quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A Cidade de Jericó

A cidade de Jericó




A cidade de Jericó – conhecida no AT como a “Cidade das Palmeiras” – hoje, não se identifica mais com a Jericó dos tempos adormecidos na história. Precisaríamos de muita criatividade para imaginar como seria aquela cidade perdida às portas do Deserto da Judeia. Para muitos historiadores, ela é uma das cidades mais antigas do mundo ainda existentes, remontando ao século XI antes da Era Cristã. Situada a 240m abaixo do nível do Mar Mediterrâneo, dista aproximadamente 26 quilômetros de Jerusalém, um pouco menos da metade do caminho entre Aracaju e Itabaiana, no Estado de Sergipe. 

 


No livro de Josué, encontramos a narrativa de quando os filhos de Israel, depois de adentrarem no território da Terra prometida, conquistaram essa cidade sob o toque de trombetas que preparavam e acompanhavam o momento histórico da nova vida (Js 6). Precedida por uma teofania, em que o chefe do exército do Senhor se apresenta, Jericó é apresentada como um lugar santo, à maneira de como Deus também dissera a Moisés por meio do anjo no episódio da sarça ardente: “Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que estás pisando é santo” (Js 5,13-15; Ex 3,2-6). Não podemos nos esquecer de que Josué era servo de Moisés, que, por sua vez, era servo do Senhor (Js 1,1-5). Portanto, contemplando a terra prometida das estepes de Moab, sem poder entrar nela (Dt 34,1-4), Moisés morre no monte Nebo e deixa a Josué a responsabilidade de conquistar a terra à frente do povo eleito. 



No NT, também encontramos referência à cidade de Jericó em dois eventos históricos da vida de Cristo. É o Evangelho de São Lucas que nos relata: “E aconteceu que chegando ele perto de Jericó, estava um cego assentado junto do caminho, mendigando E, ouvindo passar a multidão, perguntou que era aquilo. E disseram-lhe que Jesus Nazareno passava. Então clamou, dizendo: ‘Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim’. E os que iam passando repreendiam-no para que se calasse; mas ele clamava ainda mais: ‘Filho de Davi, tem misericórdia de mim!’ Então Jesus, parando, mandou que lho trouxessem; e, chegando ele, perguntou-lhe, dizendo: Que queres que te faça? E ele disse: ‘Senhor, que eu veja’. E Jesus lhe disse: ‘Vê; a tua fé te salvou’. E logo viu, e seguia-o, glorificando a Deus. E todo o povo, vendo isto, dava louvores a Deus” (Lc 18,35-43). O outro fato ocorre logo em seguida, no texto da narrativa de São Lucas, no capitulo 19. Trata-se da conhecida história de Zaqueu: “E, tendo Jesus entrado em Jericó, ia passando. E eis que havia ali um homem chamado Zaqueu; e era este um chefe dos publicanos, e era rico. E procurava ver quem era Jesus, e não podia, por causa da multidão, pois era de pequena estatura. E, correndo adiante, subiu a um sicómoro bravo para vê-Lo, porque havia de passar por ali. E quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, viu-o e disse-lhe: ‘Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa’. E, apressando-se, desceu, e recebeu-o alegremente. E, vendo todos isto, murmuravam, dizendo que entrara para ser hóspede de um homem pecador. E, levantando-se Zaqueu, disse ao Senhor: ‘Senhor, eis que eu dou aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado’. E disse-lhe Jesus: ‘Hoje veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão. Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido’” (Lc 19,1-10). No primeiro acontecimento, Jesus está chegando “perto” de Jericó; no segundo, ele tinha “entrado” na cidade. São detalhes importantes que nos revelam a passagem de Cristo pela vida dos homens, como pode acontecer também na nossa vida. Outra menção de Jericó, que encontramos no NT, está também no Evangelho de Lucas, quando alguém para provocar Jesus lhe pergunta: “E quem é o meu próximo?”. E Jesus lhe respondeu contando uma estória: “Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão; E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele; E, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar. Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: ‘Vai, e faze da mesma maneira’” (Lc 10,25-37). 



