Visitando a Jerusalém Antiga
Passeando
pela cidade da Jerusalém Antiga, depois de atravessarmos a porta de Damasco, no
lado árabe da cidade Santa, encontramos alguns lugares importantes da vida de
Cristo, que morreu no Monte Calvário. Aí percorremos as ruas estreitas pelas
quais Cristo passou carregando a cruz, segundo o testemunho histórico da
tradição com algumas indicações dos Evangelhos. Sempre uma emoção particular
poder pisar em lugares tão santos por onde Cristo esteve nos últimos dias de
sua vida terrena. Os dramas vividos por Ele na estampa existencial de sua
humanidade atravessam de luz e claridade os dilemas que vivemos ainda hoje
diante dos imperativos de sua entrega e de seu amor. A cada passo, a cada
reflexão, a cada toque da graça divina que me permitiu viver em Jerusalém,
trago comigo amigos e familiares, pessoas consagradas da vida da Igreja de
Cristo, e tantas outras pessoas que me seguem de longe, e que também gostariam
de, pelos menos, um rápido passeio por esses canteiros históricos da presença
de Jesus no meio dos homens.
Além
do caminho mesmo da via-sacra, com as estações sinalizadas no percurso, encontramos
a Igreja do Patriarcado Ortodoxo Grego de Jerusalém, indicando o lugar da
prisão de Jesus. Bem ao lado, encontramos o local onde o Imperador de Roma
Adriano, construiu um arco tríplice para decorar o mercado da Aelia Capitolina, como ficou conhecida a
Cidade durante o tempo da conquista romana. Desde a Idade Média, esse lugar é
chamado de “Ecce Homo” – “Eis o
homem” – a tremenda expressão de Pôncio Pilatos ao entregar Jesus, coroado de
espinhos e portando o manto de púrpura, aos seus carrascos (Jo 19,5-6). Nessas
imediações, encontramos também dois santuários, o da Flagelação e da Condenação
de Cristo, em cujas redondezas está o Convento dos Franciscanos, com seu
Instituto de Ciências Bíblicas e Arqueológicas, e também de especialização em ciências
bíblicas orientais. Um desses santuários é a Basílica de Santa Ana, a mãe de
Maria, dentro da qual encontramos um lavatório de mármore do século XV, com a
cena da Natividade – do nascimento de Cristo – segundo a visão de Santa Brígida,
da Basílica de Belém. Segundo o protoevangelho de Tiago, esse é o lugar da
natividade de Maria. Nesse local, também é referida a “Fortaleza Antônia”, que
o imperador Herodes, o Grande, mandou construir em homenagem a Marcus Antônio, membro
do triunvirato romano na região, e que Flávio José – escritor romano-judaico – descreve
como um verdadeiro palácio real, com quatro torres e uma escadaria para
comunicação com o templo.
Aí,
encontramos também a piscina de Betesda. Um folheto informa que “as duas piscinas
existentes levam-nos a supor que sempre existiram reservatórios de água nesse
vale. Um simples dique poderia reter águas pluviais que corriam pelo vale
formando um lago natural. Posteriormente, logo foi transformado num reservatório
artificial de 40m x 50m, por um dique de 6m de largura. Daqui a água era levada
para os templos por um canal aberto. Os textos bíblicos de Is 7,3 e 2Rs 18,17,
poderiam referir-se a este canal”. O Evangelho de São João narra o episódio da
cura de um homem que era enfermo a 38 anos. Vale a leitura do texto de São João
(Jo 5,1-9). Jesus realizando curas em dia de sábado para contrariar os judeus
de sua época. Jesus lhe pergunta: “Tu queres recuperar a saúde?”. E o homem
desabafa: “Senhor, eu não tenho ninguém que me jogue na piscina, quando a água
é agitada. E antes que eu chegue, outro desce antes de mim”. Jesus, então, lhe
autoriza: “Toma o teu leito e anda”.
