O Padre, o Bêbado e o pé de
galinha
Esta
história foi um amigo sacerdote quem me contou. No contexto das celebrações
natalinas, ele estava falando da fragilidade de uma criança, do modo
surpreendente com que Deus, na sua baixeza, fizera-se igual a nós em tudo,
exceto no pecado, e também assumira nossa humanidade com todas as consequências
do pecado, como o sofrimento e a morte. De fato, de todos os animais que
existem, o homem é um dos mais frágeis logo ao nascer, totalmente, dependente
de seus pais para tudo: não sabe caminhar, não fala, não entende as coisas, se
tem fome não sabe pedir comida, se sente uma dor não sabe dizer onde, enfim,
derrama seus sentimentos na confiança de que os pais descubram os motivos de
seu choro, de seu incômodo físico ou psicológico, de suas necessidades mais prementes
e primárias. E isso acontece por muito tempo, diferentemente de outros animais
que já caem em pé no solo fértil de sua sobrevivência.
Nas
circunstâncias de seu discurso, realizado na homilia, expôs sobre as
dificuldades que teria para conter um bebê nos braços, por conta de suas dobras
frágeis, em processo de desenvolvimento e formação. Então, externou também a
admiração que tinha pelas mães, cujas habilidades maternas sempre estão afeitas
aos cuidados de todo tipo que devem ter com os filhos, sem machucá-los, ao dar
banho, ao trocar as fraldas e em todos os outros trejeitos próprios de seus
carinhos de mãe. Na consciência de não saber lidar com essa realidade dos
recém-nascidos, poderia machucá-los, feri-los. Então, do meio da assembleia
surgiu a voz de um bêbado que sempre frequentava as missas com seu pandeiro, às
vezes, até ensaiando algum toque ao ritmo dos cânticos litúrgicos. E ele
bradou: “Padre, minha mãe já dizia que pé de galinha não mata pinto!” Pronto!
Se alguém pensa que os bêbados vão à missa distraídos está totalmente enganado.
Nesse caso, ele não apenas estava atendo, mas veio em socorro do padre para
elucidar melhor o ensinamento de sua pregação. E fê-lo com palavras certeiras.
Mais tarde, na hora da comunhão, ele entrou na fila, o que causou perturbação
ao padre: “Meu Deus, e agora, será que ele vem comungar?” Na verdade, uma
situação constrangedora diante de todos da assembleia. Quando o sacerdote
pensou que ele queria a hóstia, ele foi categórico: “Não, padre, eu quero que o
senhor abençoe o meu pandeiro!”. Que bela lição de vida ele foi capaz de
oferecer aos que sempre pensam mal dos que, aparentemente, são desprovidos de
lucidez e coerência numa celebração litúrgica.
Essa
história fez-me lembrar de outro caso. Numa paróquia do interior do Estado,
havia um cidadão que, segundo a opinião de todos, era um doido. Vivia indo e
voltando, rua acima, rua abaixo, mesmo sem se importar com sol escaldante do
meio dia, quando o sol se encontra em zênite, mais inclemente. Sempre ia à
Igreja. Um dia, chamou o padre à parte e perguntou-lhe: “Seu vigário, sempre
que eu ia à missa, eu recebia a hóstia. Mas, agora, aconteceu que eu estou
morando com uma mulher sem ser casado. Eu posso continuar recebendo a hóstia?”
Seria essa uma pergunta de quem é considerado fora de si, ruim das ideias, como
todos pensavam? Aquele, de doido, não tinha nada! E o padre lhe advertiu:
“Nesse caso, você vai ter de escolher entre a hóstia e sua mulher, embora você
possa continuar indo à igreja, para a missa!”. E ele, sem delongas, elucidou a
decisão: “Então, seu vigário, por enquanto, eu vou preferir ficar com a minha
mulher!”. Mais outra lição de coerência e de fineza com as coisas sagradas da
Igreja de Cristo. Uma lição para todos nós que, muitas vezes, imaginamos poder receber
o Corpo de Cristo de qualquer jeito,
sem nenhuma preparação, ou sem o verdadeiro exame de consciência diante da
realidade do sagrado que desejamos “possuir”. Foi Cristo quem disse aos seus
discípulos: “Não atirai vossas pérolas aos porcos!”.
A
expressão parece forte, mas aparece no Novo Testamento num contexto em que
Jesus critica, duramente, o comportamento de algumas pessoas que profanam as
coisas santas: “Não deis aos cães o que é sagrado, nem atireis as vossas
pérolas aos porcos, para que não as pisem e, voltando-se contra vós, vos
estraçalhem” (Mt 7,6). Ao que nos interessa, o dito encerra um contraste
profundamente nítido: “pérolas e porcos”. Conheço um sacerdote que dizia se
sentir “uma verdadeira joia no focinho dos porcos”! O fato é que todo mundo
sabe o valor que tem uma pérola, cuja preciosidade não se vende por qualquer
tostão. Quantas vezes, o próprio Jesus comparou o Reino dos Céus a uma pérola
preciosa escondida num campo? Quem o encontra, vai, vende tudo o que possui e
compra aquele campo.