O Garoto e a missa Eterna
Parecia mais uma
pergunta aparentemente ingênua de menino curioso. Mas sua palavra estava prenhe
da incerteza que habita todos nós pelo desconhecimento do eterno, do tempo a
ser vivido na ânsia do que ainda não se experimentou em plenitude. E lá veio a
exposição do raciocínio arguto de quem quer saber algo mais sobre a
desconfiança da própria lucidez: “Padre, como é o céu? O que eu irei fazer no
céu?” À pergunta inesperada, veio-me a ligeira impressão de que não estaria em
condições rápidas de satisfazer ao toque de sua inquietação. E respondi-lhe
como me veio à mente: “No céu, você vai fazer a mesma coisa que faz durante a
missa, na Igreja!” E a esperteza de sua velocidade intuitiva deixou-me ainda
mais confuso: “Ave-maria, pense na chatice de uma missa eterna! Eu não irei
suportar!” E ele foi mais provocativo: “Eu penso que nem alguns padres suportam
a missa que eles mesmos rezam!” Risadas assomaram-se no horizonte nebuloso de
sua colocação. Haveria de ter alguma maneira para desfazer a angústia da situação
futura no céu. Foi ele mesmo quem o sugeriu: “Eu espero que, lá em cima, Deus
tenha, pelo menos, um vídeo game – disse fazendo o gesto digital de quem brinca
– a fim de que eu possa distrair-me durante a missa!”. É isso que dá querer
falar de céu para as crianças.
Não poderia deixar
passar o expediente de sua colocação sem fazer brotar dela a oportunidade para
mais uma reflexão, mais sobre o que vamos fazer na Igreja do que sobre o que
iremos fazer no céu. Quanto a esse último tema, vamos adiar para o dia eterno
de nosso encontro com Deus no céu, pois, na verdade, não possuímos parâmetros
de comparação tão categóricos quanto gostaríamos. Com efeito, o problema se
constitui mais grave e distante da argumentação quando tentamos imaginar um céu
à maneira de nossa pobre compreensão sobre as coisas da terra. Daí, termos a
liberdade para pensar que no céu Deus possa dispor-nos de algum vídeo game,
algum jogo interesseiro que possa encantar-nos quando tivermos cansados do
próprio Deus, como quando nos aborrecemos da missa chata.
Se alguém não sabe o
que vai fazer na Igreja, certamente, terá maiores dificuldades para entender o
que poderia fazer no céu. Claro que não se trata, apenas, de uma constatação à
toa, sem propósito, sem a consideração devidamente exigida pela seriedade da
discussão. Infelizmente, há pessoas que, definitivamente, nunca tiveram nem têm
a mínima ideia do que vão fazer na Igreja, começando pela sua disposição
exterior e interior. O templo é o lugar da celebração do mistério divino. É o
lugar de onde podemos estabelecer o encontro com o invisível. Ali, pode-se
falar com Deus e ouvir sua palavra. A sacralidade do ambiente não deveria
deixar dúvidas quanto a isso. Mas, diferentemente do modo como nos apresentamos
em outros lugares, às vezes, podemos confundir o espaço sagrado do culto com o
jardim do quintal de nossa casa, onde podemos ficar mais à vontade. E a gente
se apresenta de qualquer jeito, sem os trajes apropriados nem o comportamento
adequado à situação celebrativa do momento. Balbúrdia de todo tipo, como fazem
quando vão ao cinema. Outro dia li um texto em que o autor dizia que, se nas
Igrejas os santos não suportam mais tanto barulho, no cinema estava a mesma
coisa. Confusão de todo tipo, celulares ligados, vozerio sufocante e perturbador,
algazarra de adolescentes, desrespeito aos direitos do outro, piadas sem graça
na expectativa do início do filme e durante a transmissão da película. Na
Igreja, ainda há o problema das vestes, ou melhor, da indecência. Há,
inclusive, idosos metidos a jovens – com todo respeito pela sua “juventude
acumulada” – que se consideram no direito de colocar uma bermuda, um tênis e
uma camiseta para entrar na Igreja, como se estivessem indo a uma partida de
futebol ou ao lazer da praia. E ai do padre se ele disser alguma coisa. Coitado
dele! Será marcado para nunca mais ser visto no mesmo local, senão pela
coincidência do reencontro em outra igreja. Com bermudas e tênis não se entra
nem em museus ou lugares distintos do governo. Vá, por exemplo, à prefeitura ou
ao palácio do Governador falar com alguém! Duvido que entre, quanto mais!
