Todas as despedidas são pequenas expressões da morte, ou
seja, daquilo que passa por nós e deixa de existir no plano material do passadouro
do tempo. Sim, a morte nos acompanha desde quando fomos gerados, minusculamente,
no ventre materno, na inconsciência primeira do nosso próprio ser. Foi, então, lá,
o primeiro ninho a nos albergar nos instantes iniciais da existência, até
quando tivemos de nos despedir do invólucro da nossa manifestação no mundo
extrauterino. Aquele foi o primeiro ensaio de uma espécie de despedida, e, ao
longo da vida, de tantas outras despedidas e partidas.
Assim, da escuridão da vida intrauterina, fomos lançados no
cosmos, e a luz do universo nos acolheu no abraço de uma jornada surpreendente,
desafiadora, cheia de encantos e mistérios, que nos preparavam para novas
despedidas. Nos primeiros passos, ainda éramos prisioneiros do carinho e do
colo da mãe, da preocupação dos pais, que juntos, nos ensinaram a nos soltar
das amarras da dependência para a liberdade pessoal. Foi quando, depois de
alguns meses, também nos levantamos do chão, iniciamos a firmar os passos na
direção de outras despedidas, porque o tempo, por si mesmo, sempre nos empurra para
a frente, deixando para trás os rastros das partidas. Desse modo, a existência
ganha rumos inesperados na formação da personalidade e do caráter, das peculiaridades
inerentes a cada ser humano. Então, ganha espaço no bojo da inteligência a racionalidade
que se despede da fantasia pueril das crianças para entrar na realização
concreta das responsabilidades dos juízos e dos discernimentos mais
comprometidos consigo mesmo. E novas separações acontecem como expressões do
adeus ao tempo que ficou lá atrás, nos porões da autofagia dos eventos dentro
do circuito cronológico.
Depois, entramos na escola, fazemos amigos, acumulamos
conhecimento e trazemos para dentro de nós a exterioridade do universo,
apreendido pelo espírito no movimento da intelecção que abrange as conquistas
do saber. E mais despedidas acontecem: mudamo-nos de cidade, trocamos de
vizinhos, descobrimos novas amizades e, mais tarde, conforme sopram os ventos
do destino, dizemos outros adeuses, e buscamos em plagas mais distantes o aprimoramento
da epistemologia das façanhas do intelecto. E o tempo patrocina outras
despedidas no que fica para trás. De repente, a cronologia se estica ainda mais
no rastro das despedidas, e começamos a perder os parentes mais próximos, como
avós, tios, país, irmãos, amigos, enfim, pessoas das quais tentamos conservar o
carinho das boas lembranças e as marcas da saudade, plantadas no fundo da alma,
e arraigadas em reminiscências tiradas da convivência. Tudo corre para o
esconderijo do esquecimento onde as lembranças vão se apagando na bruma
inevitável da distância temporal das sombras existenciais. E as despedidas se
intensificam ainda mais no pôr do sol da memória humana.
Mesmo
assim, a gente só se despede do que passou, porque o tempo não volta mais.
Todavia, é bom que o tempo passe, como diria Santo Agostinho: “Mas é bom que
esse tempo passe, pois, se ele não passar, não teremos outro tempo”. Sim, “outro
tempo” é a garantia que temos – enquanto vivemos – de que podemos conquistar
mais do que aquilo que ficou para trás. E isso acontece porque a gaiola do
tempo sempre está aberta na direção do porvir, do futuro que nos espera em
algum lugar das novas possibilidades da realização da existência. Talvez, lá,
nas curvas inconscientes do tempo, nas dobras da alma partida pelos arcos
quebrados das frustrações, mas desejosa de que o vislumbre do horizonte porte
novo sol sobre as asas da magia e do encanto da esperança, iluminada pelo fascínio
dos sonhos que se acordam, teimosos, sempre de novo, nos lençóis do espírito. Na
verdade, são despedidas que dão boas-vindas ao novo que chega, mesmo quando ele
surge dos pontos escuros da existência, sem a claridade devida à obscuridade
dos desafios que despontam na esteira dos propósitos do existir.
Às
vezes, me ponho pensando: “Quem nasceu para morrer hoje, não pode esperar pelo
amanhã!”. Mas a vida segue para os que ainda estaremos aqui, curtindo o chão batido
da saudade dos que se nos anteciparam à corrida do além. Essa é a martelada
fatídica do tempo, da cronologia que nos abraça na duração da vida, do
pinga-gota temporal que, um dia, chegará ao fim para todos, pobres mortais,
adormecidos na fantasia dos espectros da realidade fugidia, corriqueira, efêmera,
quando, por exemplo, podemos contar os anos: 1900... 2011, 2012... 2017... 2019. Por certo, são eles que agasalham
as despedidas enquanto ainda conseguimos contar o ritmo cronológico de suas
batidas. E assim, cheios de alegria, paz e esperança – sobretudo para a nação
brasileira, que ganha novo presidente – anelamos e queremos que o ano de 2019
se abra com as bênçãos de Deus para todos nós, coletiva e individualmente,
pois, embora não possamos deter as despedidas, ele seguirá controlando tudo e
todos, mesmo sem o aval de nossa vontade. E, desse modo, veremos outras
despedidas, algumas, inclusive sem tempo para a despedida. (PGRS).