Ela tinha o rosto simples da caridade...
Hoje, nossa celebração é para lembrar
a vida e a memória da senhora Josefa Elvira de Jesus – carinhosamente conhecida
como Dona Zelita (1931-2021) – com sentimento de louvor e gratidão a Deus pelo
dom da sua existência. E nada mais significativo e grandioso do que estarmos
aqui, na Igreja Jesus Ressuscitado, que ela ajudou a construir, com a sua
família, e à qual ela também serviu como Ministra Extraordinária da Eucaristia,
tocando o corpo do Senhor, sobretudo quando para entregá-Lo aos irmãos da
comunidade paroquial. Enquanto pôde, sempre esteve presente nas atividades
eclesiais e além fronteiras, em grupos de oração, na edificação espiritual e
material de espaços para a evangelização, no serviço aos pobres e na transmissão
da fé pelo testemunho de sua presença fiel e discreta por onde se encontrava.
O tempo e a idade são desgastes
naturais por que todos devemos passar, alguns com mais vigor físico e
espiritual, outros com a carência própria das forças vitais que ainda albergam
o seu corpo. Mas os sinais do espírito e a sensibilidade da alma, especialmente
nos meandros da psicologia humana, são fortalezas que carregamos conosco até o
fim dos dias. Tal clarividência ou constatação seguiu nossa amiga até seus
últimos dias. Pela longevidade dos dias, dos meses e dos anos, trata-se de uma
graça especial de que poucos são dotados pela benemerência sobrenatural,
divina. O esvair-se da condição corpórea da humanidade é uma questão que sempre
nos faz pensar e refletir sobre a brevidade da existência, por mais duradoura
que seja a chama bruxuleante da sua vulnerabilidade.
É o salmista quem nos ensina, com lucidez e
convicção profundas:
O homem! ... seus dias são como a erva: ele
floresce como a flor do campo; roça-lhe um vento e desaparece; e ninguém mais
reconhece o seu lugar. (Sl 103,15-16).
A bondade é uma virtude dos
corações generosos, abnegados e desprendidos diante das necessidades do próximo.
Se o resumo de uma vida se fecha no horizonte da morte, igualmente faz
resplandecer nas entranhas do mundo o altruísmo e a brandura de suas ações
entre os vivos. Assim foi a passagem de Dona Zelita no meio de nós, cujo
testemunho de amor e de fé, sombreado pela caridade fraterna, se derrama
sobejamente no canteiro florido de seus gestos, deixando um bonito legado para
muitas gerações. Aparentemente pequena na estrutura física, discreta,
demonstrava-se gigante na compreensão dos valores cristãos e evangélicos quanto
ao serviço dos irmãos. Baluarte da firmeza matriarcal, mãe da comunidade,
sensível às carências materiais de muitos, alimentou a muitos colaborando com o
Pe. Ednaldo no "banquete dos pobres". Ajudou a construir a Igreja de
seu bairro, Jesus Ressuscitado, patrocinou eventos alhures e cultivou um carinho
especial pelos padres que conheceu. De fato, ele teve um irmão padre, o Mons.
Juarez, de quem se recordava com distinção e apreço. Aliás, ela sempre
demonstrou um carinho, qual dom de gratuidade, por todos os padres que conheceu
durante sua história eclesial.
Ouvi uma frase num filme que
dizia, mais ou menos, assim: "entre o começo e o fim da existência, entre
a data do nascimento e da morte, existe um traço e é justamente esse traço o
que faz a vida valer a pena". E poderíamos dizer que, filosoficamente, ele
comporta todo o conteúdo da essência de quem fomos e de quem seremos na memória
dos vivos. Assim também foi com Dona Zelita! Sua vida foi vivida como uma vida
que valeu a pena ser vivida! Não obstante a redundância ou o pleonasmo
vocabular, a frase expressa outra dimensão do significado da vida e da morte de
um ser humano, segundo a sabedoria bíblica que afirma: “Mais vale a fama do que
o óleo fino; o dia da morte [mais] do que o dia do nascimento”. (Eclo 7,1).
Na compreensão de Wiersbe, um
estudioso da Sagrada Escritura, “A ideia de Salomão era que o nome que você recebe quando nasce é como
um unguento perfumado, e você deve
mantê-lo assim até o dia de sua morte. Quando você nasceu e recebeu um
nome, ninguém sabia o que você faria com ele; porém, ao chegar o momento da
morte, esse nome é repleto de perfume ou de mau cheiro. Se é repleto de
perfume, as pessoas têm motivo para se alegrar, pois, após a morte, não há nada
que mude essa boa fama. Assim, para uma pessoa de boa fama, o dia da morte é
melhor do que o dia do nascimento”.
Diante das tempestades da vida,
como das perdas que se abateram sobre a sua família, às vezes, de maneira
precoce e inesperada, ela sempre se segurou firme na fé para superar os embates
próprios da existência e permanecer firme na trajetória de sua missão
matriarcal. Dores, sofrimentos e lágrimas, certamente fizeram parte da
pluralidade de seus dias. Mas a esperança não cansa o que têm os olhos fixos em
Deus. Porque ele é a fonte inexaurível das consolações perenes para o “vale de
lágrimas” que atravessamos no deserto existencial. Todavia, como diria Epicuro
de Samos (341-270 a.C.), filosofo da literatura clássica grega, “Os grandes
navegadores devem sua reputação aos temporais e às tempestades”.
Hoje, nossa oração e o nosso
louvor são gratidão a Deus, por nos fazer participantes do mistério da vida em
plenitude, que Ele reserva para os justos no céu, e cujo mérito se desprende do
Altar da Cruz, de sua Paixão, Morte e Ressurreição: únicas garantias da nossa
futura ressurreição e participação plena na vida do Reino. Com efeito, “Se
temos esperança em Cristo somente para esta vida, somos os mais dignos de
compaixão de todos os homens. Mas não! Cristo Ressuscitou dos mortos primícias
dos que adormeceram [n’Ele]”. (1Cor 15,19-20).
Se o manto da morte nos cobre de
tristeza, de silêncio e de saudade, também nos permite viver a esperança de uma
vida feliz na presença eterna do Criador, onde o sol não se põe, a festa não se
acaba e a alegria do divino Esposo supera todas as carências da alma. Por isso,
“A morte do cristão não é um momento no fim do seu caminho terreno, um ponto
isolado do resto da vida. A vida terrena é preparação para a do céu, nela
estamos como criancinhas no seio materno: nossa vida na terra é um período de
formação, de luta, de primeiras opções. Ao morrer, o homem se encontrará diante
de tudo o que constituiu o objeto das suas aspirações mais profundas:
encontrar-se-á diante de Cristo e será a opção definitiva, construída por todas
as opções parciais desta terra. (Missal
Cotidiano).
Deus conceda a Dona Zelita a
graça da beatificação, usufruindo da presença de Deus no céu e, a todos nós,
familiares e amigos, a consolação de nos reencontrarmos um dia diante d’Ele no
tempo sem tempo da eternidade.
Enfim, reconhecendo que ela
possuía o rosto simples da caridade e as mãos generosas da partilha, para todos
nós, o tempo de agora é somente de saudade e boas recordações por tudo o que
pudemos experienciar juntos. Louvado Seja Deus! (PGRS).