Signore, Ti amo
Jesus,
eu Te amo! Dizem que essas foram as últimas palavras do Papa
Emérito, Bento XVI, ao morrer no dia 31 de dezembro de 2022, derradeiro dia do
ano. Certamente, uma palavra síntese do que foi a sua vida inteira, porque a
ousadia dos santos passa pela brevidade de um discurso, que resgata,
solenemente, na introspecção da alma, a coerência da fé e da vida dos amigos de
Cristo. Jesus eu Te amo! Quantas
vezes nós tivemos a coragem de dizer isso? Mas não, levianamente, da boca para
fora, como manifestação do que, na verdade, não corresponde aos nossos atos ou às
nossas atitudes cotidianas diante d’Aquele a quem dizemos amar! Eu não ousaria
responder! Infelizmente, na maioria das vezes, nosso comportamento contradiz a
essência do que falamos ao sabor das incoerências mais devastadoras do nosso
agir. Mas Bento XVI sabia o que estava dizendo!
Percorrendo o histórico de
sua vida pessoal, do seu amor a Cristo e da sua fidelidade incondicional à
Igreja do Senhor, a lucidez de sua consciência é comovente. Com efeito, tudo o
que fez e viveu – inclusive enfrentando os inimigos internos e externos da
Igreja, a fim de não negociar com o mundo moderno os valores da pregação do
Evangelho – foi para fazer valer o depositum
fidei – o depósito da fé – em detrimento das falsas doutrinas ventiladas
por supostos teólogos e liturgistas, entre outros “pensadores” convertidos às
ideologias mais diversas dos dias que correm. Dentro desse contexto, “como seu
posto na Cúria o obrigara a defender a ortodoxia católica contra a heresia e a
inovação, os sentimentos por ele antes da eleição iam da idolatria ao puro
ódio”. (Coulombe, 2022, p. 502).
E, assim, a sua vida se derramou, do início ao fim, custodiando o patrimônio
multissecular da Igreja contra os lobos ferozes, que tentam enganar o rebanho
para satisfazer o modismo de egoísmos penetrados de autodeterminação e vontades
mundanas. Ele não era um homem de visão míope e limitada pela cegueira dos que imaginam
os valores da fé e da doutrina da Igreja como acidentais e passíveis de mudança
ao sabor das modas contemporâneas. Por isso, ele condenou a “ditadura do
relativismo que nada reconhece como definitivo e deixa como última medida
apenas o próprio eu e as suas vontades”.
No evangelho que ouvimos (Jo
1,35-42), a expressão do Apóstolo André dirigida ao irmão Simão Pedro é
bastante significativa: “Encontramos o Messias, que quer dizer Cristo”. Joao
Batista estava com dois de seus discípulos que o ouviram dizer: “Eis o cordeiro
de Deus”’, indicando Jesus. Depois, eles seguiram a Jesus que lhes perguntou:
“O que estais procurando?”. E, então, eles quiseram saber: “Rabi, onde moras?”.
Em seguida, vem o suave convite de Cristo: “Vinde e vereis!”, e foram ver onde
ele morava, de modo que permaneceram com ele naquele dia. Certamente, foi um
dia muito agradável e de muitos ensinamentos. Foi, pois, naquela ocasião que
André fez o anúncio a Pedro, conduzindo-o até Jesus que lhe disse, fitando-lhe
os olhos: “Tu és Simão, filho de João; tu serás chamado ‘Cefas’ (que quer dizer
pedra)”. Para compreender bem essa passagem do Evangelho, não é suficiente recorrermos
apenas às ideias pessoais que tentam elaborar a dimensão mais profunda de seu
conhecimento. Trata-se, pois, de um acontecimento cristocêntrico, que traz à
vida dos Apóstolos a amizade fiel, até a morte, ao seu Senhor e Mestre. Assim, o
pano de fundo exegético indica-nos melhor o alcance de sua abordagem. Pensemos com
os estudiosos!
Na visão de Poppi (2006, p.
568), o chamado não é uma escolha humana, mas nos evangelhos sempre aparece como
consequência da iniciativa de Cristo. “O que estais procurando?”. Na Bíblia,
com frequência se fala da procura pela sabedoria personificada, que convida os
homens a acolher suas instruções, a seguir as suas vias e a participar do seu
banquete (Pr 8-9); e ela, por sua vez, vai a procura daqueles que são dignos do
seu seguimento. (Sir 6,18ss: Sb 6,12-16). Portanto, parece eu seja necessário
reconhecer uma aproximação intencional entre Jesus e a sabedoria divina, que o
homem deve procurar (zēteîn) para
conhecer a verdade e encontrar e encontrar a salvação. Com certeza, iluminado
pelas moções do Espírito Santo, Bento XVI percebeu essa realidade de busca ou
de esforço de reposta ao chamado de Cristo durante a sua existência. Não por
acaso, ele se colocou como um entre tantos outros “Cooperadores da Verdade”! Mas que verdade? A única revelada
por Deus ao homem, à criatura humana, fazendo descer dos céus o Seu Filho eterno
para ser o nosso Salvador. Foi ele mesmo, o Filho, quem assim se nos
manifestou: “Eu sou o Caminho, e a Verdade, e a Vida!” (Jo 14,6).
Bento XVI foi um papa de
muitas surpresas, inclusive com o ineditismo de sua renúncia! Renunciou por
amor à Igreja, que sempre a reconheceu como não sendo sua nem nossa. A Igreja é
de Cristo! A Igreja é de Deus! E ele o sabia! Mas renunciou também por fidelidade
ao Fundador, que, um dia, disse a Pedro: Tu
es Petrus, et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam, et portae inferi non
prevalaebunt adversus eam (Mt 16,19).
Bento XVI foi um gigante na
pregação e defesa da fé católica, pela qual consumiu todas as suas forças, do início
ao fim da vida, para que grandes e pequenos pudessem saborear a alegria da
experiência do encontro com Cristo. Diante de um mundo raivoso e apóstata,
longe das sublimes exigências da dimensão da fé concreta, ele foi o último bastião
de uma era. Portanto, rezemos pelo Papa Defunto, Bento XVI!
Que o Senhor da messe, a
quem ele amou incondicionalmente, conceda-lhe contemplar nos céus a luz de sua
face, dizendo-lhe: “Servo bom e fiel, entra na alegria do teu Senhor!” (Mt
25,23). Amém! (Dr. PGRS).