Meu Pai, Um
homem admirável!
Por ocasião dia dos pais, eu gostaria de
falar do meu pai, que, para mim, é um homem admirável! Assim, espero que todos
os pais, especialmente, aqueles que são meus leitores, recebam nosso tributo e
nossa admiração, sobretudo, porque, na possibilidade dos muitos discursos
feitos sobre os personagens cotidianos de nossa existência, a figura do pai
parece pouco falada, senão quando da importância da oferta de presentes no dia
que lhe é dedicado. Mas, o pai vale mais do que um presente, mais do que um
gesto vago de reconhecimento. O pai vale o amor de nossa gratidão, a expressão máxima
de nosso amor desajeitado, talvez, atropelado pelo pudor da não habitual facilidade
de demonstrar-lhe nosso afeto. Cada um fale por si mesmo ou pelos impulsos
tirados de sua própria experiência.
Meu pai se chama Aristides Rodrigues dos
Santos – conhecido por “Gileno Pedreiro”. Aliás, sobre a descoberta de seu
verdadeiro nome, aconteceu algo curioso, quando eu tinha, mais ou menos, dez
anos de idade. Certo dia, um cidadão bateu à porta e perguntou-me se naquela
casa morava um tal de “Aristides”. Respondi que não, mas ele insistia dizendo
que todos os vizinhos diziam que sim. Então, falei: “Eu moro, aqui, já há algum
tempo e nunca ouvi falar o nome desse homem... Como ele poderia morar aqui?”
Depois que ele foi embora, tive uma ideia: abri a porta e chamei-o, pedindo que
esperasse um pouco. Procurei a minha mãe e perguntei-lhe: “A senhora conhece um
tal de Aristides?!” A resposta foi surpreendente: “Não é o seu pai, menino!!!”
Nem mesmo meus irmãos mais velhos sabiam o nome do nosso pai. Foi muito engraçado!
Como pedreiro, meu pai sempre trabalhou duro, de sol a sol, dia após dia, na
construção de casas e de muitos edifícios, buscando “o pão nosso de cada dia”,
enquanto minha mãe, doméstica como tantas outras, ajudava os filhos nas labutas
do dia, no envio para a escola, na educação de seus primeiros passos na
formação do caráter e da personalidade, algo que recebemos de ambos. Pobreza e
honestidade formaram nosso caráter na fortaleza de meus pais, na luta pela
sobrevivência, na esperança de dias melhores, na convicção de que os dias não
são iguais, na certeza de que as lágrimas, derramadas hoje, poderiam frutificar
qual sementes plantadas na luminosidade de um novo amanhecer.
Lembro-me, ainda, do tempo em que morávamos
na roça, onde, em derredor da casa velha, crescia a esperança da fartura em invernos sucessivos, que
era apenas um reforço a
mais na necessidade de uma profissão mais contínua,
na busca de recursos para a manutenção da família. De fato, meu pai, logo cedo, apresentou-se à dureza da
vida, percorrendo o caminho de suas conquistas. E em meios às dificuldades, não
faltaram a bravura e a coragem de um homem firme, decidido, levando na força do
caráter a responsabilidade pela sobrevivência. Ficara órfão de pai em tenra
idade, pois, seu pai morrera
quando ele tinha três anos, vitimado num acidente com arma de fogo. Sempre bem
quisto e colocado à frente de construções de casas comerciais e de residências,
toda a sua vida foi fazendo moradias, e aumentando a beleza e a urbanização
da cidade de Carira. Quando eu
era criança, muitas vezes, acompanhei-o em construções de escolas e praças do
Município. Ainda hoje, quem necessita de sua pessoa, como mestre de obras, deve
entrar na fila de uma lista de espera. Nunca se cansou de trabalhar, mesmo
agora no estágio avançado de sua vida septuagenária. Cada gota de suor derramada foi posta, magistralmente, na digna
responsabilidade com que sempre assumiu o mister da competência de sua profissão. Quando a roça era no terreno de casa, a
criançada circulava na festa da colheita e aprendiam, pela necessidade de estarem ali, o significado de envolver-se na ciranda inelutável
e obrigatória da resistência
pela vida, pela sobrevivência. Se for verdade que o filho é o
espelho do pai, pelo menos em alguns detalhes da formação do caráter e da
personalidade, como no brio da honestidade e do trabalho digno no intento de
sua realização e da conquista de seu patrimônio, não somente psicológico, mas também
espiritual e material, devo confessar que muito aprendemos de seu caráter e da generosidade
desprendida da não acomodação, da labuta sem descanso.
