segunda-feira, 25 de março de 2019

Um país sem cultura é um país sem história


Um país sem cultura é um país sem história



Na contra mão do que acabei de afirmar na epígrafe, inicio essa abordagem enfatizando que um país sem história é um país sem cultura. Se não temos cultura, não temos história e vice-versa. Qual é mesmo a nossa história? Um autor francês, Jean de la Croix dizia que se não carregássemos dentro de nós mesmos a história da humanidade, seríamos como bússolas enlouquecidas. Então, não é assim que se encontra o Brasil, uma bússola enlouquecida? Aonde estamos indo? Basta olhar a situação em que a nação verde-amarela se encontra para percebemos que estamos cada vez mais longe dos ideais que estimularam outras nações em direção às suas conquistas.
Num rápido passeio pela história de outras nações, sobretudo europeias, descobrimos quanto sangue foi derramado pela conquista de direitos e emancipações da dependência das tiranias estrangeiras. Muito sangue foi derramado. Duas grandes guerras golpearem terrivelmente aqueles países, e os monumentos em homenagem aos que tombaram na guerra estão espalhados por toda a Europa. Sinais de agressões bélicas mapeiam os ambientes turísticos por que passamos. Nomes intermináveis podem ser lidos ao vento de reminiscências que nada parecem dizer, por exemplo, a um brasileiro, porque aqui nunca derramamos sangue para conquistar nossos direitos. Eles foram dados, gratuitamente, de modo especial, na Constituição Federal que foi promulgada em 1988, quando saíamos da bruma densa do que chamamos ditadura no Brasil. Sonhos e liberdades truncados pela força bruta do caudilhismo que grassava em todos os âmbitos sociais. Mas, nem de longe, poderíamos dizer, que aqui se derramou sangue, a fim de tingir a história de mais orgulho. Nenhuma nação se torna verdadeiramente autônoma e livre sem lutas e batalhas, mesmo que isso não signifique o derramamento de sangue mediante as tempestades belicosas que agitaram os povos. Todavia, infelizmente, foi isso o que aconteceu em várias partes do mundo. De fato, o patriotismo que estranhamos aqui, quando, por exemplo, se pede para cantar o hino nacional nas escolas, é sinal de orgulho para as nações que sabem o quanto pagaram para ser o que são. Famílias destroçadas pela guerra, porque o homem é igual em todas as estações do avanço histórico das civilizações, choraram seus mortos, suportaram os mutilados, experimentaram a miséria do comportamento humano, sentiram a saudade dos que nunca mais voltaram, perdidos nos campos de guerra, sem direito à dignidade de um funeral, e cujas lembranças nada mais são do que o nome recordado por seus entes queridos. No Brasil, vivemos tudo isso historicamente? Alguém me lembre, porque, como dizem que brasileiro não tem memória, é possível que eu tenha acabado de me esquecer.
Durante muito tempo, fomos sendo doutrinados para perder todos os valores que poderiam compor e constituir o sentido profundo da vida em sociedade. Saímos do campo da singularidade – porque a individualidade é uma característica do ser pessoal, do ser pessoa – para a dispersão do gênero, da degeneração coletiva, pois, quem se perde na massa, também perde sua própria identidade. Trabalhamos a cultura do “junto e misturado” e nos esquecemos de que nos misturar não é nos confundir na essência individual mais recôndita do nosso ser. Socialismo, comunismo, marxismo e tantos outros ismos foram engolindo nossa capacidade de percepção da nocividade de seus conceitos ou de sua efetividade prática em relação à própria dignidade humana. Ideologias que matam foram tomando conta do inconsciente coletivo como algo positivo, enquanto, na verdade, só favoreciam o pequeno grupo dos ditadores que comiam a carne viva de seus semelhantes, quando não assavam a lenha verde de suas vísceras em fornos crematórios. Era a vida humana degringolando em direção ao precipício do aviltamento brutal. A história passou, e muitos, alucinados por inspirações diabólicas como a fumaça do nazismo, insistem que um mundo sem Deus, longe de princípios religiosos, é a garantia de que as liberdades serão respeitadas e, os direitos, acautelados.
