terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Vater, erlasse ihnen

Vater, erlasse ihnen

 

Permitam-me usar uma expressão da Bíblia, em alemão, para, mais uma vez, rezar pela Igreja de Cristo, como quem sente e intui, fundamentado em suas promessas, que somente ele pode salvar a pequena grei de seu rebanho: “Vater, erlasse ihnen, denn nicht wissen sie, was sie tun” – “Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Rezo pela Igreja de Cristo, novamente agredida no alcance de sua tangibilidade, isto é, na pessoa do Santo Padre, o Papa Bento XVI. A imagem do Papa Bento XVI, caído por terra, na noite Santa de Natal, no dia 24 de dezembro de 2009, suscitou belíssimas reflexões sobre a efemeridade da figura do Papa que passa, que escorrega no tempo, mas cuja Igreja, à frente da qual ele foi colocado como Pastor Visível, não passará jamais, como ele mesmo sabe que, depois de todas as vicissitudes e incompreensões sofridas, entrará na participação da “alegria do seu Senhor” (Mt 25,21).
O tropeço e a queda do Papa foram provocados por uma desequilibrada, psicologicamente perturbada, como noticiaram os jornais do mundo inteiro. Todavia, Pedro vacilante – atropelado pelos percalços incompreensíveis de sua missão –, não se detém, mas, levanta-se e anda. “Levanta-se e anda” porque essa é a vontade de seu Senhor e Mestre, Jesus. Foi a primeira queda do Papa Bento XVI. Visivelmente calmo e sereno, ele confia na certeza de que nada poderá limitar os sacrifícios de sua missão apostólica. Tais “sacrifícios”, primeiro, foram vividos e sofridos por Cristo.
Os tempos não são fáceis para nenhum Papa. Quem não se lembra de Paulo VI, o quanto sofreu para fazer valer a fidelidade da Igreja a Cristo, quando o mundo inteiro esperava que ele fosse se pronunciar favorável à pílula, aos anticoncepcionais, ou até mesmo, ao aborto – esse tipo de assassinato covarde, que mancha de ignomínia a dignidade de quem deveria ser verdadeira mãe, que protege seus filhos, ao contrário de entregá-los à fúria libertina de pretensões egoístas. Porém, a Igreja de Cristo – não a “nossa” Igreja – não está aí para aplaudir os pretextos humanos nem a corrupção dos homens, ou suas mentiras, seus desvarios inconsequentes de autossuficiência e desonestidade. Nossas infidelidades não são objeto de apreciação da Igreja de Cristo. Mesmo depois que a Igreja abriu as portas para o mundo, como foi a extraordinária experiência do Concílio Vaticano II, Paulo VI confessava angustiado: “Tínhamos acreditado que o amanhã do concílio seria um dia ensolarado, mas no lugar do sol agora temos as densas nuvens, a tempestade, as trevas”.
A figura do Pastor da Igreja de Jesus não pode ser blindada, de maneira que o afaste sempre mais de suas ovelhas. O defensor da Paz não faz guerra de mãos armadas, nem se defende dos inimigos pelo poder da força bruta, que tiraniza a liberdade das pessoas e diminui a dignidade do ser humano, destruindo-a profundamente na sua vulnerável sacralidade. O exército do Papa não carrega armas nas mãos.
Caído por terra, o Papa se levanta e prossegue seu caminho, de maneira silenciosa. A eloquência de seu silêncio é fruto de uma vida totalmente entregue ao Sumo e Eterno Sacerdote, Jesus Cristo; sua serenidade, seu olhar penetrado de luminosa esperança é corolário de uma fé que não vacila, mesmo quando muitos pensam que lhe deram uma ardilosa e intencional “rasteira”, prostrando-o por terra. A maturidade do Papa, em não reagir no azedume de palavras provocantes, como muitos gostariam que ele se manifestasse, qual cão raivoso que refreia as investidas do inimigo, brota da convicção de sua autonomia interior. De fato, não é fácil deduzir o que vai no coração do Papa, mesmo quanto ele está sangrando por dentro. Mas essa é a Igreja de Cristo, sacudida por todos os lados, e muitas vezes, vítima do redemoinho do mundo. Todavia, atingida na superficialidade do que lhe garante manifestar-se aos homens, ela não poderá, nunca, jamais, ser tocada não sua essência. Todos os pecados do mundo e dos homens da Igreja não poderão manchar a fiel esposa do Senhor, como diria São Paulo quando se refere ao amor de Cristo pela Igreja: “[...] Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de purificá-la com o banho da água e santificá-la pela Palavra, para apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha nem ruga, ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5,25-27). 


Os homens tropeçam e caem, mas, não, a Igreja de Cristo, pois seu sustentáculo é divino e não humano. Ela sofre, no tempo e na história, as feridas e as chagas do mundo, mas não se dobra, na essência de sua perfeição, aos caprichos arrogantes dos ímpetos de violência que querem transtorná-la na serenidade inabalável de suas águas profundas. Ela seguirá adiante, como tão bem escreveu o Pe. Luiz Chechinato no final de seu livro “Os 20 Séculos de Caminhada da Igreja”, da editora Vozes: “Bendita és a Igreja de Jesus Cristo, imagem do céu projetada na terra! A poeira de vinte séculos de caminhada não apaga o esplendor de tua face divina. Tu és bendita hoje e sempre, porque em Ti está Deus, que não morre, está a Palavra de Deus, que não passa, está o Reino dos Céus que caminha para a sua plenitude. Assim como as olimpíadas passam de uma para a outra a tocha viva que acende os ânimos, tu transmites, de geração em geração, a luminosa chama da Fé, até o fim dos séculos. E, quando findar o Tempo, a mesma fé abrirá um caminho de luz que nos levará ao esplendor da claridade total, que nos emana da Face do Pai”. 


Assim, a “Bendita Igreja de Jesus Cristo” brilhará para sempre no horizonte da eternidade de Deus que, nela, arrebanhará todos os filhos na luminosidade eterna, saciando-os plenamente a todos pelos séculos sem fim. Amém!