abre
o coração e a mente dos ouvintes para acolherem o convite do Senhor a aderir à
sua Palavra a fim de se tornarem seus discípulos” (Porta da Fé, n. 7).
O fato de, mais uma vez, a crise de fé voltar à
baila não é nenhuma novidade, nem para o Papa nem para os cristãos de verdade. A
novidade está no ardor, sempre renovado, com que a Igreja de Cristo se dispõe a
viver e a defender a sua fé inabalável em meio às tempestades e tormentas do
mundo presente, até o final dos tempos, com a força da graça divina que sempre
sopra novos e salutares ventos dentro da Igreja do Senhor.