Antes mesmo dos períodos sombrios do advento da II Grande Guerra Mundial, espíritos altaneiros e pensadores, sobretudo cristãos, já anteviam que a civilização Ocidental post-Cristã escolheria “a Cristo sem a Cruz. Mas Cristo sem o sacrifício que reconcilie o mundo com Deus não passa dum pregador itinerante barato, efeminado, descolorido, que merece a popularidade pelo seu grande Sermão da Montanha, mas que merece também a impopularidade tanto pelo que afirmou acerca de sua Divindade, como pela sua doutrina sobre divórcio, juízo e inferno. Este Cristo sentimental é recordado num fundo de mil lugares-comuns, sustentado às vezes por etimologistas acadêmicos incapazes de ver a Palavra por causa das letras, ou deformado, até perder a fisionomia pessoal, pelo princípio dogmático de que tudo o que é Divino se reduz necessariamente a um misto. Sem a Cruz, ele não passa dum ardente precursor de democracia, ou dum humanitário propugnador da fraternidade sem lágrimas”. (Sheen). Em outras palavras, o escritor quis dizer que a verdade anunciada por Cristo nos encanta quando nos parece comodamente distante das exigências da vida voltada ao espírito de sacrifício e generosidade, mas que, ao mesmo tempo, nos choca e nos constrange quando a mesma verdade nos acusa. É muito fácil aplaudir verdades que não exigem muito do nosso comportamento, que não comprometem o risco de nossas ambições ou mesmo presunções. Vivemos a era dos direitos, buscamos a liberdade de nossos vícios, e nos esquecemos de que os deveres também tecem a filigrana de nossas atitudes, comprometendo-as diante do bem comum, da coletividade. Mas o brasileiro prefere a vida cômoda à guerra. Isso está no seu DNA, talvez, como herança de algum ancestral de outro continente. E a comodidade, filha da preguiça, parece condu-lo pelo caminho das facilidades, do jeitinho, da lei do menor esforço, desembocando na oportunidade da corrupção. Não aquela feita de milhões, mas aquela, pequena, gradual, progressiva, colhida na escuridão da noite moral, que pode levar aos milhões.
Como é triste ver quem deveria ser e dar exemplo ser levado para a cadeia num país tão rico de tudo, inclusive de ladrões! É o tecido social esgarçado pela podridão de algumas lideranças políticas, surrupiando montanhas do dinheiro que poderia ser investido na educação, na saúde, no saneamento básico, na segurança e, assim, por diante. Infelizmente, fomos habituados à passividade, de modo que, quase não nos indignados mais com toda essa sujeira que está aí. Tentamos defender a nossa parte, e pronto. O Brasil está aos frangalhos, depois de anos a fio de corrupção e ideologias degenerativas de tantos valores sociais, familiares, comunitários, religiosos, em que, supostos defensores da diversidade e, que, agora, diante de uma moldura social que se demonstra diferente de suas presunções, aparecem radicalmente intolerantes com quem pensa diferente. As redes sociais que o digam! Cada vez que eu posto um texto assim, com esse tipo de reflexão, descubro que muitos me bloqueiam no Facebook. Deve ser a incapacidade para acolher o diferente, o novo, mesmo considerando que não sou o dono da verdade, que apenas exponho, com toda a “liberdade de expressão” devida a todos, pois esse é um direito constitucional. Outros apelam para a religião, como se ela me tolhesse o direito de pensar e refletir. Mas a religião ou o ser religioso não pode ser uma mordaça na vida de ninguém, nem um tapa olho [como de pirata] que lhe favoreça a tiflose ou mesmo a cegueira intelectual. E o pior é quando torcemos para que o Brasil não dê certo, simplesmente porque o governo que está aí não foi o candidato em quem votamos. Comportamo-nos como aquele cara do avião que lia tranquilamente seu jornal num momento de turbulência que inquietava todos os passageiros. Alguém tentava adverti-lo de que o avião estava prestes a cair. E ele argumentou: “Deixe o avião cair! Ele não é meu!” Ou seja: burrice pura! Se o Brasil afundar, iremos todos juntos com ele. De qualquer modo, nessa precipitação de desejos controversos, muitos ditos intelectuais, artistas, cantores, escritores, cineastas, entre tantos ouros brasileiros, criticam o sistema político do país, mas moram fora, em cidades e nações civilizadas da Europa ou da América Latina. Assim fica mais fácil cuspir no prato em que comeram. Não que eu seja contra quem mora fora do Brasil. Pelo contrário, esse não é o problema. O problema é não permanecer aqui para nos ajudar na superação das dificuldades nacionais, enquanto atiram pedras de longe. Alguns mamaram demais nas tetas do Governo Federal, usando nosso dinheiro e, agora, percebem que a fonte secou.
