sábado, 30 de novembro de 2013

Carlo Acutis: quando Deus irrompe por dentro I


Carlo Acutis:
Quando Deus irrompe por dentro (I)




Nem sei se poderíamos falar de conversão quanto à vida de uma pessoa que, morrendo com fama de santidade, sempre teve o privilégio de experimentar, durante toda a sua existência, Deus mesmo irrompendo por dentro. De fato, a palavra conversão traz no bojo de seu significado a possibilidade constante, contínua do homem, por muito tempo e por toda a vida, em projetar o olhar na direção de Deus. No entanto, não é isso o que acontece quando nossos olhos se sentem tão atraídos e fascinados pelos ídolos desse mundo. Para lutar contra os imperativos profanos e mundanos que tentam afastar-nos de Deus e de sua graça santificante, é preciso muito discernimento interior, espiritual, acompanhado por firme e decisiva determinação da vontade. Talvez, tenha sido isso o que aconteceu ao “nosso amigo” Carlo Acutis, um jovem inglês, descendente de italianos, e criado na Itália, que morreu vitimado por uma leucemia, aos 15 anos de idade. Seu testemunho também serve como inspiração para nossa espiritualidade, sobretudo, reconhecendo que viver a santidade não é estar fora do mundo, mas é também não permitir que a essência da vivência cristã se torne prisioneira de suas armadilhas. 




Seu nome, Carlo Acutis, com certeza, pode não querer dizer nada ao meu leitor, pelo menos, por enquanto. A verdade é que comecei a admirar a vida desse jovem quando recebi um email que falava de sua vida de santidade e de sua morte prematura. Na ocasião, escrevi outro texto intitulado “Santidade não tem idade”, que pode ser encontrado nas malhas da internet, protegido pelo “tio Google”, como alguns costumam chamar o “motor ou o mecanismo de buscas” onde instalei meu blog. Carlo Acutis faleceu em 2006, na cidade de Milão onde sua família morava e onde ele frequentava a vida da comunidade paroquial e realizava seus estudos acadêmicos. Esse ano marcou profundamente a vida do Papa Bento XVI, que subiu mais alguns degraus no roteiro de sua via-sacra. Foi um tempo em que ele percorreu outras estações do caminho da cruz de seu pontificado. De fato, ele se viu acuado por todos os lados, tanto fora quanto dentro da própria Igreja. O escritor alemão, Andreas Englisch, tentou resumir aquele ano por meio de um discurso denso e pontual, pleno de vicissitudes e consequências amargas que, sem sombra de dúvidas, fizeram sangrar as feridas da alma e do coração de Bento XVI, especialmente, ao “interpelar os mais devotos” a posições mais coerentes com a própria fé abraçada, não somente como cristãos, mas, de igual modo, na coerência pastoral de movimentos dentro da Igreja e que pareciam destoar do conjunto sacro da Liturgia. Lendo seu livro, sinto-me quase como um dos personagens que integram a história, pois, 2006 foi o último ano de meus estudos na Itália, e a maioria dos protagonistas envolvidos é muito conhecida pela presença constante na imprensa e nos trabalhos e atividades do Vaticano. Aquele foi o ano do discurso em Regensburgo, que causou reação incendiária, de modo provocante, no meio muçulmano; de sua primeira encíclica, Deus Caritas est, que surpreendeu, inclusive, por tratar de um tema que não parecia de muito interesse para os que aguardavam suas palavras com tanto entusiasmo dentro do próprio Vaticano. O tema do “amor físico”, carnal, era de insuspeita possibilidade de argumentação pelo “sabichão” teólogo da Congregação para a Doutrina da Fé, que se tornara Papa, mesmo que ele tivesse recorrido a um segundo autor, o Cardeal Paulo Cordes, que o ajudou na elaboração do documento, o que também foi outra grande surpresa; tudo isso sem falar de outros problemas como os relacionados à Radio Vaticana, que passava por dificuldades financeiras, com 400 empregados de mais de sessenta países, produzindo programas em 38 idiomas diferentes; as dificuldades encontradas na Polônia, a terra do Grande Papa João Paulo II, em sua segunda visita internacional, tendo de apresentar-se para um discurso tão histórico quanto penoso às portas de Auschwitz, sobretudo, por ele ter sido acusado pelos inimigos de ter servido nas bases aéreas de artilharia do Nazismo, algo de que, quiçá, ele não poderia escapar como qualquer outro jovem alemão da época; as intrigas dentro do Vaticano, ainda reforçadas pela nomeação de um Cardeal que nunca fora Diplomata, “nem sequer falava inglês, imperdoável para um chefe do ministério do Exterior nos tempos atuais”, o Cardeal Chefe de Estado, Tarcísio Bertrone; a demissão do Porta-voz do Vaticano Joaquim Navarro Vaz; o caso Emmanuel Milingo, o Arcebispo “Louco da África”, que, sem culpa direta de Bento XVI, causou muitos males e danos à Igreja no mundo inteiro [conheço um sacerdote que deixou o ministério, que foi casado por ele, aqui no Brasil!]; e tantos outros fatos doloridos que poderiam ser citados. Pois bem, antes de morrer, o jovem Carlo Acutis ofereceu sua “passagem” pela Igreja e pelo Papa. Na verdade, um gesto de apoio e sustento espiritual em favor da Igreja inteira. Impressionante é saber da coragem dos santos que motivam também a vida dos chefes da Igreja de Cristo em momentos tão cruciais de sua história. Certamente, para um jovem arguto e inteligente, com sua vida espelhada no Evangelho e nos ensinamentos de Cristo, sintonizado com seus problemas mais prementes, enfrentando com serenidade os embates e a agonia da doença que cobrou o preço de sua existência, seu depoimento permanece oferecendo frutos à vida de quem o conhece mesmo se apenas pela sua simples, mas envolvente, biografia. Seu corpo repousa num túmulo em Assis, a cidade de São Francisco, um santo de quem ele era devoto e de quem aprendeu a simplicidade de vida na obediência aos ensinamentos de Cristo e de seu Evangelho. Nesse topônimo, ele esteve várias vezes, passando férias em uma casa da família. É um lugar agradabilíssimo, onde eu já estive três vezes. Cercado de montanhas na região da Úmbria, a sensação de paz que acompanha o turista parece revelar a presença do santo caminhando entre nós, como se não tivesse morrido. 




