A Solenidade de todos os Santos
“O Reino celeste é a morada dos santos, sua paz
para sempre”. No dia 1º de novembro, celebramos, na Igreja Católica, a
solenidade de Todos os Santos, que no Brasil se transfere para o Domingo
seguinte, caso o dia 2 – comemoração de todos os fiéis defuntos – não caia em
dia de Domingo.
Celebrar todos os santos significa alimentar a
esperança de, um dia, também nós estarmos participando da plenitude da vida
eterna, depois de vencidas todas as imperfeições de nossa humanidade pelo
mistério da Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. De fato, ele nos
abriu o cominho de céu, e nos tornamos herdeiros de sua vida divina,
concidadãos dos céus, da vida plena em Deus. Desse modo, “já não sois
estrangeiros e adventícios, mas concidadãos dos santos e membros da família de
Deus. Estais edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do
qual é Cristo Jesus a pedra angular. Nele, bem articulado, todo o edifício se
ergue como santuário santo, no Senhor, e vós, também, nele sois coedificados
para serdes habitação de Deus, no Espírito” (Ef 2,19-22).
Somente os santos poderão morar no céu!
Portanto, todos somos convidados e intimados a uma vida santa diante de Deus e
dos homens. A santidade é fruto da íntima e profunda união com Cristo, que faz
resplandecer nos santos a glória de sua ressurreição. Ou seja, a santidade não
é para os extraterrestres, como, às vezes, imaginamos. Não o é para os que
vivem fora do mundo, nas nuvens imaginárias da alienação do cotidiano. Ninguém
pode ser santo se não for dentro da realidade propriamente humana, vivendo as
disposições interiores e espirituais na abertura transcendental que permite a
ascensão para Deus. Quando Cristo pede que sejamos santos como o nosso Pai do
céu é santo, isto é, perfeito (Mt 5,48), ela já está dando-nos a esperança de
que isso é possível, com o auxílio de sua graça e a nossa abertura ao
acolhimento das exigências e implicações que o desejo e a atitude concreta da
santidade o pedem. Portanto: “A santidade cristã manifesta-se, pois, como uma
participação na vida de Deus, que se realiza com os meios que a Igreja nos
oferece, particularmente com os sacramentos. A santidade não é fruto do esforço
humano, que procura alcançar Deus com suas forças, e até com heroísmo; ela é
dom do amor de Deus e resposta do homem à iniciativa divina”. (Missal Dominical,
1995, p. 1367).
Nossos altares estão cheios do exemplo luminoso
de pessoas que viveram na terra como se já estivessem no céu, totalmente
impregnadas pelas maravilhas que Deus realizou em sua vida: “De fato, toda
forma de santidade tem seu núcleo central na comunicação por parte de Deus, que
irrompe na vida da criatura humana e efetua de modo criativo uma autêntica
novidade interior. Na luz da transcendência divina, o santo é atraído a entrar
em íntima relação com o Pai, participa de sua riqueza salvífica, vive suas
exigências e torna-se uma incessante glorificação. Imerso na santidade do Pai e
animado pelo Espírito, que é santo e santificante, o santo torna-se um hino de
louvor e um sinal vivo da bondade divina para com toda a humanidade, pela
riqueza de sua ação”. (Dicionário
de Homilética). Contudo, a vida dos santos não é vivida sem as
dificuldades impostas pelas limitações humanas dos filhos de Deus, mas,
sobretudo, assumindo, na concretude da vivência cristã, todos os apelativos da
vontade divina. Numa dimensão de fé, isso significa não se deixar perturbar
pelas vicissitudes alheias aos desejos de controle do que nos escapa, mas tudo
colocar, de modo confiante e abandonado, sob o prisma da providência divina.
Para os santos, nada acontece sem a permissão divina, mesmo as situações aparentemente
negativas, que causam aborrecimento e desgosto pelo entusiasmo da fé. Daí que
os santos experimentam momentos de terrível escuridão interior, de aparente
indiferença divina, de suspeitoso silêncio divino quanto às angústias
desprovidas de consolações espirituais. De fato, quantos dissabores
existenciais de questionamento perturbam a alma dos santos! Santa Teresa
d’Ávila já dizia que não era de admirar que Deus tivesse tão poucos amigos por
causa dos “maus tratos” com que Ele saúda os que dele se aproximam.
Desafortunadamente, o mundo moderno, tão
materialista quando arreligioso, tem demonstrado um grave indiferentismo quanto
às realidades sobrenaturais da existência. A ciência e a técnica tentam
explicar tudo e, assim, não deixam espaço para o transcendente, embora o
coração do homem jamais se satisfaça com os avanços tecnológicos ou
científicos. Tudo isso pode favorecer uma faceta obscura do sonhado
“humanismo”, mas não conduz à plenitude do homem desejoso de infinito. Na
expressão do Papa Bento XVI (2009, n. 78).), “a reclusão ideológica a Deus e o
ateísmo da indiferença, que esquecem o Criador e correm o risco de esquecer
também os valores humanos, contam-se hoje entre os maiores obstáculos ao
desenvolvimento. O humanismo que exclui
Deus é um humanismo desumano. Só um humanismo aberto ao Absoluto pode
guiar-nos na promoção e realização de formas de vida social e civil – no âmbito
das estruturas, das instituições, da cultura, do ethos – preservando-nos do risco de cair prisioneiros das modas
modernas. É a consciência do Amor indestrutível de Deus que nos sustenta no
fatigoso e exaltante compromisso a favor da justiça, do desenvolvimento dos
povos, por entre êxitos e fracassos, na busca incessante de ordenamentos retos
para as realidades humanas”.
Portando, também dentro do horizonte das conquistas humanas, deve haver condições producentes em relação ao encontro entre o humano e o divino, a fim de que essas satisfações historicamente momentâneas não fechem o caminho progressivo da santidade ultra histórica porque nos leva a Deus. É permitindo que Deus – o Santo e Santificador, por excelência – participe da nossa vida terrena que poderemos ser agraciados pela participação futura da sua vida no céu, pois a vida no céu não será outra coisa senão a continuidade de nossa amizade com Ele vivida na terra. Com efeito, iluminados pela luz interior da fé – que é um dom da gratuidade divina – os santos conseguem contemplar um horizonte tão longínquo que poucos conseguem perceber. É, pois, lá, onde eles fazem a sua morada eterna desde o mundo sombrio da Terra. (Dr. PGRS)