Sem querer que ninguém
se ofenda na sua sensibilidade, cada um pegue a carapuça que lhe serve, se lhe
serve. Cada um é dono de sua própria consciência. Tudo isso para dizer de
atitudes comportamentais que não têm nada a ver com a reta intenção de quem
sabe o que vai fazer na Igreja, procurando agir conforme a dignidade do lugar.
Esse é um aspecto
interessante. Mas há outro ainda mais contundente e não menos trágico no eixo
das celebrações. Trata-se da chatice da missa por conta de alguns celebrantes
que não preparam a homilia e dizem o que lhe vem na teia do pensamento, quando
não fazem discursos inacabáveis, sem conteúdo, que não terminam nunca. Haja
paciência! Isso sem falar da falta de piedade com que celebram a eucaristia,
até inventando orações e comentários inoportunos à riqueza própria da
celebração eucarística, tão bem apresentada no Missal Romano. Do alheamento do
celebrante, de sua distração e da falta de convencimento da vivência de sua
própria fé, já contaram a estória do padre e do palhaço que eram irmãos.
Enquanto o circo estava cheio de pessoas curiosas, envolvidas na apresentação
das atrações, emocionadas com os eventos fortes, e também choravam tocadas pela
veracidade dos acontecimentos ali manifestados, a igreja estava sempre vazia,
com pessoas desmotivadas, chateadas com a demora das rezas, quase sem sentido.
Então, o irmão sacerdote resolveu comentar com o palhaço: “Por que será que as
pessoas parecem mais entusiasmadas com o seu circo do que com a Igreja?” E o
outro, com toda a simplicidade de seu coração, respondeu-lhe: “É que no circo
fazemos os dramas como se fossem verdade e na igreja a celebração é feita como
se fosse mentira!” Resumindo, o palhaço no circo parece ser mais convincente do
que o padre na igreja. Independentemente da veracidade da parábola, a vida
dos fiéis deveria ser mais interessada
quanto à riqueza da liturgia, pois ainda faltam muita consciência e formação relacionadas
ao que, realmente, sem nenhum condicionamento do nosso querer e de nossa
vontade, acontece na celebração da missa.
O céu não é o lugar dos
mortos, como, às vezes, pensamos erroneamente. A terra, sim, é o lugar dos
mortos. O céu é o “reino dos vivos”. Ora se durante a missa nós temos a
oportunidade de nos unir ao Cristo que se imola sobre o altar, numa oferenda
perfeita e eterna, podemos dizer que a experiência do céu é-nos antecipada na
louvação que, por Ele, com Ele e nele, elevamos ao Pai de toda a eternidade. E
por mais que nos esforcemos para atingir o alcance desse mistério, ainda
permaneceremos aquém da inexauribilidade de toda a sua grandeza e profundidade.
Como diria São Paulo: “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração
do homem não percebeu, tudo o que Deus preparou para os que o amam” (1Cor 2,9).
E ainda: “Penso, com efeito, que os sofrimentos do tempo presente não têm
proporção com a glória que deverá revelar-se em nós” (Rm 8,18). A chatice da
missa, talvez, refira-se à nossa pouca disposição para com as coisas de Deus.
Quem, por exemplo, gosta de entrar no cinema depois do início da sessão? Ou de chegar
ao teatro quando a peça já começou? Sejamos honestos com a verdade de nossa
consciência! Por desconhecermos a sublimidade do que ocorre no mistério da
liturgia da missa, julgamos que tanto faz se chegarmos mais cedo ou mais tarde,
a qualquer momento, e ainda nos dispensamos de ir embora antes da benção final.
Assim, adentramos e saímos distraídos do mistério que não nos invade pela
distância de nosso fastio teológico e doutrinal do conteúdo que poderia
satisfazer mais a saciedade de nossas buscas interiores, espirituais.
Ainda bem que nossas
comparações não atingem o grau de plenitude da realidade do céu, onde, com
certeza, estaremos absorvidos, concentrados, totalmente atraídos por Aquele que
é a Beleza Suprema por excelência, e para o qual não nos cansaremos, jamais, de
olhar pelo fascínio de sua própria grandeza e ofuscante eternidade: Deus por Si
mesmo e em Si mesmo.