Um país sem cultura é um país sem história
Na contra mão do que acabei de afirmar
na epígrafe, inicio essa abordagem enfatizando que um país sem história é um
país sem cultura. Se não temos cultura, não temos história e vice-versa. Qual é
mesmo a nossa história? Um autor francês, Jean de la Croix dizia que se não
carregássemos dentro de nós mesmos a história da humanidade, seríamos como
bússolas enlouquecidas. Então, não é assim que se encontra o Brasil, uma bússola
enlouquecida? Aonde estamos indo? Basta olhar a situação em que a nação
verde-amarela se encontra para percebemos que estamos cada vez mais longe dos
ideais que estimularam outras nações em direção às suas conquistas.
Num rápido passeio pela história de
outras nações, sobretudo europeias, descobrimos quanto sangue foi derramado
pela conquista de direitos e emancipações da dependência das tiranias
estrangeiras. Muito sangue foi derramado. Duas grandes guerras golpearem
terrivelmente aqueles países, e os monumentos em homenagem aos que tombaram na
guerra estão espalhados por toda a Europa. Sinais de agressões bélicas mapeiam
os ambientes turísticos por que passamos. Nomes intermináveis podem ser lidos
ao vento de reminiscências que nada parecem dizer, por exemplo, a um
brasileiro, porque aqui nunca derramamos sangue para conquistar nossos
direitos. Eles foram dados, gratuitamente, de modo especial, na Constituição
Federal que foi promulgada em 1988, quando saíamos da bruma densa do que
chamamos ditadura no Brasil. Sonhos e liberdades truncados pela força bruta do
caudilhismo que grassava em todos os âmbitos sociais. Mas, nem de longe,
poderíamos dizer, que aqui se derramou sangue, a fim de tingir a história de
mais orgulho. Nenhuma nação se torna verdadeiramente autônoma e livre sem lutas
e batalhas, mesmo que isso não signifique o derramamento de sangue mediante as
tempestades belicosas que agitaram os povos. Todavia, infelizmente, foi isso o
que aconteceu em várias partes do mundo. De fato, o patriotismo que estranhamos
aqui, quando, por exemplo, se pede para cantar o hino nacional nas escolas, é
sinal de orgulho para as nações que sabem o quanto pagaram para ser o que são. Famílias
destroçadas pela guerra, porque o homem é igual em todas as estações do avanço
histórico das civilizações, choraram seus mortos, suportaram os mutilados,
experimentaram a miséria do comportamento humano, sentiram a saudade dos que
nunca mais voltaram, perdidos nos campos de guerra, sem direito à dignidade de
um funeral, e cujas lembranças nada mais são do que o nome recordado por seus
entes queridos. No Brasil, vivemos tudo isso historicamente? Alguém me lembre,
porque, como dizem que brasileiro não tem memória, é possível que eu tenha
acabado de me esquecer.
Durante muito tempo, fomos sendo
doutrinados para perder todos os valores que poderiam compor e constituir o
sentido profundo da vida em sociedade. Saímos do campo da singularidade –
porque a individualidade é uma característica do ser pessoal, do ser pessoa – para
a dispersão do gênero, da degeneração coletiva, pois, quem se perde na massa,
também perde sua própria identidade. Trabalhamos a cultura do “junto e
misturado” e nos esquecemos de que nos misturar não é nos confundir na essência
individual mais recôndita do nosso ser. Socialismo, comunismo, marxismo e
tantos outros ismos foram engolindo
nossa capacidade de percepção da nocividade de seus conceitos ou de sua
efetividade prática em relação à própria dignidade humana. Ideologias que matam
foram tomando conta do inconsciente coletivo como algo positivo, enquanto, na
verdade, só favoreciam o pequeno grupo dos ditadores que comiam a carne viva de
seus semelhantes, quando não assavam a lenha verde de suas vísceras em fornos
crematórios. Era a vida humana degringolando em direção ao precipício do
aviltamento brutal. A história passou, e muitos, alucinados por inspirações
diabólicas como a fumaça do nazismo, insistem que um mundo sem Deus, longe de
princípios religiosos, é a garantia de que as liberdades serão respeitadas e,
os direitos, acautelados.
