Coronavírus:
um poder ameaçador
que
deveria fazer a humanidade refletir
O
coronavírus está aí, aqui, lá, acolá, presente, invisível, ameaçador,
destruidor, impactante, assombroso, poderoso, delator... etc. Seriam infinitas
as qualificações para essa perturbação da saúde humana que tem paralisado o
muno inteiro. De onde ele veio? Para onde está nos levando? Que reações ele tem
provocado além das fronteiras das proximidades humana, geográfica, política,
econômica, religiosa, racial, étnica, cultural, artística, social,
antropológica, humanitária, etc.? Mais do que interrogações pontuais,
consectárias de uma pandemia galopante, que tipo de lições ou mensagem ele quer
nos deixar?
Autoridades
e países estão em estado de choque pela força brutal de um vírus que ainda não
se sabe bem a sua origem nem seu destino, embora anunciem na China, onde tudo
começou, que o pico da recrudescência já atingiu seu auge e começa a declinar,
mas no resto do mundo o risco só aumenta. Então, diante de uma tragédia
humanitária de saúde pública, não seria oportuno o momento para a Humanidade
refletir sobre si mesma, sobre sua decadência moral, espiritual, civilizatória,
descalabro propriamente humano, diante de ideologias deletérias de valores e
perspectivas de melhoramento da própria identidade humana? Recentemente,
pensava-se, filosoficamente, numa sala de aula da universidade que nunca se
provocou tanto as especulações humanas da liberdade de pensamento quanto nos
dias que correm. No entanto, esta foi uma das conclusões abordadas na ocasião:
não obstante toda a liberdade do pensar e do agir humanos, o “pensamento [a
ideia que precede ou preside às ações do homo
sapiens] não tem melhorado o ser o humano”. Ou seja, que vivemos tempos de
altercações dialéticas de todo tipo, mas sem que o ser pensante se dê conta de
que ele só tem piorado em seu estágio de elevação humana e espiritual. Cada um
tentando encontrar a verdade sobre si mesmo, mas alheio à transcendência e ao
princípio vital de sua intrínseca espiritualidade. Todavia, não é a primeira
vez que a humanidade se assombra com uma doença invisivelmente contagiosa,
mesmo se reconheço que, durante os quase cinquenta anos das minhas primaveras
existenciais, nunca presenciei reações globais de isolamento radical como no
momento presente! Nem na época em que o mundo vivia assustado com as ondas
locais de terrorismo que ameaçavam algumas capitais da Europa, como Londres,
Roma e Madri, enquanto a gente circulava, desconfiando de tudo e de todos,
pelas galerias das estações e linhas de trens e de metrôs do velho Continente
em 2002.
Desafios
humanitários e científicos manifestam a impotência humana diante do
desconhecimento da atual virulência inimaginável. Desse modo, o barulho silencioso
do novo coronavírus – COVID-19 – está despertando o espírito humano para a
solidariedade, a fraternidade, o cuidado recíproco de uns com os outros. Isso tudo
porque ninguém se sente mais seguro ou imune às ameaças letais que avançam
mundo afora.
Quando
foi que um papa se isolou? Que celebrações de missas foram suspensas? Que
aglomerações de pessoas fossem desaconselhadas por terrível ameaça? Que viagens
e voos fossem “autoritariamente” proibidos de um continente a outro em nome da
proteção viral? Quando em tempos de liberdades tão profundas, pessoas se
sentiram vítimas de sua própria liberdade, orientadas a fechar as portas, a
estocar alimentos, a não sair de casa senão em conjunturas extremamente
urgentes e necessárias? Quando tantas pessoas foram levadas à quarentena
compulsória? Quando embarcações gigantescas como são os cruzeiros foram
peremptoriamente determinadas a aportar em algum lugar, com autorização
expressa de autoridades constituídas, e ali manter seus passageiros em
isolamento total? Quando o mundo e as cidades ficaram propositalmente
despovoadas por causa de sintomas graves da infestação da perigosa doença? Quando
vimos tantas pessoas mascaradas? Quando vivemos isso? Pelo menos, eu não me
lembro de ter experimentado pavor tão grande que levou tantas pessoas ao curral
invisível do medo viral! Os ventos das contingências humanas estão soprando
fortemente para nos dizer o quanto somos frágeis em nossas arrogâncias, em
nossas prepotências, em nossa orgulho mesquinho, em nossa psicopatia egoísta,
em nossas doenças mentais mais recônditas e escondidas no âmago do calabouço de
nossas podridões humanas, morais, autossuficientes e, no entanto, tudo isso
congelado pela síndrome fóbica de um vírus.