A
reflexão bíblica nos ajuda a entender no arco da missão salvífica de Cristo o
sentido da expressão de Jesus “toma... e anda!”, pois, segundo Louis Hurault,
trata-se de uma expressão recorrente no NT e tem direta relação com a ressurreição
de Cristo. Mais tarde, no templo, Jesus completa o sentido do sinal que Ele
realizara. Ao que ele curara, dá-lhe uma ordem, quase como uma ameaça, dizendo:
“Eis que recuperaste a saúde. Portanto, não peques mais para que não te
aconteça algo pior” (Jo 5,14). Desse modo, Cristo parece estabelecer uma
relação de causa e efeito ente o pecado e a doença, o que será negado com a
controvertida história da cura do cego de nascença (Jo 9). Diante da visão
legalista dos judeus que veem Jesus operando em dia de sábado, Cristo eleva o
debate ao nível de sua própria identidade, em profunda relação com o Pai que “sempre
trabalha” (Jo 5,17-18). Ou seja, que a obra salvífica de Cristo não cessa por
causa do sábado. Portanto, diante das hostilidades dos judeus, se intensifica o
caminho inexorável de Cristo para a Paixão, mas, sobretudo, para além da morte,
à luz de sua Ressurreição (Louis Hurault,
1998, 425-426).
Ainda
percorrendo a Cidade Antiga em direção à porta de Leão, que desemboca no lado
do Monte das Oliveiras, encontramos belos e históricos arcos que abraçam os
dois lados da viela do caminho da Cruz. Já fora dos muros da Cidade Antiga,
visitamos o lugar onde, segundo a tradição, está o túmulo de Nossa Senhora, aos
pés do Monte das Oliveiras, no Vale de Josafá, que é uma extensão do Vale do
Cedron, adjacente ao Jardim do Getsemani e da Igreja de todas as Nações. O
Jardim do Getsemani é um especial lugar de recolhimento e oração. Ali, Cristo
chamou os seus discípulos e lhes pediu: “Ficai aqui e vigiai comigo!” (Jo Mt
26,36-46). Por trás de um bocado de flores, diante de um crucifixo, podemos ler
em latim: “Sustenete Hic et Vigilate
Mecum!” Qual não foi a decepção de Jesus! Quando voltou, encontrou-os
dormindo e disse a Pedro: “Não fostes capazes de vigiar comigo por uma hora!
Vigiai e orai para não cairdes em tentação, pois o espírito está pronto, mas a
carne é fraca”. Jesus antevia com sofrimento e dor os passos de sua paixão, e
rezava ao Pai que se fosse possível, livrasse-O daquela hora. Mas que não fosse
feita a sua vontade, mas a vontade do Pai. Uma lição de entrega e radical
obediência para a humanidade inteira.
Subindo
em direção a Igreja “Dominus flevit”
– “O Senhor Chorou”, antes podemos contemplar as torres douradas e esplêndidas da
cúpula do Monastério de Santa Maria Madalena. O czar da Rússia, Alexandre III –
Alexandre Alexandrovich Romanov (1845-1894) – adquiriu com seus irmãos um
terreno no Getsemani e ali construiu uma igreja em memória de sua mãe, a
czarina Maria Elexandrovina, alemã de origem, mas ortodoxa russa. Tal igreja
foi, então, dedicada à matrona celeste da Czarina: “Santa Maria Madalena Igual
aos Apóstolos”, uma discípula do Salvador que O seguiu fielmente. Foi, pois, a
essa Santa que foi dado anunciar aos Apóstolos a Ressurreição de nosso Senhor
Jesus Cristo. Com efeito, “Jesus, tendo ressuscitado na manhã do primeiro dia
da semana, apareceu primeiro a Maria Madalena” (Mc 16,9).
Finalmente,
concluindo nosso breve tour, subimos mais um pouco, contemplando o lado oriental
da cidade Santa de Jerusalém – cujo horizonte se descortina de maneira espetacular
e magnífica, sob o sol luminoso e o céu denso e azul – chegamos a Igreja construída
para recordar o pranto de Cristo sobre Jerusalém. Jesus, quando ia chegando, vendo
a Cidade Santa, chorou sobre ela, exclamando: “Ah! se tu
conhecesses também, ao menos neste teu dia, o que à tua paz pertence! Mas agora
isto está encoberto aos teus olhos. Porque dias virão sobre ti, em que os teus
inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te estreitarão de todos
os lados;
E te derrubarão, a ti e aos teus filhos que dentro de ti
estiverem, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, pois que não conheceste o
tempo da tua visitação” (Lc 19,41-44). Tão santo quanto humano, o Filho de Deus
chora a dureza da conversão dos corações à riqueza insondável de seu amor. E ainda
hoje, as ovelhas rebeldes da casa de Israel – que somos todos nós – têm dificuldades
em entender e aceitar a misericórdia divina que gostaria de nos proteger como aquele
o faz com seus pintainhos. Como diria o Padre Zezinho, “o mundo ainda tem medo de
Jesus, que tinha tanto amor!”.