Antes mesmo dos períodos sombrios do
advento da II Grande Guerra Mundial, espíritos altaneiros e pensadores,
sobretudo cristãos, já anteviam que a civilização Ocidental post-Cristã
escolheria “a Cristo sem a Cruz. Mas Cristo sem o sacrifício que reconcilie o
mundo com Deus não passa dum pregador itinerante barato, efeminado, descolorido,
que merece a popularidade pelo seu grande Sermão da Montanha, mas que merece
também a impopularidade tanto pelo que afirmou acerca de sua Divindade, como
pela sua doutrina sobre divórcio, juízo e inferno. Este Cristo sentimental é
recordado num fundo de mil lugares-comuns, sustentado às vezes por
etimologistas acadêmicos incapazes de ver a Palavra por causa das letras, ou
deformado, até perder a fisionomia pessoal, pelo princípio dogmático de que
tudo o que é Divino se reduz necessariamente a um misto. Sem a Cruz, ele não
passa dum ardente precursor de democracia, ou dum humanitário propugnador da
fraternidade sem lágrimas”. (Sheen). Em outras
palavras, o escritor quis dizer que a verdade anunciada por Cristo nos encanta
quando nos parece comodamente distante das exigências da vida voltada ao
espírito de sacrifício e generosidade, mas que, ao mesmo tempo, nos choca e nos
constrange quando a mesma verdade nos acusa. É muito fácil aplaudir verdades
que não exigem muito do nosso comportamento, que não comprometem o risco de
nossas ambições ou mesmo presunções. Vivemos a era dos direitos, buscamos a
liberdade de nossos vícios, e nos esquecemos de que os deveres também tecem a
filigrana de nossas atitudes, comprometendo-as diante do bem comum, da coletividade.
Mas o brasileiro prefere a vida cômoda à guerra. Isso está no seu DNA, talvez,
como herança de algum ancestral de outro continente. E a comodidade, filha da
preguiça, parece condu-lo pelo caminho das facilidades, do jeitinho, da lei do
menor esforço, desembocando na oportunidade da corrupção. Não aquela feita de
milhões, mas aquela, pequena, gradual, progressiva, colhida na escuridão da
noite moral, que pode levar aos milhões.
Como é triste ver quem deveria ser e dar exemplo
ser levado para a cadeia num país tão rico de tudo, inclusive de ladrões! É o
tecido social esgarçado pela podridão de algumas lideranças políticas,
surrupiando montanhas do dinheiro que poderia ser investido na educação, na
saúde, no saneamento básico, na segurança e, assim, por diante. Infelizmente,
fomos habituados à passividade, de modo que, quase não nos indignados mais com
toda essa sujeira que está aí. Tentamos defender a nossa parte, e pronto. O
Brasil está aos frangalhos, depois de anos a fio de corrupção e ideologias
degenerativas de tantos valores sociais, familiares, comunitários, religiosos,
em que, supostos defensores da diversidade e, que, agora, diante de uma moldura
social que se demonstra diferente de suas presunções, aparecem radicalmente
intolerantes com quem pensa diferente. As redes sociais que o digam! Cada vez
que eu posto um texto assim, com esse tipo de reflexão, descubro que muitos me
bloqueiam no Facebook. Deve ser a incapacidade para acolher o diferente, o
novo, mesmo considerando que não sou o dono da verdade, que apenas exponho, com
toda a “liberdade de expressão” devida a todos, pois esse é um direito
constitucional. Outros apelam para a religião, como se ela me tolhesse o
direito de pensar e refletir. Mas a religião ou o ser religioso não pode ser
uma mordaça na vida de ninguém, nem um tapa olho [como de pirata] que lhe
favoreça a tiflose ou mesmo a cegueira intelectual. E o pior é quando torcemos
para que o Brasil não dê certo, simplesmente porque o governo que está aí não
foi o candidato em quem votamos. Comportamo-nos como aquele cara do avião que
lia tranquilamente seu jornal num momento de turbulência que inquietava todos
os passageiros. Alguém tentava adverti-lo de que o avião estava prestes a cair.
