O mistério das relações
humanas
Vinte de julho! Dia Internacional da amizade. Li o
pensamento de Sara Bronzino que diz: “O amigo nunca deixa de amar: é um irmão
na desventura!” Pensando nesse dia, gostaria de refletir sobre o mistério das
relações humanas no contexto da amizade. Tudo durante a nossa existência está
envolvido pelo mistério, isto é, por aquela zona de desconhecimento que, às
vezes, gera angústia e desconforto ao coração desejoso de clarividência em suas
conquistas. Desse modo, as relações humanas também podem estar condicionadas
pelos reveses das amizades.
Quem
me quer bem, me faz bem! Não me faz mal! Por exemplo: há pessoas que dizem que
nos amam e nos querem bem, mas só nos fazem o mal. Quem nunca topou com alguém
desse tipo em sua vida considere-se muito afortunado e feliz. É a incongruência
comportamental das pessoas que as conduzem por sendas tortuosas, levando-as
quase ao desespero por não conseguirem dominar as vítimas de seu mau caráter e
cinismo. E elas insistem, com deboche e tentativas de dominação de suas presas,
no percurso agressivo de suas investidas. São pessoas cujas capacidades
psicológicas podem infernizar a vida de alguém, sem descanso nem trégua, até serem
derrotadas pelas máscaras caídas depois de tanto fingimento. Elas parecem
penetradas por um espírito tão satânico que vivem desassossegadas enquanto não
ferem profundamente as pessoas sacrificadas pelas suas mórbidas paixões. São
algozes psicopatas que deveriam ser isolados do convívio social e levados ao
tratamento. E, se não é a própria família a diagnosticar a gravidade de sua
doença, muitos estragos relacionais serão puxados adiante pela artimanha
incrível de sua capacidade de dissimulação. Pessoas desse nível de
agressividade e destempero comportamental, deveriam procurar o que fazer de sua
vida, sobretudo, redimensionando seus interesses de realização pessoal e as
motivações profissionais de suas conquistas. Um dia, eu vi um grupo de jovens
protestantes vendendo balas num semáforo de Aracaju. Eles estavam angariando
fundos para a realização de um retiro espiritual. Eram jovens e adolescentes
sérios, normais, que buscavam um sentido novo para suas orientações espirituais
e, consequentemente, sociais, como o melhoramento de suas atitudes frente aos
desafios dos tempos modernos. Melhor do que viverem perturbando a vida de seus
semelhantes com azedumes sem sentidos e perturbações desnecessárias aos seus
próprios pais ou tutores. Uma ideia inteligente de quem quer ser dono de seu
próprio destino e de suas vitórias.
Há
também o caso de amigos que mais tarde podem se tornar verdadeiros “rivais” a
serem combatidos pela guerra fria da indiferença, da ingratidão, do
distanciamento físico, da rejeição e dos desafetos perpetrados pelo
desequilíbrio emocional das crises próprias das relações humanas. Mais ou mesmo
como na frase de um filme em que um ator afirmava: “Às vezes, você ajuda a
criar os inimigos que vai acabar enfrentando”. Trata-se de casos aparentemente
perdidos em que o sentido da amizade desaparece quando outros interesses entram
em jogo, pois, não conseguindo detectar o perigo do afastamento com
antecedência, resvalamos pelo abismo da inimizade. É quando o amor vira
desamor, a amizade, inimizade, a apreciação pelo outro, desprezo, e a corrente
dos ressentimentos aumenta a plenitude das perdas relacionais. Com efeito, os
sentimentos são caixas frágeis que guardam feridas que o tempo não cicatrizou,
e continuam abertas podendo sangrar pelos rasgos das reminiscências ativas nas
dobras do viver. Os amigos entram e saem de nossa vida como pétalas que murcham
desenraizadas das flores que protegiam a tênue resistência da amizade que foi
varrida pelo vento da desafeição.
O
tempo pode trair as amizades, mas o sentimento do amor verdadeiro pelos amigos
permanece para sempre. Nesse sentido, a distração da vida não deveria permitir
que o tempo corresse tão velozmente, de modo que não pudéssemos alcançar os
amigos do passado pela contenção da memória que revive e traz ao presente os
bons sentimentos da simpatia recíproca de outrora. Mas quem poderia prever os
dardos inflamados de indignação e frieza causados pela provocação alheia? Disso
nós somos e fazemos vítimas, mesmo se de modo não intencional. Daí que, nos meandros
da cadeia que se refere ao mistério das relações humanas, nem tudo é previsível
ou perceptível como gostaríamos que fosse. Mesmo assim, apesar das dificuldades
que temos de atravessar em relação aos amigos e às amizades, jamais devemos
desistir das novas possibilidades, porque, como já foi dito da confiança, a
amizade também se conquista, não se impõe.
Por
isso, não devemos nos fechar se por conjunturas alheias à nossa vontade
perdemos alguns amigos ou se trincamos e quebramos algumas amizades. E, mesmo
que gato escaldado tenha medo de água fria, não podemos imaginar que o fracasso
de alguns relacionamentos se repercuta na dimensão profunda de outros. Valem a
pena os riscos. Na verdade, quando um sonho se acaba, é porque devemos correr
atrás de novos horizontes. Como diz o ditado, quando se chega ao fim da noite,
começa-se uma nova aurora. É a esperança que renasce sob as cinzas dos maus
êxitos, dos insucessos, dos malogros da vida. É o filete de luz, tingindo a
escuridão das derrotas com as tonalidades alvissareiras dos novos desafios. De
fato, enquanto algumas amizades morrem, outras renascem, e a esperança rebenta
no olhar confiante do futuro, não obstante as nuvens fechadas que acobertam o
horizonte. É que muitos “tons” da amizade são como o pensamento de Lya Luft
quando escreve sobre “o tom de nossa vida”: “Somos inquilinos de algo bem maior
do que o nosso segredo individual. É o
poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm
significado como fases de um processo. Estamos nele como árvores da floresta:
uma é atingida em plena maturidade e potência, e tomba. Outra nem chega a
crescer, e fenece; outra, velhíssima, retorcida e torturada, quase pede para
enfim descansar... mas ainda pode ter dignidade e beleza na sua condição”.
Assim são os segredos das amizades que, teimosamente, insistem na sobrevivência
do tempo interior para além de todas as possibilidades de suas tentativas de
destruição.
Quanto
à perenidade das amizades autênticas que sobrevivem a todos os vendavais das “turbulências
afetivas”, não podemos nos esquecer da grandeza do valor infinito dos bons
amigos que nos acompanham pela vida afora. De veras, isso também faz parte do
mistério das relações humanas. Quantas pessoas passam muito tempo sem contato –
o que poderia ser favorecido, inclusive, pelo avanço das modalidades
tecnológicas que tem aproximado as distâncias afetivas – e se sentem felizes no
instante em que se reencontram ou se falam? Nem o tempo nem a geografia apagam
ou destroem os laços dos verdadeiros benefícios da ternura franca que envolve a
camaradagem, a estima e a reciprocação intrínseca aos próprios amigos. Na
verdade, é a vida do espírito que não deixa morrerem as dilatações prolongadas
da afetividade que se distancia e volta, como as ondas do mar iluminado pelo
sol, renovando e intensificando o brilho de sua transparência cordial,
fraterna.
Amigos de verdade tentam pegar o sol com a mão!