Edson & Yara Achegas Biográficas
Os rituais da existência humana, como partes da liturgia da vida, reverberam
o sentido de que ambas – a liturgia e a vida – se tocam pela sublimidade das
promessas de respeito e fidelidade recíprocos na expressão de um grande
amor.
Quanto à liturgia, nós a conhecemos bem, sobretudo no contexto da
celebração eucarística, promessa radical de amor de gratuidade e fidelidade
incondicional de um Deus apaixonado pela humanidade. Então, do pedestal da
glória celeste, ele desce até nós na pessoa do Filho, gerado no seio da filha
de Sião, Maria Santíssima, e se faz homem, igual a nós em tudo, exceto no
pecado. Viveu no aconchego da família de Nazaré, com seus pais, Maria e José;
cresceu em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens (Lc
3,52); depois de muitas andanças, anunciando o Reino, escolheu os doze, fez
curas, sinais e milagres, e assumiu o caminho da Cruz como condição de nossa
configuração a Ele pelo mistério da paixão, morte e ressurreição; fundou a
Igreja como sua esposa, santa e perfeita; e se entregou esponsalmente por ela
(Ef 5,25-27).
Quanto à vida, ela se esconde nos traços misteriosos, pessoais e singulares
de cada pessoa humana, mas cada um conhece os cantos escuros ou luminosos de
seu próprio existir. Assim, sob o manto das vicissitudes cronológicas e
nostálgicas da estampa da longevidade dos anos, a filografia do amor é
costurada, simbioticamente, com as linhas da paixão. Com efeito, a reciprocação
do amor não se sustenta na vida sem as disposições interiores para o sofrimento
caritativo, para a renúncia voluntária, para o diálogo franco, desapaixonado,
isto é, sem os ditames condicionados pela cegueira do calor do momento, e,
claro, tudo isso direcionado para a cumplicidade quanto ao destino flamejante
da felicidade. De fato, as cartas de outrora, derramadas na literatura
magistral das Achegas Biográficas, Edson & Yara – imbricadas na arte dialética de Ana
Maria Fonseca Medina, a autora – traduzem o sentimento sublime, gracioso e
espontâneo das exigências temporais que encantam o olhar cruzado entre dois
amores.
Na compreensão de Jorge
Carvalho, a autora nos presenteia “com um novo estudo. Aproveitou o cenário de
nascimento do médico oftalmologista Edson Brasil, para compor um atraente
ensaio biográfico emoldurado pela sedutora história do amor que uniu o devoto
de Esculápio com a ‘rainha das águas’, que encontrou na cidade de Boquim a sua
Yara”. Boquim sempre se destacou nos tempos áureos como a terra da laranja! E
isso se refere aos verdes campos floridos que se projetam na geografia pastoril
do lugar. Comparativamente, o bucolismo literário é uma espécie de jardim onde
nascem as mais belas flores da história dos amores. E, assim, Ana Medina soube
colher, sobejamente, os frutos da semeadura cultural no meio de sua gente. De
fato, flertes dessa grandeza preenchem as laudas vicejantes da sabedoria
vocabular com que ela mapeou a textura esferográfica da existência dos
homenageados. É a própria autora quem o reconhece: “A paisagem epistolar
grafada pelo autor das cartas aponta trajetórias, testemunham o cenário no
palco da vida [...]. Elas são a expressão mais profunda de uma conquista
sincera, gravitam entre o amoroso e o prosaico. Poder-se-ia considerá-las um
memorial de bem-querer, marca de um tempo em que o respeito e a galanteria
caminhavam de mãos dadas. Uma história de amor contada entre linhas cheias de
ternura”.
E mais ainda: “Acompanhei,
desde a minha infância o casal, exemplo de união perene, portanto, é um alegria
imensa plasmar no papel o que os meus olhos tão longevos viram e gravaram na
alma”. Trata-se, pois, do testemunho ocularmente palpitante, que transpõe as
barreiras profundas do horizonte das câmeras e atinge a essência da percepção
do olhar. Ao partilhar suas descobertas, ela nos devolve o brio de existências
temporalmente distantes, mas hodiernamente presentes nas lentes da escritora em
confidências com o leitor. Sua pena revela segredos escondidos na inconsciência
do cronos, a fim de nos ostentar – no genuíno sentido do termo latino, que
significa “mostrar” – a grandeza de duas vidas que se correspondem na
cumplicidade do amor-doação recíproco.
O amor verdadeiro e fiel
supera os ventos culturais do modernismo e se demonstra enraizado na alma do
esteio familiar, como na fecundidade da união esponsal diante da verdade de si
próprio e do outro. Isso também é alinhavado nas missivas apresentadas na
moldura da obra. Além do estilo leve, escorreito e agradável, impostado pela
autora. Portanto, vale a pena conferir.
Gilvan Rodrigues. Padre e Escritor.