Spes non Confundit
“A esperança não decepciona” (Rm 5,5).
Foi com esse pensamento da Carta de São Paulo aos Romanos, que há exatos 17
anos, eu subi ao Altar do Senhor para ser ordenado sacerdote e, depois, também
subi ao Altar do Senhor para rezar a minha primeira missa. O frescor daqueles
dias que antecedem e seguem os dias da ordenação ficam, de tal maneira impregnado
na alma sacerdotal, que jamais ele se esquecerá da sensação de graça que o
invadiu naquele dia para a vida toda. Era o dia 21 de janeiro de 1998, quando a
Igreja celebra o Martírio de Santa Inês, na cidade de Carira, no interior do
Estado de Sergipe. Coincidentemente, era um dia de quarta-feira como, agora, em
2015.
São
Paulo tem consciência plena da verdade que ele deixou se sedimentar no fundo de
sua alma e de seu espírito. E foi por causa dessa convicção que ele se “deixou
ferir” (Bento XVI) pelo Cristo depois de sua conversão. Por conseguinte, também
nós podemos caminhar sob a lucidez serena da certeza de que essa palavra serve
para todos nós, e de modo mais especial ainda para os seus sacerdotes. Do ponto
de vista da espiritualidade, trata-se de uma palavra que alimenta a fé
inquebrantável dos cristãos, dos seguidores de Jesus pelos séculos afora. De
fato, Cristo, a nossa “Esperança” encarnada, jamais poderá nos decepcionar. Quem
nunca sentiu na pele o significado, mesmo se superficial no bojo do vocabulário
português, da “decepção”, que “surpreende”, “desagradavelmente”, que “desaponta”
no interior do coração humano as estruturas das convicções mais profundas? A
decepção traz consigo o sabor amargo da traição, da indiferença, do desamor, do
desafeto, enfim, de realidades que machucam a alma e expõem o espírito ao
vendaval da insegurança. Jesus jamais poderia fazer com que experimentos em
relação à Sua pessoa esse “desgosto afetivo” ou até mesmo espiritual. A
decepção nos coloca em situação de embaraço, de vergonha, de frustração, que quebra
o entusiasmo da confiança e nos deixa prostrados. Por Ele, podemos até perder a
vida, e a perdemos, mas nunca ficaremos desapontados pela fidelidade
incondicional de suas promessas.
Celebrando
esse dia, fico pensamento na grandeza do mistério profundo da vida sacerdotal,
mistério que nos envolve e nos ultrapassa. Quem é verdadeiramente digno do
mistério depositado em “vasos de argila”, como é a nossa humanidade, tão frágil
quanto uma folha seca carregada pelo vento, mas tão preciosa aos olhos do
Senhor, que não escolheu os anjos para serem os seus sacerdotes! Inaudito
mistério! A Carta aos Hebreus nos lembra de que “ninguém se arvorei atribuindo
a si mesmo essa honra, senão aquele que foi chamado por Deus” (Hb 5,4). Com
efeito, “tirado do meio dos homens, ele é estabelecido [por Deus] para intervir
em favor dos homens em suas relações com Deus, a fim de oferecer dons e
sacrifícios pelos pecados” (Hb 5,1). Não obstante o convite pessoal do Senhor
feito aos homens para o sacerdócio – que nada mais é do que uma participação na
essência sublime de seu Eterno Sacerdócio – permanecemos naquela zona de mistério
que nos torna, por nós mesmos, “inaptos” [São João Paulo II falou de
“inaptidão”] para tão grande dádiva divina. No entanto, tudo acontece por obra
e graça do próprio Senhor que “participou da mesma condição [humana], para
assim destruir, com a sua morte, aquele que tinha o poder da morte, isto é, o
diabo, e libertar os que por medo da morte, estavam a vida toda sujeitos à
escravidão. Pois, afinal, não veio ocupar-se com os anjos, mas com a
descendência de Abraão. Por isso devia fazer-se em tudo semelhante aos irmãos,
para se tornar um sumo-sacerdote misericordioso e digno de confiança nas coisas
referentes a Deus, a fim de expiar os pecados do povo” (Hb 2,14-17).
Tantas
coisas boas e extraordinárias acontecem na vida do sacerdote por conta da
riqueza do ministério que ele carrega consigo, agindo “in persona Christi” – agindo
na Pessoa de Cristo – como diz o Concílio Vaticano II. Alegrias e tristezas,
desalentos próprios dos desânimos humanos; incompreensões, maledicências, solidão
e desprezo, lágrimas derramadas no canteiro da indiferença sofrida pelo desamor
provocante de pessoas que gostariam de encontrar no sacerdote todas as conveniências
para seus caprichos pessoais, longe daquilo que é o sentido profundo da Igreja
ou da vivência eclesial que nos coloca em sintonia com o mistério mais profundo
de sua realidade presente no meio de nós, como nos mistérios dos sacramentos
que realizamos, sobretudo, do Sacramento da Eucaristia. Mas também tantas
outras realidades de enriquecimento espiritual e catequético, doutrinal, para
os irmãos, por meio de atitudes de acolhimento que ficam escondidas no tempo
interior de cada um que dele se aproximou para ser ouvido e ouvir. Quanta graça
por poder estar perto das pessoas pelas confidências derramadas diante do
sacerdote. Às vezes, a vida sacerdotal parece tão mergulhada na secura e na
aridez espiritual, que quase somos tentados a imaginar que temos a vida
derramada no nada, no vazio, no despojamento radical de si mesmo, até por falta
de sentido ou de motivações interiores para perceber que esse mistério é
superior a nós mesmos. Nada somos além de “servos inúteis”, que só fazem o que mandam
fazer, sem coragem ou determinação segura para os passos mais ousados no
caminho da consagração. Somos o que somos, e nada mais. Muitas vezes,
diminuídos pela grandeza do mistério que nos abraça, somos vistos com
desconfiança, desprezo e indiferença. Todavia, no fundo do coração sacerdotal, da
alma de cada sacerdote, na dimensão mais profunda e recôndita da consciência dos
princípios pelos quais resolvemos entregar a vida inteira, há uma razão
superior, talvez, inconsciente, pela qual decidimos arriscar tudo e a vida
toda. Essa “razão superior” tem nome: JESUS CRISTO. Não somos os mais santos nem
os mais amados ou apreciados pelas vantagens que o mundo poderia nos oferecer,
mas fomos os “escolhidos” e, assim, queremos viver e morrer, levando pelo tempo
afora a missão que o Senhor nos confiou, por meio da Igreja sob a autoridade do
Papa e dos bispos.
Por
tudo isso – e por todas as pessoas que o bondoso Senhor colocou no meu caminho,
começando pela família na qual nasci e pelas que encontrei por onde passei exercendo
o ministério sacerdotal – hoje, o meu coração é todo gratidão ao Bom Deus pelo
dom da vocação sacerdotal que despontou no meu ser desde tenra idade. Gratidão por
tudo aquilo que por meio dela o Senhor pôde me conceder através da formação que
recebi e recebo de sua Igreja. Na verdade, a Cristo e à sua Igreja eu devo tudo
o que tenho e sou. A Ele, o louvor e a glória pelos séculos sem fim. Que Santa
Inês, madrinha espiritual de meu sacerdócio, conceda-me a graça de permanecer fiel
até o fim no ministério que o Senhor me confiou. Santa Maria, Mãe dos Sacerdotes
de Cristo, rogai por nós. Amém! Jerusalém, 21 de janeiro de 2015, quinto
aniversário de ordenação sacerdotal que celebro fora do Brasil.