terça-feira, 11 de janeiro de 2022

 

Edson & Yara Achegas Biográficas



Os rituais da existência humana, como partes da liturgia da vida, reverberam o sentido de que ambas – a liturgia e a vida – se tocam pela sublimidade das promessas de respeito e fidelidade recíprocos na expressão de um grande amor. 

Quanto à liturgia, nós a conhecemos bem, sobretudo no contexto da celebração eucarística, promessa radical de amor de gratuidade e fidelidade incondicional de um Deus apaixonado pela humanidade. Então, do pedestal da glória celeste, ele desce até nós na pessoa do Filho, gerado no seio da filha de Sião, Maria Santíssima, e se faz homem, igual a nós em tudo, exceto no pecado. Viveu no aconchego da família de Nazaré, com seus pais, Maria e José; cresceu em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens (Lc 3,52); depois de muitas andanças, anunciando o Reino, escolheu os doze, fez curas, sinais e milagres, e assumiu o caminho da Cruz como condição de nossa configuração a Ele pelo mistério da paixão, morte e ressurreição; fundou a Igreja como sua esposa, santa e perfeita; e se entregou esponsalmente por ela (Ef 5,25-27).

Quanto à vida, ela se esconde nos traços misteriosos, pessoais e singulares de cada pessoa humana, mas cada um conhece os cantos escuros ou luminosos de seu próprio existir. Assim, sob o manto das vicissitudes cronológicas e nostálgicas da estampa da longevidade dos anos, a filografia do amor é costurada, simbioticamente, com as linhas da paixão. Com efeito, a reciprocação do amor não se sustenta na vida sem as disposições interiores para o sofrimento caritativo, para a renúncia voluntária, para o diálogo franco, desapaixonado, isto é, sem os ditames condicionados pela cegueira do calor do momento, e, claro, tudo isso direcionado para a cumplicidade quanto ao destino flamejante da felicidade. De fato, as cartas de outrora, derramadas na literatura magistral das Achegas Biográficas, Edson & Yara – imbricadas na arte dialética de Ana Maria Fonseca Medina, a autora – traduzem o sentimento sublime, gracioso e espontâneo das exigências temporais que encantam o olhar cruzado entre dois amores.

Na compreensão de Jorge Carvalho, a autora nos presenteia “com um novo estudo. Aproveitou o cenário de nascimento do médico oftalmologista Edson Brasil, para compor um atraente ensaio biográfico emoldurado pela sedutora história do amor que uniu o devoto de Esculápio com a ‘rainha das águas’, que encontrou na cidade de Boquim a sua Yara”. Boquim sempre se destacou nos tempos áureos como a terra da laranja! E isso se refere aos verdes campos floridos que se projetam na geografia pastoril do lugar. Comparativamente, o bucolismo literário é uma espécie de jardim onde nascem as mais belas flores da história dos amores. E, assim, Ana Medina soube colher, sobejamente, os frutos da semeadura cultural no meio de sua gente. De fato, flertes dessa grandeza preenchem as laudas vicejantes da sabedoria vocabular com que ela mapeou a textura esferográfica da existência dos homenageados. É a própria autora quem o reconhece: “A paisagem epistolar grafada pelo autor das cartas aponta trajetórias, testemunham o cenário no palco da vida [...]. Elas são a expressão mais profunda de uma conquista sincera, gravitam entre o amoroso e o prosaico. Poder-se-ia considerá-las um memorial de bem-querer, marca de um tempo em que o respeito e a galanteria caminhavam de mãos dadas. Uma história de amor contada entre linhas cheias de ternura”.

E mais ainda: “Acompanhei, desde a minha infância o casal, exemplo de união perene, portanto, é um alegria imensa plasmar no papel o que os meus olhos tão longevos viram e gravaram na alma”. Trata-se, pois, do testemunho ocularmente palpitante, que transpõe as barreiras profundas do horizonte das câmeras e atinge a essência da percepção do olhar. Ao partilhar suas descobertas, ela nos devolve o brio de existências temporalmente distantes, mas hodiernamente presentes nas lentes da escritora em confidências com o leitor. Sua pena revela segredos escondidos na inconsciência do cronos, a fim de nos ostentar – no genuíno sentido do termo latino, que significa “mostrar” – a grandeza de duas vidas que se correspondem na cumplicidade do amor-doação recíproco.

O amor verdadeiro e fiel supera os ventos culturais do modernismo e se demonstra enraizado na alma do esteio familiar, como na fecundidade da união esponsal diante da verdade de si próprio e do outro. Isso também é alinhavado nas missivas apresentadas na moldura da obra. Além do estilo leve, escorreito e agradável, impostado pela autora. Portanto, vale a pena conferir.

Gilvan Rodrigues. Padre e Escritor.