O Catecismo da Igreja Católica afirma
que “ao celebrarmos cada ano a liturgia do Advento, a Igreja atualiza esta
espera do Messias: comungando com a primeira vinda do Salvador, os fiéis
renovam o ardente desejo de sua Segunda Vinda” (CIC, n. 524).
Essa é a motivação pela qual, de novo,
queremos abrir as comportas do nosso coração para acolher o Senhor que vai
chegar no mistério da Encarnação pela qual “a verdade do amor de Deus alcança o
homem na história, convidando-o a acolher livremente essa novidade radical”
(Papa Bento XVI). No âmbito desta “novidade radical”, a Igreja de Jesus Cristo
retoma “o ciclo das [suas] festas essenciais que são o Natal, a Páscoa e
Pentecostes”. (Dom Luciano Duarte).
O período do Advento coincide com o
início do novo ano litúrgico, e também, chamado ano eclesiástico, que, em 2024,
retoma a reflexão sobre o Evangelho de São Marcos, o ano “B”. Notoriamente, o
começo do ano litúrgico não corresponde ao princípio do ano civil, o que
acontece no dia primeiro de janeiro. Então, foi a partir do Concílio Vaticano II,
que a Igreja de Cristo se enriqueceu com a meditação dos Evangelhos
distribuídos nos chamados anos “A”, “B”, e “C”. Trata-se, respectivamente, dos
Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, conhecidos na literatura bíblica como “os Evangelhos Sinóticos”. Essa
distribuição dos Evangelhos em três anos litúrgicos foi um “dos frutos maiores
do Concílio Vaticano II”. Tudo isso porque, como afirmara Dom Luciano Duarte,
“a Igreja inteira vive, pende, está suspensa pela vida histórica de Jesus Cristo,
e é celebrando esta vida histórica que a vida religiosa dos cristãos foi se
desenvolvendo”. Em outras palavras, “o ano litúrgico é a estrutura que sustenta
todo o mistério do culto cristão” (Matias Augé).
Essencialmente, do ponto de vista
litúrgico, a vida da Igreja se desdobra no arco de tempo que vai do Advento até
o último domingo do Tempo Comum – Solenidade de Cristo Rei do Universo –
passando pelo Tempo da Quaresma, que culmina na celebração da Páscoa do Senhor.
Dessa maneira, a vida do cristão é permeada por este “kairós” de Deus, o tempo da salvação que se chama “hoje”, que
assume a plenitude no mistério da Encarnação de Cristo, extrapolando todos os
limites e todas as dimensões do tempo e do espaço, invadindo,
antropologicamente, todas as cavernas mais obscuras da imperfeição humana.
Numa atitude de abertura e conversão,
todos somos chamados a mergulhar na graça da Redenção que nos é
oferecida gratuitamente. Ela é a fonte da esperança de que fala o Papa Bento
XVI na sua Carta Encíclica “Spe Salvi”,
publicada no dia 30 de novembro de 2007, no Vaticano. “A redenção é-nos
oferecida no sentido de que foi dada a esperança, uma esperança fidedigna,
graças à qual podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que
custoso, pode ser vivido e aceito, se levar a uma meta e se pudermos estar
seguros desta meda, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do
caminho”. (Spe Salvi, n. 1).
Falando da “transformação da
fé-esperança no tempo moderno”, e fazendo uma retrospectiva histórica de momentos
cruciais em que se tentou varrer Deus da convivência social para dar razão à
ditadura de sistemas políticos e econômicos, o Papa afirma que “o homem não é
só produto de condições econômicas nem se pode curá-lo do exterior criando
condições econômicas favoráveis” (Spe
Salvi, n. 21) e que, “para Deus entrar verdadeiramente nas realidades
humanas, não basta ser pensado por nós, requer-se que Ele mesmo venha ao nosso
encontro e nos fale”. (Spe Salvi, n.
23). E é, pois, esse encontro com Deus que queremos celebrar durante o Advento,
e mais categoricamente no dia do Natal. Sim, aí, gostaríamos de experimentar,
de modo pleno, a profunda satisfação do amor de Deus que nos supera em todas as
nossas limitações. Todavia, para isso, o coração precisa ser dilatado, limpo e
purificado. É o Papa quem afirma: “O homem foi criado para uma realidade grande,
ou seja, para o próprio Deus, para ser preenchido por Ele. Mas, o seu coração é
demasiado estreito para a grande realidade que lhe está destinada. Tem de ser
dilatado”. (Spe Salvi, n. 32).
Citando Santo Agostinho, o Papa
apresenta a bela imagem que descreve a “dilatação” do coração: “Supõe que Deus
queira encher-te de mel. Se tu, porém, estás cheio de vinagre, onde vais pôr o
mel?” Portanto, abramo-nos ao acolhimento festivo do Messias esperado, que
chega, a fim de que rebente no nosso coração ressequido a alegria divina
manifestada pelos pastores de Belém, pois, no “hoje” da nossa fé, nasceu-nos um
Salvador, o Cristo Senhor. (Dr. PGRS, 2023).