Onde
antes o turismo atraía multidões para o recreio de migrações prazerosas nas
megalópoles mundiais, tudo agora se faz deserto, prudência, ponderação e
suspeita; onde o vozerio desencontrado de culturas linguísticas e sociais fazia
rumor, tudo ali agora é melindre, silêncio; onde ambições políticas e ganâncias
financeiras gritavam alto, a brisa suave da discrição tenta acalmar os ânimos,
desejando que a tempestade passe logo, para dar espaço ao tempo da bonança, do
descanso, do desassombro coletivo e da calmaria maior das nações em ebulição geopolítica;
onde cada um cultivava a indiferença doentia, mórbida, diante de seus iguais,
com preconceitos e desprezos irracionais, agora o coronavírus coloca todos em
pé de igualdade no abraço desconfortante de um perigo letal; onde as leis do
mercado ditava as normas exploradoras e abusivas dos poderosos, no momento, o
dinheiro acumulado e guardado é distribuído à maneira de lenitivo, para refrear
o avanço da calamidade púbica que invadiu povos e nações; onde a vida parecia
opulenta e alegre, condicionada pelo materialismo ateu, agora, a cortina da
tristeza, da insegurança e do medo, abre-se no palco obscuro da vulnerabilidade
dos supostamente fortes e inatingíveis na fortaleza de suas pretensões
inapeláveis.
E,
assim, no circuito dessas reflexões rasteiras, pontuadas de inquietações e
angústias, muitas pessoas já pagaram o preço da pandemia - que não respeita
classes sociais, nacionalidades nem etnias, culturas nem raças, cor da pele,
nem riqueza, nem pobreza - esgarçando e destruindo o frágil tecido da
sublimidade da vida, que se encontra e se desfaz no amplexo fatídico da morte. São
flagelos que se abatem contra a humanidade quando ela vive afastada e esquecida
de Deus. O mundo contemporâneo já vive aquilo a que, um dia, chamaram de “utopia
pós-religiosa”. Uma “utopia humanista-secular do século XXI”, para a qual “sem
a tolice da fé, tudo ficará bem, tudo entrará nos eixos”. (Prothero). No entanto, não
é essa a segurança da apostasia mundial a que estamos assistindo. Com efeito, a
incoerência do ateísmo moderno é sentir as pernas tremeram quando o chão
cosmológico de suas certezas e presunções também se abala. E, assim, mesmo quem
não desconfia do medo que sente, de igual modo, também sente medo. Portanto,
ainda nesse vislumbre de insegurança e fobia, os cristãos, que nunca temeram o martírio,
nem a fome, nem a peste nem até a própria guerra em tempos de crises, não obstante
os temores próprios da humanidade, agora vivem acuados por causa da séria
gravidade de um vírus que grassa sobre todos nós. Atitudes mundiais de coragem
de médicos e enfermeiros, entre tantos outros agentes de saúde ou de outros órgãos
de auxílio humanitário, tentam trazer consolo e esperança a todos. E os que já perderam
seus entes queridos, sobretudo, na China e na Itália, como em outras partes do
mundo, vendo desaparecerem sem o devido momento de despedida natural, sem
velório, sem orações nem exéquias, merecem a condolência de todos nós. Estamos
todos prostrados!
Como
diria um autor moderno, o Venerável Fulton Sheen, sobre tempos nebulosos
e obscuros da história humana, “A Guerra Mundial, por exemplo, quis ser o
purgatório do mal; quis nos ensinar que não podemos seguir sem Deus. Mas o
mundo se recusou a aprender a lição”. Então, que esse experiencia terrível e
tremenda da história atual também nos ensine algo e que possamos aprender a lição.
Deus proteja o mundo, livrando-o, o mais rápido possível do mal que nos
perturba e nos conceda a graça de renascermos da crise mais humanos, mais fraternos,
mais fortes e mais fiéis aos princípios de suas leis, porque sem Deus só
pioramos. (PGRS).