Tempos sombrios
Há pouco tempo, escrevi
aqui sobre “sinais da madrugada”, sobre um filete de luz da esperança que
começava a clarear o horizonte da democracia no Brasil. Mas, na verdade, a
humanidade precisa entender que estamos vivendo “tempos sombrios”. Ideologias
que matam se estenderam pelo mundo, e adormecidos no fundo de nossa memória,
fingimos não entender. A revolução russa completou cem anos, e vimos
comemorações exaltadas por pessoas que não viveram o pesadelo dos que foram
torturados, expulsos de sua pátria, reduzidos a nada, simplesmente porque
professavam sua fé, buscavam valores que eram contrários à “lisura” dos Estados
totalitários e, por essas razões e tantas outras, maquinadas pela engenhosa
inteligência humana, treinada e experta em inventar mentiras, também foram
mortos.
A barbárie sempre
esteve presente no meio dos homens ditos civilizados. Ditaduras cruéis,
impérios sanguinários, rivalidades fratricidas, perseguições religiosas,
racismos, e tantos outros tipos de intolerância conduziram a humanidade a duas
Grandes Guerras Mundiais. A humanidade atingiu o cúmulo de ressentimentos e de ódios,
que o patrocínio da loucura de pessoas genialmente dementes fez escancarar, à
saciedade, os requintes de crueldades expostas à luz do dia, em campos de
concentração e extermínio, em crematórios humanos, que denegriram impiedosamente
o sublime respeito devido à dignidade humana. Uma cruzada entre o bem e o mal,
se levantou, mais uma vez, agora, tentando demonstrar que a força da
malignidade humana também é poderosa e pode fazer estragos imprevisíveis e
funestos para toda a espécie humana. Assim, os laboratórios sociais, como são,
por exemplo, os meios de comunicação, os mass
media, os meios de comunicação de massa, têm exercido um papel
terrivelmente deletério da moral e dos bons costumes, com os quais vamos nos
habituando, paulatinamente, sob a defesa hipócrita do “politicamente correto”
ou do bem mau compreendido “respeito humano”. Mas, enquanto isso acontece, a
energia da maldade, advinda das consciências laxas e comprometidas com o
combate a toda espécie de tradição e de bens valorativos da sociedade, todos
mergulhamos num obscurantismo sem precedentes, por que avantajado e recebido
sem resistências. E quando abrirmos os olhos, poderá ser tarde demais.
Por isso, precisamos
ficar atentos e ter muito cuidado pelas posições que tomamos ou pelas
ideologias que defendemos. Não podemos permitir que o fanatismo nos cegue os
olhos, simplesmente, porque tivemos algum tipo de favorecimento, seja político,
material, econômico ou mesmo pessoal, às custas do patrimônio público ou
alheio. Não posso me servir sozinhos dos benefícios devidos a todos. Não posso
apenas pensar no quintal da minha casa, bem arrumada ou protegida, quando, na
verdade, ninguém está isento ou incólume ao furacão da violência que nos cerca
a todos. O fanatismo é como o exclusivismo, sempre deixa de fora pessoas e
fatos importantes, que poderiam agregar e fortalecer ainda mais o bem que
buscamos para a coletividade. Sei que a arte do convencimento não precisa ser
unilateral ou desprovida da complexidade das conjunturas sociais e políticas
que vivemos no Brasil, nessa hora tão grave em que nos preparamos para as
eleições, sobretudo presidenciais, do segundo turno. Mas precisamos iluminar a
inteligência com os fatos tristes e deprimentes com que alguns políticos, qual
profetas nefastos da agonia, afundaram populações inteiras nas águas sujas das
ruínas democráticas de seu país, com regimes caudilhistas, sob os punhos
opressores da ganância, da soberba e do enriquecimento ilícito. [Basta pensar,
por exemplo, no filho de um ex-presidente, operário e sem formação acadêmica
nenhuma, estar entre os 20 homens mais ricos do mundo, enquanto na mesma nação
há pessoas que morrem de fome!]. Uma vergonha verde e amarela que, em nada, pode
nos orgulhar de um chefe de Estado assim. Então, precisamos tirar as escamas
dos olhos e ampliar o horizonte de nossas conquistas, além do nosso quintal,
dos interesses próprios, do contato parasitário com as instituições políticas,
de apenas usufruirmos e não colaborarmos com nada em relação aos interesses
maiores da população mais pobre e faminta, sem nos preocupar com suas
necessidades mais urgentes e primárias.
Quando o homem se
bastar a si mesmo e dispensar Deus se seu círculo de vida, apelando para todo
tipo de instigação dos instintos selvagens guardados dentro de seu lado animal,
contraposto à transcendência de sua espiritualidade, é sinal de que algo está muito
errado consigo mesmo e no raio das pessoas que ele pretende atingir. É, então,
aí, que as forças imperiosamente demoníacas tiram fora o pior de sua capacidade
para elaboração do mal. Onde o homem tenta assumir o lugar de Deus – e essa é a
grande tentação humana desde a gênese da história da humanidade – o caos moral
se instala e com ele todos os derivados de seus excessos e abusos. Sem Deus, o
homem se torna um suicida no caminho da autodestruição. O frescor e a lucidez
de um pensamento do Papa Bento XVI podem ajudar-nos a entender melhor o que
digo: “Se Deus e os valores, se a diferença entre o bem e o mal permanecem na
escuridão, então todas as outras iluminações, que nos dão um poder
verdadeiramente incrível, deixam de constituir somente progressos, mas passam a
ser simultaneamente ameaças que nos põe em perigo a nós e ao mundo. [...] Nas
coisas materiais, sabemos e podemos incrivelmente tanto, mas naquilo que está
para além disso, como Deus e o bem, já não o conseguimos individuar. Para isso,
serve a fé, que nos mostra a luz de Deus, a verdadeira iluminação: aquela é uma
irrupção da luz de Deus no nosso mundo, uma abertura dos nossos olhos à
verdadeira luz”. (Assunção, 2018,
p. 13). Com certeza, a reflexão da papa visionário, que mergulha a pena de suas
preocupações nas águas agitadas das ideologias contemporâneas, serve-nos, não apenas
como um alerta, mas, sobretudo, como um convite à mudança de atitudes, de
tomada de posição frente às correntes malignas que afastam Deus do homem e
oprimem as suas criaturas.
Na verdade, assim como
os tiranos não nascem feitos, mas são construídos na história, de igual
maneira, os messias esperados precisam de oportunidade e de tempo para
demonstrarem a que vieram, e, nesse sentido, precisamos oferecer-lhes a chance
de ostentar algo novo, porque, pelo
menos, mesmo que tenhamos de “esperar contra toda esperança”, deixar o quadro
sócio-político-cultural-econômico do Brasil mais negro do que está, parece-me
uma missão impossível. Assim pensando, decidi que, no segundo turno, irei votar
em presidente do Brasil, ao contrário do direito à abstenção que exerci no
primeiro turno, justificando o voto. Data
venia!” (PGRS).