quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

 

Signore, Ti amo 


 
Joseph Aloisius Ratzinger (1927-2022) - Bento XVI 

Jesus, eu Te amo! Dizem que essas foram as últimas palavras do Papa Emérito, Bento XVI, ao morrer no dia 31 de dezembro de 2022, derradeiro dia do ano. Certamente, uma palavra síntese do que foi a sua vida inteira, porque a ousadia dos santos passa pela brevidade de um discurso, que resgata, solenemente, na introspecção da alma, a coerência da fé e da vida dos amigos de Cristo. Jesus eu Te amo! Quantas vezes nós tivemos a coragem de dizer isso? Mas não, levianamente, da boca para fora, como manifestação do que, na verdade, não corresponde aos nossos atos ou às nossas atitudes cotidianas diante d’Aquele a quem dizemos amar! Eu não ousaria responder! Infelizmente, na maioria das vezes, nosso comportamento contradiz a essência do que falamos ao sabor das incoerências mais devastadoras do nosso agir. Mas Bento XVI sabia o que estava dizendo!

Percorrendo o histórico de sua vida pessoal, do seu amor a Cristo e da sua fidelidade incondicional à Igreja do Senhor, a lucidez de sua consciência é comovente. Com efeito, tudo o que fez e viveu – inclusive enfrentando os inimigos internos e externos da Igreja, a fim de não negociar com o mundo moderno os valores da pregação do Evangelho – foi para fazer valer o depositum fidei – o depósito da fé – em detrimento das falsas doutrinas ventiladas por supostos teólogos e liturgistas, entre outros “pensadores” convertidos às ideologias mais diversas dos dias que correm. Dentro desse contexto, “como seu posto na Cúria o obrigara a defender a ortodoxia católica contra a heresia e a inovação, os sentimentos por ele antes da eleição iam da idolatria ao puro ódio”. (Coulombe, 2022, p. 502). E, assim, a sua vida se derramou, do início ao fim, custodiando o patrimônio multissecular da Igreja contra os lobos ferozes, que tentam enganar o rebanho para satisfazer o modismo de egoísmos penetrados de autodeterminação e vontades mundanas. Ele não era um homem de visão míope e limitada pela cegueira dos que imaginam os valores da fé e da doutrina da Igreja como acidentais e passíveis de mudança ao sabor das modas contemporâneas. Por isso, ele condenou a “ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades”.

No evangelho que ouvimos (Jo 1,35-42), a expressão do Apóstolo André dirigida ao irmão Simão Pedro é bastante significativa: “Encontramos o Messias, que quer dizer Cristo”. Joao Batista estava com dois de seus discípulos que o ouviram dizer: “Eis o cordeiro de Deus”’, indicando Jesus. Depois, eles seguiram a Jesus que lhes perguntou: “O que estais procurando?”. E, então, eles quiseram saber: “Rabi, onde moras?”. Em seguida, vem o suave convite de Cristo: “Vinde e vereis!”, e foram ver onde ele morava, de modo que permaneceram com ele naquele dia. Certamente, foi um dia muito agradável e de muitos ensinamentos. Foi, pois, naquela ocasião que André fez o anúncio a Pedro, conduzindo-o até Jesus que lhe disse, fitando-lhe os olhos: “Tu és Simão, filho de João; tu serás chamado ‘Cefas’ (que quer dizer pedra)”. Para compreender bem essa passagem do Evangelho, não é suficiente recorrermos apenas às ideias pessoais que tentam elaborar a dimensão mais profunda de seu conhecimento. Trata-se, pois, de um acontecimento cristocêntrico, que traz à vida dos Apóstolos a amizade fiel, até a morte, ao seu Senhor e Mestre. Assim, o pano de fundo exegético indica-nos melhor o alcance de sua abordagem. Pensemos com os estudiosos!

Na visão de Poppi (2006, p. 568), o chamado não é uma escolha humana, mas nos evangelhos sempre aparece como consequência da iniciativa de Cristo. “O que estais procurando?”. Na Bíblia, com frequência se fala da procura pela sabedoria personificada, que convida os homens a acolher suas instruções, a seguir as suas vias e a participar do seu banquete (Pr 8-9); e ela, por sua vez, vai a procura daqueles que são dignos do seu seguimento. (Sir 6,18ss: Sb 6,12-16). Portanto, parece eu seja necessário reconhecer uma aproximação intencional entre Jesus e a sabedoria divina, que o homem deve procurar (zēteîn) para conhecer a verdade e encontrar e encontrar a salvação. Com certeza, iluminado pelas moções do Espírito Santo, Bento XVI percebeu essa realidade de busca ou de esforço de reposta ao chamado de Cristo durante a sua existência. Não por acaso, ele se colocou como um entre tantos outros “Cooperadores da Verdade”! Mas que verdade? A única revelada por Deus ao homem, à criatura humana, fazendo descer dos céus o Seu Filho eterno para ser o nosso Salvador. Foi ele mesmo, o Filho, quem assim se nos manifestou: “Eu sou o Caminho, e a Verdade, e a Vida!” (Jo 14,6).

Bento XVI foi um papa de muitas surpresas, inclusive com o ineditismo de sua renúncia! Renunciou por amor à Igreja, que sempre a reconheceu como não sendo sua nem nossa. A Igreja é de Cristo! A Igreja é de Deus! E ele o sabia! Mas renunciou também por fidelidade ao Fundador, que, um dia, disse a Pedro: Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam, et portae inferi non prevalaebunt adversus eam (Mt 16,19).

Bento XVI foi um gigante na pregação e defesa da fé católica, pela qual consumiu todas as suas forças, do início ao fim da vida, para que grandes e pequenos pudessem saborear a alegria da experiência do encontro com Cristo. Diante de um mundo raivoso e apóstata, longe das sublimes exigências da dimensão da fé concreta, ele foi o último bastião de uma era. Portanto, rezemos pelo Papa Defunto, Bento XVI!

Que o Senhor da messe, a quem ele amou incondicionalmente, conceda-lhe contemplar nos céus a luz de sua face, dizendo-lhe: “Servo bom e fiel, entra na alegria do teu Senhor!” (Mt 25,23). Amém! (Dr. PGRS).