E se fosse com o seu filho?
Ultimamente,
tem-se reacendido no Brasil inteiro a possibilidade de reduzir a maioridade
penal para os crimes graves e hediondos que algum adolescente possa cometer,
tais como estupro, latrocínio e assassinato. Não sou perito no assunto, mas
imagino que a discussão é muito mais complexa do que nossa vã filosofia
existencial possa conceber ou intuir. O fato é que todos nós ficamos indignados
com a assustadora onda de crimes contra a vida humana, em várias raias da
sociedade brasileira e, inclusive, com motivações banais: um celular, uma
bicicleta, um tênis, um bate-boca frívolo no trânsito, e por aí vai a torrente
bestial do comportamento humano que se precipita na usurpação dos bens e da
própria vida alheia.
O
estopim incendiário da polêmica é um fato acontecido recentemente em que um
jovem assaltante matou um rapaz para roubar-lhe o aparelho celular, poucos dias
antes de completar 18 anos de idade. Apenas mais uma amostra corriqueira do
quanto vale a vida humana diante da agressividade dos delinquentes de plantão
que espreitam suas vítimas acobertadas pela possível e cabível impunidade pelos
seus delitos. A sacralidade da vida é devorada pelo sistema frágil e vulnerável
da educação e do respeito pelo outro, cuja estrutura não consegue oferecer-lhe
segurança nem proteção. A impunidade escancara as portas da criminalidade. Aí,
somos tomados pela raiva, pela ira, pela indignação e até pela vontade de
“vingança”, o que, geralmente, substituímos pelo desejo de “justiça”. Porém, que justiça? Difícil mesmo é a gente
colocar-se no lugar do outro, assumir o grito desesperado da dor que o invade,
num piscar de olhos, sem que nada mais possa ser feito diante de quem lhe foi,
assassinamente, tolhido de sua convivência. Pessoalmente, talvez, eu não tenha
uma opinião formada sobre o assunto, de modo especial, pela complexidade dos
fatores que envolvem o cerne da questão da maioridade dentro dos limites de
suas penalidades. Mas, será que um adolescente que se considera apto a votar
antes dos dezoito anos não estaria também consciente de suas responsabilidades
criminais perante a sociedade? A quem, de fato, interessaria ou não a redução
da maioridade penal? São perguntas que deixo aos espíritos mais argutos, que
lidam diretamente com as malhas da confusão dos elementos múltiplos que dizem
respeito à argumentação.
Na
verdade, quando as coisas trágicas acontecem na vida do vizinho, tudo parece
mais suscetível de critérios e possibilidades de remediar o ocorrido. Com
efeito, longe do circuito do drama que pervaga a casa e a vida das pessoas, não
me permitindo o envolvimento na rede instantânea dos sentimentos que se
instaura na emoção das aflições experimentadas e vividas, é mais tranquilo
avaliar os estragos alheios. Assim, nada parece falar abertamente à nossa
consciência civilizatória, para não dizer o contrário. No entanto, e se o
acontecido fosse com o nosso filho, nosso irmão, um parente próximo, alguém dos
círculos de nosso convívio, será que reagiríamos com a mesma frieza e
indiferença de opinião com que nos arvoramos em juízes da causa alheia? Que
ninguém se coloque inume ou acima do rastro de violência e agressividade que
golpeia, fatalmente, a vulneração da segurança em que nos julgamos estar
protegidos. Quando a dor dói em nós, deixamos extravasar o caudal impetuoso da
revolta que poucas palavras ou menos gestos ainda não podem minimizar no âmago
de nós mesmos o fulcro operante dos ressentimentos. O governo federal já se
posicionou contra a possibilidade da redução da maioridade penal. E, aqui, não
estou defendendo nenhuma posição que seja a convicção acertada da
superficialidade de meu pensamento. Porém, do mesmo jeito que algumas questões
são debatidas abertamente pela sociedade, considero que valeria a pena a
sustentação da troca de ideias entre os vários componentes dos grupos sociais.
Infelizmente, na contramão de tudo o que poderia ser a manifestação clara,
honesta e aberta de altercações pertinentes ao interesse da maioria
democrática, que não se sente representada pelas minorias fechadas no pedestal
da delegação ou representatividade que lhe fora atribuída, inclusive, por voto
direto nas urnas, quando tais minorias querem aprovar certos “direitos” da
liberdade das pessoas, fazem-no à surdina e sorrateiramente, sem a participação
legítima de todos os afetados nas questões.
É
verdade que as palavras podem provocar associações indesejáveis, mas quando
alguns grupos, que se dizem legais representações da maioria, tomam o direito
de decidir pela maioria, e contra a maioria, que nem sequer foi consultada, sem
colocar a pauta em discussões francas e honestas, eles impõem sua decisão como
norma civilizatória de respeito – falso respeito – pela dignidade de terceiros,
em detrimento dos direitos sagrados de outros. Somente para soprar o pó da
memória esquecida de alguns distraídos pelo afã do vai e vem do quotidiano, não
foi justamente isso o que aconteceu quando o Conselho Federal de Medicina [CFM,
que alguém o classificou como Conselho Federal da Morte] defendeu a liberação
do aborto até a décima segunda semana de vida, desde a concepção? Tudo isso sob
o dogma do cinismo de quem, hipocritamente, diz-se “a favor da vida”, contanto
que seja “respeitada a autonomia da mulher”. Se patrocinar a morte do feto
dentro do útero da mulher não é assassinato, isto é, a imposição de limites à
sobrevivência de uma vida própria, o que seria, então?
Não
são comportamentos e palavras que vão além do absurdo de premissas
contraditórias e de aberrantes que não justificam a lógica de sua exposição? É
como se eu dissesse que gosto muito dos animais, no entanto, se pela estrada eu
encontrasse uma filharada de gatos indefesos estendidos no meio do caminho,
passaria com o carro por cima deles sem dó nem piedade. Ou que sou a favor da
lei seca, contanto que o bafômetro do policial não me flagre embriagado ao
volante. Em síntese, tento defender alguma situação comportamental pela qual
manifesto atitudes totalmente contrárias ao meu estilo de vida. Como já
disseram, a corrupção não é uma invenção nossa, isto é, dos brasileiros, mas a
impunidade, sim, é uma criação, originalmente, nossa. Quanto ao mais, o resto
que se dane!