No dia do Padre, lembramos o Pe. Gilson Garcia
História que não é contada também pode não se tornar conhecida. É, pois,
com esse sentimento de investigador que eu gostaria de apresentar ao ilustre
leitor traços da personalidade e da existência do Padre Gilson Garcia de Melo
(1936-2020), sacerdote, filho de Rosário do Catete, em Sergipe, e, portanto, da
Arquidiocese de Aracaju, onde exerceu a maior parte do ministério sacerdotal.
O retrovisor da história é um espelho biocronológico que nos mostra um
pouco de quem somos. Evidentemente, essa perspectiva é limitada pela
parcialidade com que vemos as coisas e as pessoas. Com efeito, a luminosidade
de uma existência é bem maior do que as sombras eventuais que acobertam e
escondem a plenitude da singularidade de cada ser humano. Desse modo, com a
possibilidade da interpretação dos eventos históricos e, por isso mesmo, dos
fatos propriamente humanos, podemos correr o risco das incertezas, das
informações penetradas por brechas incompreensíveis da totalidade do indivíduo,
o que, de alguma maneira, poderia ainda nos deixar à margem do que, de verdade,
intencionamos dizer ou abordar da vida e da existência do homenageado. Mas a
vida é sempre maior do que ela mesma, sobretudo, no sentido do que conseguimos
abraçar da sua substância no jardim das palavras, no canteiro das emoções
vistas por terceiros e, também, pela superfície que o horizonte de nossas
percepções pode atingir ou alcançar. Contudo, não obstante o véu temporal que
nos limita as fronteiras do conhecimento do outro, isso não nos impede o ensaio
ou o esforço de recordação das folhas caídas de sua vida. Mais do que isso: de
fato, nossa intenção mais premente é também orientada pelo desejo de não
abandonar ao esquecimento vulnerável da nossa memória a envergadura de uma das
personalidades da Igreja em Sergipe, de trânsito livre pelas dioceses da
Província Eclesiástica de Aracaju – Dioceses de Propriá e Estância – inclusive,
muito consultado e recorrido para tradução de bulas e textos latinos, por causa da formação linguística que
possuía.
Desse modo, a concretização do pensamento, passando por estágios de
elaboração e envolvimento existencial, quer trazer também perspectivas
filosóficas e antropológicas próprias da essência humana. Nesse contexto, a
morte é apenas o pano de fundo que reflete a hermenêutica da argumentação,
porquanto o sentido da morte, ou o que nos espera depois dela, pode ser
contextualizado somente por figuras ou imagens sombrias, não muito
compreensíveis na sua totalidade, como num quadro escuro sombreado de luz, que
mais esconde do que nos revela a consciência temporal do nosso ser. Esse é um dos
aspectos da reflexão panegírica, mas não o único. Por isso, numa dimensão mais
misteriosa do ponto de vista do âmago do sacerdócio, que transcende as
barreiras do aparentemente perceptível às nossas emoções, também gostaríamos de
adentrar no mérito da grandeza do ser sacerdotal, como quis e o desejou o
próprio Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote. Eterno
Sacerdote e Eterna Vítima.
Portanto, o texto quer ser também uma oportunidade de reflexão e
amadurecimento eclesial sobre a figura do sacerdote, que não é anjo, nem santo,
nem demônio – na verdade, um pecador entre os pecadores – mas que está
revestido da caridade de Cristo – Caritas
Christi – para o bem do povo de Deus.
Com efeito, é a Palavra de Deus que o afirma: “Porquanto todo sumo sacerdote,
tirado do meio do homens, é constituído por Deus em favor dos homens em suas
relações com Deus. A sua função é oferecer dons e sacrifícios pelos pecados”.
(Hb 5,1-2). Infelizmente, muitas vezes, essa percepção é obscurecida por vislumbres
humanos, que parecem falar mais alto, enfraquecendo a plenitude do dom
sacerdotal.
O zelo pastoral, por exemplo, com que o pastor das ovelhas deve conduzir
o rebanho, é uma dimensão importantíssima, especialmente, quando vivemos num
mundo pluricultural em que, muitas vezes, vozes dissonantes da verdade do
Evangelho tentam contradizer a profundidade do seu fundamento e da sua vinculação
à vivência cristã. Por isso, a centralidade da luz de Cristo ganha força e
exigências inescusáveis diante do papel do pregador. A expressão é do Papa
Bento XVI: “Sem a luz de Cristo, a luz da razão não é suficiente para iluminar
a humanidade e o mundo”. (Apud Rowland, 2013, p. 36). O papa tem
consciência de que, sem Cristo, o caminho da humanidade é marcado por tragédias
e barbáries que descaracterizam, ao extremo, a sublimidade da pessoa humana e
da sua dignidade, porque Ele deve ser o centro gravitacional de toda aspiração
quanto às realizações também humanas.
Antes de concluir as páginas que intitulei de Mors principium immortalitatis
– a morte é o princípio da imortalidade
– inspirado num pensamento de Maximilien de Robespierre, teci alguns
comentários sobre a realidade efêmera da vida humana, isto é, a transitoriedade
de tudo que passa no escoadouro do cronos.
Assim, talvez o fio esgarçado do tempo cure as feridas da saudade. E “A saudade
é o rosto da eternidade refletido no rio do tempo”. (Alves, 2011, p. 146). Saudade do que não vivemos em
plenitude! Saudade que nos devolve, no sentimento da gratidão, a grandeza da
existência humana na terra, que transcende para a eternidade.