Lembro-me, também, de quando meu pai me
carregava nos ombros, nos tempos idos de minha infância, especialmente, quando íamos
à casa de nossos avós, no sítio do interior. Com efeito, o aconchego familiar das pessoas vizinhas nos
levava pelas noites enluaradas à casa de meus avós, que não moravam muito
distantes. Meus irmãos maiores iam caminhando à brisa da noite serena, a passos
constantes, com a caminhada de meus pais. Inúmeras vezes, eu fui levado nos
ombros de meu pai. Sentia-me mais perto da lua, e a animação do sussurro de
vozes na estrada divertia o encanto do acolhimento entre os parentes: “Bênção, tio! Bênção, vó!”. O reencontro era
sempre uma festa, uma alegria particular, um toque feliz na espontaneidade da
convivência. Outra
recordação que borbulha, levemente, sob as cinzas de um passado remoto, é a de
que quase ninguém se lembra – ou pelo menos não se comenta – que meu pai
possuía um boteco à beira da estrada e onde vendia cereais e algumas reservas
mais de comestíveis. Era uma espécie de mercearia. E um vivo reflexo disso é a
sua permanência, até hoje, em colocar uma barraca de cereais, às
segundas-feiras, para atender os transeuntes sonâmbulos do frenesi do comércio.
O pai permanecerá sempre na memória dos
filhos, como a centelha do rebento da criação divina que os convida a reacender
o facho da descendência genealógica da preservação da humanidade. Somos frutos
da vontade divina que se manifesta na participação dos pais que estoura na explosão
da vida de novos brotos da criatividade inesgotável do Senhor de todos nós. Cada
um do seu jeito, cada um do seu modo, cada um com a carga dos dispositivos
existenciais de suas categorias pessoais, diversificadas e enriquecidas pelos trejeitos
de sua peculiaridade ímpar e sem igual, diante de seus semelhantes. A psicologia
afirma que os homens encontram mais dificuldades para externar seus afetos, sua
capacidade de carinho e apreço, mesmo em relação aos seus circundantes. Certamente,
isso é reflexo da cultura machista que refreia, inclusive, a liberdade interior
da pureza de muitos sentimentos que os pais carregam no coração, na fímbria da
sensibilidade contida de suas afeições. O complexo mundo da virilidade esconde
o potencial de ternura que também lhe é próprio na constituição de seu ser. Talvez,
aí se encontrem o silêncio prolongado de sua reflexão, o oceano imenso de sua solidão
e a carência não satisfeita de sua timidez. Mesmo assim, quando a palavra se
cala, quando o silêncio se faz eloquente, quando as lágrimas rolam no
esconderijo dos sentimentos, quando a história esconde o heroísmo franco de sua
coragem, quando a tristeza obscurece o encanto de seu testemunho ou quando o
sorriso descobre o segredo de sua grandeza, toda essa teia de percepções
revela a alma sincera do êxtase de seu próprio ser, de seu próprio existir.
Pai, carinho manifesto na debilidade
aparente de sua amizade; socorro necessário aos embates emergenciais do sufoco
dos filhos, teimosos e renitentes; graça sustentadora das fragilidades de seus refilhos;
força motriz de formação no ímpeto do crescimento dos filhos; enfim, exemplo
edificante de quem sabe construir a casa sobre a rocha firme da honestidade e
do orgulho de saber-se garantia de segurança e fortaleza para os descendentes. Portanto,
mesmo que os afetos desapareçam no abismo da distância afetiva do dia a dia, na
incongruência comportamental dos desejos de proximidade, na infertilidade dos
sentidos puros do amor rejeitado, na separação geográfica em busca do alimento para
o sustento familiar, na incompreensão gratuita do esforço de carinho e afeto, o
zelo dos pais se manifesta no cuidado constante pelo bem ético, virtuoso e salutar
de suas crias. Por isso que, não obstante tudo, eles merecem o apreço de nossa consideração
e a gratidão perene de sua presença em nossa vida. Então, muito obrigado pai –
ou “papai”, como aprendemos a chamá-lo na educação informal da puerilidade – por
todo o bem que nos tem proporcionado, mas, de modo especial, pelo testemunho inquestionável
de fidelidade sublime à essência de seu próprio ser. Parabéns, papai! Que a
graça do Pai do céu lhe conceda as condições necessárias à plenitude de toda a
grandeza testemunhal e vivencial de sua dignidade paterna. Com carinho e gratidão!