Em relação ao que acontece ao cego de Jericó, que deseja recuperar a luz e o brilho dos olhos pela visão do milagre de Jesus, ele reconhece [ele “vê”] em Jesus o Messias esperado, o Filho de Davi, enquanto seus discípulos, que caminhavam com Ele já havia algum tempo, não entendiam nem enxergavam sua realidade messiânica. Tanto que, com o terceiro anúncio de Sua Paixão, Morte e Ressurreição, eles não compreendiam nada do que Jesus estava dizendo (Lc 18,31-34). Nem sempre a visão dos olhos nos mostra a realidade de nossas apreensões como ela é de verdade. No caso de Cristo, precisamos da luz interior da graça para reconhecer n’Ele o Salvador da humanidade. Não por acaso, quando Cristo curou o cego de nascença, segundo o Evangelho de Joao, disse-lhe: “Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não veem vejam, e os que veem sejam cegos” (Jo 9,39). Quanto a Zaqueu, que se expôs ao ridículo subindo numa árvore para “ver” Jesus, ele encontrou na iniciativa de Cristo a possibilidade da conversão. Imagino a vergonha! Pensando estar escondido sobre o “vegetal lenhoso”, de repente, ser descoberto por Cristo que quer se hospedar em sua casa. Mas Jesus merece qualquer vexame de nossa vida. Fazemos tanto pelos nossos ídolos, tão tacanhos e pequenos, por que não o faríamos por Ele? Zaqueu se arrisca e ganha a salvação. Segundo Hurault, atravessado Jericó, Cristo também cruza a vida de Zaqueu e o conduz à conversão. A esse pecador que Cristo ama e quer salvar, Jesus não se impõe nem procura ditar-lhe a moral. No entanto, a luz entrou no coração de Zaqueu, de modo que o rico publicano reconheceu Jesus como Salvador, considerando-se pecador. Então, compromete-se a fazer justiça, devolvendo os bens usurpados de seus conterrâneos. Assim, Jesus, que reserva aos pequenos e humildes o conhecimento do Reino de Deus, diz para Zaqueu: “Hoje, a salvação entrou nessa casa” (Lc 19,9), porque Ele mesmo é a salvação. Quanto à lição tirada da parábola do homem que “descia de Jerusalém para Jericó” e fora atacado pelos assaltantes, Jesus deixa claro que o próximo é aquele que está ao alcance do “raio de nossa ação”, precisando de nosso auxílio. Amando aos irmãos necessitados, amamos ao próprio Deus que se fez nosso irmão mais próximo em Jesus. Ele é o verdadeiro samaritano que cuida de todas as nossas feridas com o óleo de seu amor e as ataduras de sua misericórdia. 

 


Para um cristão, é sempre comovente pisar e cruzar pelos caminhos de Cristo e perceber que os lugares santos conservam a memória de sua passagem pela terra. Em Jericó, por exemplo, foi escolhido um ponto da cidade, num jardim, onde foi plantado um grande e imponente sicômoro para recordar aos transeuntes cristãos ou aos curiosos que visitam a localidade o encontro de Jesus com Zaqueu. Todavia, no auge na modernidade em que vivemos mergulhados, visitando lugares que albergaram fatos tão distantes no tempo, em cidades habitadas por pessoas que nem sabemos se são religiosas ou mesmo cristãs, que significado elas encontram em tudo isso? Sei que elas veem a presença de muitos turistas do mundo inteiro, e seria o caso de, falando a língua deles, o árabe, nos sentarmos nas praças para oportuno diálogo. Claro que não há mais nenhum vestígio da Jericó do tempo de Cristo na visão de como a cidade hoje está estruturada. Mas existem ruínas de muralhas do tempo de Josué num canto a céu aberto para o entretenimento dos arqueólogos e turistas. Por certo, a cidade do tempo de Cristo narrada nos episódios do Evangelho está suplantada pelas construções atuais, segundo a percepção de historiadores. 

 


Nessa cidade, está também o “monte das tentações” de Jesus, segundo a narrativa dos Evangelhos. São Marcos relata isso de modo sucinto, com palavras bem condensadas na pena de sua elaboração escrita, pois, assim que Cristo fora batizado no Rio Jordão por João Batista, “logo o Espírito o impeliu para o deserto. E ali Ele esteve no deserto quarenta dias, tentado por Satanás. E vivia entre as feras, e os anjos o serviam” (Mc 1,12-13: Mt 4,1-11). Na encosta do monte das tentações, podemos ver o Monastério Grego Ortodoxo que fora construído no final do século IV, e que tem o nome de “Monastério da Quarentena”, em recordação da tentação do Filho de Deus, igual a nós em tudo, exceto, no pecado. De modo profundamente existencial, na sua humanidade, Cristo evoca pela sua experiência do deserto – do seu próprio “êxodo” (Lc 9,31) que se consumaria em Jerusalém, especialmente, durante os seus últimos dias na Cidade Santa – a dura e difícil experiência do Povo de Israel no deserto por quarenta anos seguidos, duros e penosos. Tentados na sua fé, os filhos dos hebreus se questionavam sobre a real presença de Deus no seu meio (Ex 17,1-7). E aos pés do Monte Sinai, a revolta se agravou de tal modo que eles fizeram o “bezerro de ouro” – de metal fundido – como expressão de seu deus (Ex 32,1-8). Tamanha idolatria fez com que a ira de Deus se acendesse como um “fogo devorador” contra o seu povo eleito. Cristo, por sua vez, atravessa o seu “êxodo” até o fim com profunda e radical obediência ao seu Pai Bendito. A resposta de amor e fidelidade que o povo não consegue expressar e manifestar concretamente diante do seu Deus, Cristo o faz por ele e, consequentemente, por toda a humanidade. Com efeito, sua obediência “até a morte e morte de cruz” atravessa os séculos e abraça a história de todos os tempos, desde o primeiro Adão até o último dos viventes. Misteriosa redenção que Deus protagonizou pelo seu Divino Filho em favor de todos os mortais. A Ele, a glória e o louvor pelos séculos sem fim! 

 

Misteriosa redenção que Deus protagonizou 
pelo seu Divino Filho em favor de todos os mortais.