Embarcamos quase que inconscientemente nas ondas da psicopatia social e ainda nos consideramos normais. O mundo está maluco mesmo, de pernas para o ar. Enquanto tentamos combater os vários tipos de preconceitos, construímos pessoas ainda mais doentes, com sentimentos mórbidos, incapazes de reagir com lucidez aos dramas da própria vida. São assassinatos nas escolas, massacres em ambientes sociais marcados pela presença inocente das pessoas, que não sabem o perigo que as ronda. Mas o que estamos fazendo dentro de nossas casas, com a educação de nossos filhos? Que tipo de testemunho somos para eles? Por que delegamos a responsabilidade por seus comportamentos à Escola ou ao Governo ou ao Estado? Até onde nos interessamos realmente pela mudança de suas atitudes e comportamentos, de modo especial quando eles se tornam agressivos, negativos? Por que nos furtamos à disciplina e à ordem dentro de casa, sem mais exigir o respeito e a obediência dos filhos? Por que o medo de frustrá-los ou fazê-los perceber que a vida tem seu preço e que as dificuldades devem nos ajudar a crescer? Certos traumas nunca mataram ninguém. E não estou defendendo situações que possam, de algum modo, marcar ou estigmatizar psicologicamente nossos filhos com propósitos intencionais de feri-los, mas de socorrê-los na hora da exigência de subordinação e tolerância com seus próprios erros. A formação é um caminho de sacrifício que deve envolver a todos, não apenas as escolas, mas também as famílias, a sociedade, o Estado, a Igreja (e por que não?) no sentido da integralidade do crescimento de cidadãos de bem, capazes de se colocarem no lugar dos outros, com altruísmo, empatia e compassividade. Numa palavra, desde cedo, devemos orientar os filhos para trabalharem em si mesmos a chamada “Inteligência Emocional”, algo sobre o que, infelizmente, sabemos muito pouco ou quase nada.
Altruísmo e empatia são termos correlatos. A palavra não é minha, mas de um grande estudioso do assunto, Daniel Goleman, Ph.D.: “Além dessa ligação imediata entre empatia e altruísmo nos encontros pessoais, Hoffman sugere que a própria capacidade de afeto empático, de colocar-se no lugar de outra pessoa, leva as pessoas a seguir certos princípios morais”. E ele recorda um dos versos mais famosos da literatura inglesa: “Nunca pergunte por quem dobra o sino; ele dobra por ti”. (Goleman). E isso significa o que, afinal de contas? Significa que todos nós fazemos parte do tecido social que, quando se deteriora, atinge também a cada um de nós. Somos filhos da mesma humanidade podre que nos abraça, de modo que ninguém está acima do bem e do mal. Como afirmou o mesmo autor acima referido: “[...] a dor do outro é nossa. Sentir com o outro é envolver-se”. (Goleman). Na verdade, trata-se de uma dinâmica da vida social que começa dentro de casa, ainda na primeira infância e que, depois, se estende sobre todos os estágios da formação da existência da pessoa.