quinta-feira, 30 de maio de 2024

 

Corpus Christi – o milagre de uma Presença



A cada instante do ciclo da história da humanidade, o milagre de sua Presença acontece pelas mãos de todos os sacerdotes que, obedientes à sua Palavra, celebram a Eucaristia. E, hoje, no dia da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, isso se realiza com devoção e adoração especiais ao Santíssimo Sacramento – o Sacramento dos Sacramentos. É um dia de louvor, de adoração, de pedidos, de gratidão, de reconhecimento da verdade do Senhor que prometeu estar conosco “todos os dias até o fim do mundo”. (Mt 28,20).

São as últimas palavras do Evangelho de São Mateus. Cristo desaparece, a fim de permanecer para sempre conosco. E ele foi buscar, ali, nos bens da natureza, os instrumentos de sua permanência entre nós. Um pedaço de pão, “fruto da terra e do trabalho humano”, e um pouco de vinho, “fruto da videira e do trabalho humano”, como o padre reza, silenciosamente, antes da consagração desses elementos primordiais, a “matéria” para a celebração do Santo Sacrifício da Missa. Com o milagre da transubstanciação das espécies do pão e do vinho, o Senhor vem e permanece no meio de nós, na discrição de sua Presença. E ainda queremos ver milagres! Que milagre maior do que esse pode existir sobre a face da Terra? Aquele mesmo Jesus de Nazaré, que cresceu no santo lar de Maria e José; que caminhou entre os homens, realizando curas e manifestando sinais do Reino; que atraiu o amor de alguns e o ódio de outros; que chamou um punhado de discípulos e apóstolos para estarem consigo; que lhes ensinou as coisas do Reino de seu Pai eterno; que foi perseguido, torturado e morto; que ofereceu seu corpo e seu sangue como cordeiro imolado, vítima de expiação por nossos pecados todos; que nos comprou com o seu sangue redentor para o nosso retorno à amizade com Deus, nosso Pai-Criador; enfim, que ressuscitou ao terceiro dia. Assim, depois de sua ressurreição alegrou aos discípulos com sua presença viva.

No livro dos Atos dos Apóstolos, São Paulo nos apresenta uma bela síntese da história da salvação, segundo os acontecimentos da revelação bíblica, que culminaram na Encarnação do Filho de Deus, o Messias, prometido e esperado pelas nações do mundo inteiro. Com efeito, Deus “suscitou-lhes Davi como rei, e dele deu testemunho: Encontrei Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que em tudo fará a minha vontade. Da sua descendência, conforme a promessa Deus fez surgir a Israel um Salvador, que é Jesus. [...]. Pois os habitantes de Jerusalém e seus chefes cumpriram, sem o saber, as palavras dos profetas, que a cada sábado são lidas. Sem encontrar nele motivo algum de morte, condenaram-no e pediram a Pilatos que o mandasse matar. Quando, pois, cumpriram tudo o que estava escrito a seu respeito, retiraram-no do madeiro e o depuseram num túmulo. Mas Deus o ressuscitou dentre os mortos, e por muitos dias apareceu aos que com ele tinham subida da Galileia para Jerusalém, os quais são agora suas testemunhas diante do povo”. (At 13,22-31).

Esse é o mesmo Jesus Cristo presente na Eucaristia que adoramos! Aquele por quem “todas as coisas foram feitas” (Jo 1,3); “o Primogênito de toda criatura, porque nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis” (Cl 1,15-16); o “herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos” (Hb 1,2); Aquele “por quem tudo existe e para quem caminhamos" (1Cor 8,6). Sim, Ele é o mesmo Jesus que está ao alcance de nossas mãos, dos nossos olhos e do nosso coração, nosso alimento de vida eterna. Ele, sim, é o dono do mundo, independentemente de o aceitarmos ou não. Ele é o antídoto contra nosso orgulho, nossa arrogância, nossa soberba, nosso indiferentismo e o nosso egoísmo. Por isso, no dia de Corpus Christi, todos nós somos chamados à humildade, ao reconhecimento do nosso Criador e Salvador, à adoração, à gratidão por seu imenso amor e misericórdia. Dobrar os joelhos diante dele significa também curvar o espírito à sua onipotência e majestade infinita. E mesmo quando tudo ao nosso redor parecer o caos, a derrota, o fracasso, o desequilíbrio interior ou mesmo exterior – como vemos no descontrole implacável da natureza sobre nós – Ele ainda é o Senhor absoluto de tudo e de todos. A Ele o louvor, a reverência, a prostração da alma em adoração.

De lá, na humildade dos sacrários das nossas Igrejas – mas também no templo do nosso corpo onde habita o Espírito Santo de Deus pela graça dos Sacramentos que celebramos e recebemos – está o Senhor da Eucaristia a esperar-nos, a acolher-nos, a olhar-nos no mais profundo de nós mesmos. Que essa certeza alimenta a nossa esperança, anime nossos passos, alegre o nosso espírito, tranquilize nossas inquietações e nos devolva a eutimia, a paz da alma, porque, nele e com ele, estaremos sempre seguros, mesmo quando as tempestades da vida parecerem ameaçar-nos. Ele é o nosso porto seguro, o nosso descanso e o nosso consolo espiritual. Amém! (Dr. PGRS).

quinta-feira, 23 de maio de 2024

 

Dom Josafá Menezes: uma luz no fim-início do túnel



No dia 25 de maio do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2024, a Arquidiocese de Aracaju receberá mais um Pastor, quer dizer, mais um Arcebispo. Sim, isso mesmo: um Arcebispo, que seja um Pastor! Fato é que sombras e dificuldades de todo tipo se estenderam sobre a Arquidiocese de Aracaju nos últimos tempos! Tempos tristes, sombrios e vácuos parecem ter acobertado, como um véu de escuridão e incertezas, a conjuntura eclesial da Igreja Particular de Aracaju, infelizmente! E não estou afirmando nenhuma novidade, porque quem procura inserir-se eclesialmente no contexto em que vive, sabe que luzes e trevas compõem a cotidianidade de qualquer instituição, seja religiosa, seja civil, seja política, ou de quaisquer outras naturezas, sobretudo por ser composta de homens, às vezes, frágeis, débeis, interesseiros, egoístas, quando não, ególatras mesmo! Mas, no caso da Igreja, a responsabilidade de um bispo assume um nível de coerência e adequação entre fé e vida, que exigem outros parâmetros de grandeza de espírito.

