Um padre na
vitrine da Arquidiocese
Um dia, há muito anos, eu fui visitar o Pe. Raul com outro sacerdote que não o conhecia ainda, e ele ficou bastante entusiasmado com o reverendo. Depois, voltando para casa, ele me disse: “Rapaz, o Pe. Raul deveria ser colocado numa vitrine da Arquidiocese para admiração e inspiração do clero mais jovem e, sobretudo, dos seminaristas”. Contudo, infelizmente não é assim que, às vezes, a Instituição ver os padres mais avançados nos anos.
Eu tive o privilégio de ser
coroinha do Pe. Raul, lá atrás, nos idos da década de setenta e oitenta, em
Carira, e fui testemunha do seu zelo pastoral, ao dedicar-se incansavelmente ao
pastoreio do rebanho que lhe fora confiado. Tanto que sou fruto de seu
ministério sacerdotal naquelas terras tórridas e inclementes em tempos de seca
prolongada, onde o duro chão nada fazia florescer, castigando, então, o
sertanejo que até passava fome e tinha dificuldades para alimentar os filhos. Foram
tempos sofridos no meio daquela gente, mas o Pe. Raul, no frescor da juventude sacerdotal,
era uma motivação para a fé simples do povo. Carismático no sentido prático do
evangelho, dedicado à cura das ovelhas, assistia espiritualmente, não apenas a
sede paroquial, no caso, a matriz, mas se desdobrava para ir aos povoados, construindo
capelas, pedido ajuda à própria comunidade, não deixando faltar-lhes
oportunamente a missa nas localidades. Com ele, fiz a Primeira Comunhão! Também
o acompanhei pelas redondezas, no verão, no inverno, nas estações de chuva, em
meio aos riscos das estradas inundadas, etc. Ou seja, vi de perto seu desgaste
pelo bem da comunidade.
Mais tarde, fui para o
seminário menor de Aracaju, e, lá, fui seu aluno de latim, em 1987, quando ele
se mudara para o Grageru, na capital. Na nova comunidade, assumindo a missão do
pastoreio, igualmente revelou seus dotes como escritor e poeta, publicando
livro de poemas. Homem da palavra fácil, ainda teve tempo de desenvolver a inteligência
engenhosa para a pintura, uma obra de arte que exige criatividade e vislumbres
pontuais da mente do artista. Pinturas em tela, com tinta; gravuras rabiscadas
a lápis de cor ou apenas de grafite; tudo isso mostrava o gosto pela cultura polivalente
que lhe rebentava na alma. Mais tarde, em 1996, voltou a Carira para preparar
as minhas ordenações diaconal e sacerdotal. Fez tudo com muito carinho e
generosidade, junto à comunidade. Seu “primogênito” tornava-se padre no dia 21
de janeiro de 1998. Há 25 anos!
Ao celebrar o Jubileu de Ouro Sacerdotal nos brindou
com o livro “Cartas para Francisco”, em 2013, retratando, através de missivas endereçadas
ao pobrezinho de Assis, suas preocupações pastorais no vicariato de Carira. Na verdade,
um belo resgate de boas lições vividas como sacerdote. No final dessa obra, há uma
coleção iconográfica de sua autoria que resume a história de São Francisco. Feita
a lápis de cor, parecem figuras tridimensionadas pela percepção da acuidade do
criador. Ainda há outras obras suas que não foram publicadas por falta de
recursos pecuniários, inclusive uma que auxiliou muito a Ir. Morais na sua obra
“Província Eclesiástica de Aracaju: Evangelizando para a vida” (2014). Sua colaboração
foi muito valiosa, e a autora lhe agradeceu condignamente a generosidade da
pesquisa.
Agora já octogenário, no dia 3 de janeiro de 2023, comemorou mais uma primavera, no alto de seus 86 anos de vida, e caminha para o sexagenário aniversário de ordenação sacerdotal, no dia 7 de julho do ano em curso. Vive numa casinha em Itabaiana, na solidão de seu peregrinar, ajudando no que pode às religiosas de um hospital, desgastando seus dias com alegria testemunhal e espírito de bom humor. Sim, sua pessoa deveria ser colocada na vitrine da arquidiocese de Aracaju, não somente para ser reconhecido como consagrado do Senhor, mas, também, elevado ao pedestal da dignidade do que foi sua vida derramada pela Igreja e pelos cristãos por onde passou. Enfim, um testemunho vivo, fiel e alegre do serviço ao Senhor. (Dr. Pe. Gilvan Rodrigues dos Santos).