Desculpe-me pelo atraso...
O discurso foi breve,
ligeiro, rápido, tranchant: “O curso
acabou para mim. Apresentei o TCC ontem. Só falta pegar o Diploma. Sou Bacharel
em Direito. Finalmente.” Era o meu amigo Robson, derramando sentimentos de
conquista, de vitória e de euforia no canteiro das palavras. Deixou o recado
completo! Mas as palavras também escondem aquilo que não dizemos, ou guardamos
no movimento das emoções. A luta diária de quem esteve ao seu lado sabe o que
isso significa: um gosto quase secreto de que tentar realizar os desejos da
formação acadêmica custa desafios, suor, energia, lágrimas, acordar cedo e não
saber bem em que direção olhar, etc. Mas são as exigências da vida que
demonstram a grandeza de um homem.
Não
desistir nunca, não se acomodar aos ditames das condições não favoráveis,
resistir às tempestades ferozes da imprevisibilidade do caminho, tirar forças
de onde parece não haver, buscar soluções imediatas no solavanco das intuições,
tudo isso faz parte do processo. Mas, “desculpe-me pelo atraso...” Pelo atraso
de quê? Por quê? Seria pela demora de minha resposta à dimensão emergencial de
seu desejo de partilhar uma alegria que conquistamos juntos. Vidas
paralelas, separadas pelo cordão cronológico da biografia individual, se cruzam
nos ambientes sociais da coletividade, porém, cada um no contexto de seu
próprio existir. Então, fiz do “desculpe-me pelo atraso” uma
metáfora de reflexão sobre a vida, toda vida, qualquer vida humana.
Ninguém deve pedir desculpas
pelo atraso. Não, pelo atraso da vida, porque ninguém atrasa na
vida! Na verdade, é ela que nos leva por outros caminhos: pelos caminhos das
incertezas, das inseguranças, do medo invisível que nos assalta, das portas
quase fechadas ao imprevisível! Mas a teimosia dos sonhos, da busca da
realização dos ideais, da esperança alimentada pelos horizontes interiores do
coração, tudo isso vence a insuficiência dos recursos, a letargia do espírito
desanimado, sem motivação, em virtude do esforço de sobrevivência, que não nos
permite desistir jamais. Cada um no seu tempo, com seus limites, com sua
determinação e vontade de vencer; cada um com seus desafios;
cada um com sua história; cada um com as labutas próprias da sobrevivência
humana, que exige provas de superação e vontade de ir sempre mais adiante, não
obstante todos as adversidades do percurso realizado. Mas olhamos para trás
contentes e agradecidos. De fato, “O retrovisor da história é um espelho que
nos mostra um pouco do que somos. Evidentemente, essa perspectiva é limitada
pela parcialidade com que vemos as coisas e as pessoas. Com efeito, a
luminosidade de uma existência é bem maior do que as sombras eventuais que
acobertam e escondem a plenitude da singularidade de cada ser humano”. (Santos).
Uns mais
jovens, outros mais velhos, mais avançados nos anos, "os patinhos
feios" da universidade também vencem o preconceito, a indiferença dos
bastardos megalomaníacos do meio acadêmico, a hipocrisia do sistema, a pobreza
de alma e da estatura tacanha dos fidalgos, "filhinhos de papai", que
atravessam os olhos, querendo impedir o sucesso dos aparentemente mais fracos,
desprotegidos, como se "a paridade de armas" não fosse um direito da
justiça social equânime, que deveria se derramar também sobre os que ela pune
já no nascimento, e até mesmo antes de serem concebidos. Nos cantos escuros da
alma, a luz da esperança se acende com mais intensidade diante dos obstáculos,
das intempéries da peleja, dos contratempos da quotidianidade. Na percepção de
Ihering, “A defesa do direito é portanto um dever da própria conservação moral;
o abandono completo, hoje impossível, mas possível em época já passada, é um
suicídio moral”.
Estudar direito, como também
tantas outras áreas do conhecimento, é um bom acinte para os gigantes, porque a
ciência alimenta o sonho de todos os espíritos. Contudo, a cosmovisão do
universo jurídico é ampliada pelo emaranhado de leis e vicissitudes sociais
que, dia após dia, estende ainda mais as provocações das conquistas legais na
defesa dos direitos e garantias fundamentais de todos. Desconhecer a Lei não
significa estarmos privados dos direitos que ela nos impõe pela exigência
irrenunciável de sua aplicação e eficácia, derramando-se igualmente sobre os
deveres de fazer o bem e evitar o mal. Ou seja: “comissão” e “omissão” fazem
parte da mesma moeda legal, cujos valores são impingidos para acobertar a
dignidade humana de cada indivíduo na sua singularidade e de todas as nações no
abraço de sua coletividade.
Na história pessoal de cada
um, o preço dos louros é a força bruta das energias gastas no combate desigual.
A solidão das inquietações existenciais, os dramas vividos ao sabor das sadias
altercações jurídicas da academia, o acolhimento dos amigos, a compreensão dos
colegas, a frieza da indiferença, tudo isso ainda concorre para as alegrias da
vitória. A presença em sala de aula, a festividade dos encontros, os olhares
desconfiados dos calouros ou da empatia dos veteranos, o auxílio necessário dos
funcionários, a simpatia, a competência e amizade dos professores, de igual
maneira, foram fundamentais para os passos que fizemos durante o curso. Também
os goles inebriantes da convivência jurídica através das atividades acadêmicas,
dos impasses, da indecisão do comprometimento com o grupo, foram essenciais na
formação. A camaradagem nos botecos do saber, nas pesquisas acadêmicas, na
gestação, pré-natal e nascimento dos TCC’s – ou de artigos científicos – agora
estampam a gratidão da memória pelo que vivemos juntos.
Amigos se perderam no
caminho ou morreram. Depois, veio a pandemia que nos roubou ainda mais uns dos
outros, e veio também o desafio das aulas à distância, online. O mundo ficou de
pernas para o ar, e cada um no seu canto, do seu jeito, com suas lamúrias,
tentou encontrar a maneira certa para seguir, sobrevivendo ao caos sanitário
que golpeou a humanidade, enquanto muitos desapareceram do planeta Terra.
Ficaram a lembrança, a saudade doída pelo mal causado pela perda, a vontade de
encontrar novas luzes para resistir ao que estava por vir. Mas vencemos!
Estamos vivos!
Hoje, meu amigo é Bacharel
em Direito, e, logo, logo, será chamado de Doutor, com a aprovação no exame e
ingresso na OAB. Outros de seu tempo de universidade chegaram depois, mas a
ninguém devem pedir “desculpas pelo atraso”, porque cada um é senhor de seu
momento, de suas circunstâncias, de suas vitórias. O importante é não parar de
lutar, porque o curso universitário da vida se fecha e se conclui somente na
morte. (PGRS).