Testemunhar a fé professada e viver segundo as suas exigências requer mais do que boa vontade e espírito de sacrifício. Na verdade, requer uma dinâmica de virtudes e submissão aos preceitos divinos, o que demanda, no mínimo, retidão de consciência, volição ética e energia moral diante dos próprios apelos da missão assumida na Igreja, e, claro, isso vale também para os padres, os leigos, os religiosos, as religiosas, enfim, para todas as pessoas de boa vontade que, pelo imperativo da caridade de Cristo, decidem-se por se tornarem seus discípulos, respondendo ao doce convite do Senhor, que diz: “Vem e segue-me!”. No entanto, é correto afirmar que, nem sempre, aquilo que intencionamos fazer corresponde às exigências do que seria o ideal, como nos ensina São Paulo: "Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero" (Rm 7,15), de modo que, em são juízo, todos estamos sujeitos a isso, embora devamos nos esforçar para superar as fraquezas do caráter propriamente humano e nos doar mais quanto ao combate das forças da concupiscência que impera em nós, por causa do pecado. E disso todos nós somos vítimas, embora uns mais conscientes do que outros. Assim, num contexto profundo de vicissitudes pastorais e anelos de realizações mais profícuas, diante de tudo o que vivemos nos últimos tempos, Dom Josafá vem como um sinal de esperança para todos nós. Aliás, como afirmo na epígrafe do texto, “uma luz no fim-início do túnel”, porque ele chega num momento em que as trevas que pairaram sobre a conjuntura eclesial arquidiocesana ainda não passaram, e vão permanecer sobre nós por algum tempo mais.

A claridade do dia não chega tão facilmente depois das densas trevas que desafiam o sofrimento, as desilusões, as incongruências dos ideais da evangelização, a expectativa dos bons cristãos – porque infelizmente também há maus cristãos, que são contra testemunhos à própria fé – de modo que, tudo isso, transformado em esperança de bons tempos, deve ajudar-nos ao amadurecimento necessário à espiritualidade de uma Igreja que sofre no clero, nas ovelhas, nas dimensões pastorais e na ação evangelizadora, nas comunidades esparsas em sua circunscrição territorial e sobretudo espiritual, e assim por diante. Às vezes, a noite precisar durar mais do que desejaríamos, a fim de que possamos melhor identificar os pontos luminosos que anunciam a nova aurora. Deveras, quando vivemos dias em terra arrasada e minada em todos os sentidos possíveis das nossas esperanças, como numa guerra fria de interesses desencontrados e mesquinhos, podemos evocar dramas proféticos de onde pode renascer a reconstrução dos escombros deixados pelas intempéries do tempo ruim, que passa.

É quando o olhar tristonho do Senhor pousa sobre todos nós com desprezo: “foi esta a Jerusalém que coloquei no meio dos povos e em torna dela, as nações. Mas ela se rebelou contra as minhas normas, com uma perversidade maior do que outros povos, e contra os meus estatutos, mais do que as nações que estão em torno dela. Com efeito, os seus habitantes rejeitaram as minhas normas e não andaram nos meus estatutos”. (Ez 5,5-6). E outras palavras terríveis o Senhor derrama sobre a infidelidade de Jerusalém como expressão também da nossa infidelidade ao Senhor dos Exércitos. E o próprio Senhor se coloca contra ela. No entanto, Ele não é somente anúncio de desventura e destruição. Ele, de igual modo, é mensageiro de tempos alvissareiros, de reconstrução, de paz, de esperança, “sem visão vã nem presságio mentiroso”. (Ez 12,24). É o Senhor quem promete e age na edificação de seu povo, com o auxílio dos Pastores que ele coloca à sua frente, como modelo do rebanho e encorajador dos desaminados. A tempestade deve estar passando ou, quiçá, apenas começando, sob o impulso de novos tempos, que exigirão bravura e determinação, “coragem física e moral”, e valentia, para enfrentar os ventos contrários do que poderia ter ficado para trás, mas ainda nos assusta.

Dom Josafá Meneses da Silva, baiano, certamente um bom marisqueiro – vindo da Arquidiocese de Vitória da Conquista, no Sul da Bahia – seguirá a linha da sucessão apostólica na Arquidiocese de Aracaju, sendo o sétimo bispo e quinto arcebispo da sede arquiepiscopal. Bem-vindo à Arquidiocese de Aracaju! Nas mãos do Senhor estão os novos rumos da porção do rebanho de Cristo em uma parte das plagas de Sergipe, seu novel berço de amor e evangelização para o povo de Deus e também para o seu clero, com todos os padres – cada um na sua singularidade pessoal – que, na expressão do Concílio Vaticano II, são os seus “necessários cooperadores e conselheiros no ministério...” (Presbyterorum Ordinis, n. 7). Nossa Senhora da Conceição nos ilumine, nos fortaleça e nos guarde no seu amor maternal. Revela Domino opera tua, et dirigentur cogitationes tuae! (Pr 16,3).

 

Pe. Gilvan Rodrigues dos Santos