E ele argumentou: “Deixe o avião cair! Ele não é meu!” Ou seja: burrice pura!
Se o Brasil afundar, iremos todos juntos com ele. De qualquer modo, nessa
precipitação de desejos controversos, muitos ditos intelectuais, artistas,
cantores, escritores, cineastas, entre tantos ouros brasileiros, criticam o
sistema político do país, mas moram fora, em cidades e nações civilizadas da
Europa ou da América Latina. Assim fica mais fácil cuspir no prato em que
comeram. Não que eu seja contra quem mora fora do Brasil. Pelo contrário, esse
não é o problema. O problema é não permanecer aqui para nos ajudar na superação
das dificuldades nacionais, enquanto atiram pedras de longe. Alguns mamaram
demais nas tetas do Governo Federal, usando nosso dinheiro e, agora, percebem
que a fonte secou.
Embarcamos quase que inconscientemente
nas ondas da psicopatia social e ainda nos consideramos normais. O mundo está
maluco mesmo, de pernas para o ar. Enquanto tentamos combater os vários tipos
de preconceitos, construímos pessoas ainda mais doentes, com sentimentos mórbidos,
incapazes de reagir com lucidez aos dramas da própria vida. São assassinatos
nas escolas, massacres em ambientes sociais marcados pela presença inocente das
pessoas, que não sabem o perigo que as ronda. Mas o que estamos fazendo dentro
de nossas casas, com a educação de nossos filhos? Que tipo de testemunho somos
para eles? Por que delegamos a responsabilidade por seus comportamentos à
Escola ou ao Governo ou ao Estado? Até onde nos interessamos realmente pela
mudança de suas atitudes e comportamentos, de modo especial quando eles se
tornam agressivos, negativos? Por que nos furtamos à disciplina e à ordem
dentro de casa, sem mais exigir o respeito e a obediência dos filhos? Por que o
medo de frustrá-los ou fazê-los perceber que a vida tem seu preço e que as
dificuldades devem nos ajudar a crescer? Certos traumas nunca mataram ninguém.
E não estou defendendo situações que possam, de algum modo, marcar ou
estigmatizar psicologicamente nossos filhos com propósitos intencionais de
feri-los, mas de socorrê-los na hora da exigência de subordinação e tolerância
com seus próprios erros. A formação é um caminho de sacrifício que deve
envolver a todos, não apenas as escolas, mas também as famílias, a sociedade, o
Estado, a Igreja (e por que não?) no sentido da integralidade do crescimento de
cidadãos de bem, capazes de se colocarem no lugar dos outros, com altruísmo, empatia
e compassividade. Numa palavra, desde cedo, devemos orientar os filhos para
trabalharem em si mesmos a chamada “Inteligência Emocional”, algo sobre o que,
infelizmente, sabemos muito pouco ou quase nada.
Altruísmo e empatia são termos
correlatos. A palavra não é minha, mas de um grande estudioso do assunto,
Daniel Goleman, Ph.D.: “Além dessa ligação imediata entre
empatia e altruísmo nos encontros pessoais, Hoffman sugere que a própria
capacidade de afeto empático, de colocar-se no lugar de outra pessoa, leva as
pessoas a seguir certos princípios morais”. E ele recorda um dos versos mais
famosos da literatura inglesa: “Nunca pergunte por quem dobra o sino; ele dobra
por ti”. (Goleman). E
isso significa o que, afinal de contas? Significa que todos nós fazemos parte
do tecido social que, quando se deteriora, atinge também a cada um de nós.
Somos filhos da mesma humanidade podre que nos abraça, de modo que ninguém está
acima do bem e do mal. Como afirmou o mesmo autor acima referido: “[...] a dor
do outro é nossa. Sentir com o outro é envolver-se”. (Goleman). Na verdade, trata-se de uma dinâmica
da vida social que começa dentro de casa, ainda na primeira infância e que,
depois, se estende sobre todos os estágios da formação da existência da pessoa.