É, pois, assim, contemplando a vida desse jovem, que eu gostaria de refletir sobre a necessidade de conversão de todos os discípulos de Cristo. Escrever sobre conversão não é difícil. Difícil é converter-se, de fato. Cada um coloque o dedo nas feridas de sua própria consciência, sem intencionar querer julgar os outros. A grande graça todos nós já recebemos pelo santo Batismo, que nos mergulhou na própria morte e ressurreição de Jesus de Nazaré. Por ele, recebemos a chamada “graça santificante”, que nos identifica com ele. É São Paulo quem o afirma em sua teologia: “Pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova” (Rm 8,4). Daí por que “se nos tornamos uma só coisa com ele por morte semelhante à sua, seremos uma coisa só com ele também por ressurreição semelhante à sua, sabendo que nosso velho homem foi crucificado com ele para que fosse destruído esse corpo de pecado, e assim não sirvamos mais ao pecado” (Rm 6,5-6). E “não servir ao pecado” significa fazer de tudo para que sejamos agradáveis a Deus, à maneira de Jesus, que foi obediente até a morte e morte de Cruz (Fl 2,6-11). Portanto, não podemos esquecer-nos de que é a graça de Cristo que trabalha em nós, e que todo esforço na direção da vida de santidade é fruto de sua graça operante. Como afirma a reflexão da Igreja, ela “é um dom, mas simultaneamente uma conquista”. É, pois, dentro da dinâmica da “conquista” que assume valor e significado o processo de conversão do homem. Deus indica o caminho e oferece o tempo da conversão, mas é preciso que ele se decida. No entanto, qual é, então, “o tempo da conversão”?