Virando a
página do tempo
Réveillon.
É a palavra dos tempos atuais. Mas qual a origem e o sentido de sua conotação
para o novo ano que se aproxima? Tradicionalmente, o vocábulo ficou conhecido
como “virada do ano”! Ou será que não? Com a proximidade do Natal e das festas
de final de ano, o mundo inteiro fica eufórico. Novo tempo parece desabotoar e
manifestar as forças da esperança. Se o ano que passou não foi tão bom assim,
com perdas de todo tipo, mas também com agrados de realização, resta-nos torcer
para que, “virando a página do tempo”, algo melhor rebente nossos desejos de
plenitude.
Já na iminência de
2022, papai Noel, o bom velhinho, que trouxe a concretude de tantos sonhos
adormecidos nas crianças e nos adolescentes, mas também nos adultos, ficou para
trás, deixando então a lembrança do que nos golpeou do presente recebido. Pelo
menos, para aqueles que receberam algum regalo. Com efeito, nem todos os anelos
do coração se realizam na magia da boa vontade do velhinho. São momentos
transitórios que plantam na alegria das festividades o toque sublime da
generosidade de muitas pessoas. E isso faz bem ao espírito desse instante. Mas
não é tudo! Também, talvez de maneira mais obscura, sobretudo nos veículos de
comunicação de propaganda mercantil, e até mesmo no seio de alguns cristãos, o
Menino-Jesus teve seu papel de figura discreta, no entanto, vibrante, trazendo
a todos a luz que emana de sua manjedoura e permanece mais duradoura do que
papai Noel. Afinal de contas, Ele é o Salvador, mesmo para aqueles que pensam
que não! Contudo, o tempo é o senhor de quem todos nós somos escravos. Isso mesmo:
ESCRAVOS! Apenas aqueles que já estão fora dele, no caso, os mortos, não se
sujeitam mais aos ditames de sua brava tirania. Quanto aos pobres mortais, que
perambulam pela noite escura do universo macroscópico, material e imaterial,
imanente e transcendente, físico e espiritual, todos somos, inevitavelmente,
prisioneiros de suas armadilhas.
Os anos recentemente
passados, 2020 e 2021, foram terrivelmente marcados pelo monstro da pandemia
que, não obstante todo o esforço de superação mundial, ainda continua nos
assombrando. Vidas se perderam, familiares, amigos e parentes desapareceram do
nosso meio. No dia primeiro de novembro de 2021, o mundo registrava mais de
cinco milhões de mortos por covid-19. A marca de uma tragédia humanitária sem
precedentes! E as nações ainda seguem desorientadas, com a possiblidade de
agravamento da situação, trazida à baila mediante o advento da variante
ômicron. E, no dia 27 de dezembro, agorinha, enquanto escrevo esse texto, mais
de dois mil voos foram suspensos no mundo inteiro por causa dela. Ainda não nos
sentimos seguros! Contudo, a vida deve continuar. “O tempo não para”, já dizia
a música de Cazuza, e a nossa vida segue dentro de sua dinâmica cronológica,
até o fim da biocronologia de cada um dos viventes. Portanto, é nessa
perspectiva que devemos enfrentar o “réveillon”, que significa “despertar”.
Porém, “despertar” para quê? Acordar para quê?
Despertar para a sublimidade
da vida, enquanto ainda estamos aqui. Às vezes, parece que vivemos sonolentos
demais a quotidianidade que nos assalta do nascer ao pôr do sol. A agitação do
mundo moderno, a pressurosidade dos afazeres, dos trabalhos e dos negócios; as
demandas existenciais de todo tipo, nas idas e vindas da geografia do eu mais
profundo, etc., tudo isso pode nos distanciar da essência da beleza que é a
própria vida em si mesma, o milagre do momento presente que nos escapa,
fugidio, como as torrentes dos mananciais que descem do topo da montanha para
encher os leitos da extensão do existir. Por isso, precisamos ir “virando a
página do tempo”. Santo Agostinho já asseverava: “É bom que esse tempo passe,
senão, não teremos outro tempo para viver”. Por conseguinte, a vida é essa
espiral de gratuidades e de bonanças, que independe da direção dextrogira ou
sinostrogira, mas que focaliza o centro vital do que somos e da felicidade que
buscamos.
Do original francês, o
termo réveillon se desprende do verbo
révellier, que significa “acordar”,
“despertar”; “tirar do sono” (“tirer du
sommeil”). Metaforicamente, quer dizer também “chamar à consciência”,
“trazer à vida”. Seria como o despertar interiormente para o clarão da
existência que nos espera, a cada amanhecer, devolvendo-nos o brilho da
esperança em dias melhores, de consolação, de boas energias, de conquistas,
vitórias, mas também de lutas, de apego à própria essência de nós mesmos, de
superação. Portanto, é nessa direção que devemos apostar com o dealbar do ano
novo, da chegada de 2022.
Então, acordemos da letargia dos dias ruins, dos movimentos tristes da alma, dos pesares enfadonhos do que ficou para trás. A vida está diante de nós. Vamos sonhar mais, abraçar mais, sorrir mais, confiar mais, trabalhar mais, etc., a fim de que os sonhos que embalam o nosso espírito não permaneçam adormecidos no castelo interior da acomodação. Vencer é próprio de quem luta! Ou seja: vire, sabiamente, a página do tempo! Agora, vá! Levante-se! Tenha coragem, pois a vida nos espera sobejamente prenhe de coisas boas, alvissareiras de felicidade. Feliz 2022!