Março
de 2005, Entre Roma e Jerusalém
Estou na
portaria do Pontifício Colégio Pio Brasileiro, e espero alguém que me vem
buscar. É uma quarta-feira, e são 16h30min. O coração bate forte. A ansiedade
sufoca a lentidão da espera, mas, o tempo passa rápido, e eis que aparece o
esperado professor de Teologia Bíblica da Pontifícia Universidade Gregoriana,
Pe. Mássimo Grilli, decano do departamento dessa disciplina, que nos conduzirá
ao Aeroporto. No carro, já estão dois colegas do Colégio Internacional “Maria
Mater Ecclesiae”. O sol brilha forte sobre o horizonte da “Cidade Eterna”. A
primavera se anuncia, embora com lampejos de verão. Roupas menos pesadas, ar
menos frio, alegria rebenta nos lábios de sorrisos festivos. Estamos indo a
Jerusalém. Vamos “subir” à Cidade Santa de Jerusalém que, profetizada,
lamentada, destruída, chorada, reconstruída, “cercada de montanhas”, vai ser
visitada por mais um grupo de estudantes de Teologia Bíblica da sobredita
Universidade e, entre eles, há um carirense. Pouco tempo depois de termos
deixado o Pio Brasileiro, encontramo-nos no Aeroporto Fiumicino, de Roma, onde
outros amigos nos aguardam. Finalmente, todos juntos, num total de 11 pessoas,
preparamo-nos para o controle de passagens e passa-portes e, de igual modo,
para o embarque. O vôo de número 0A 240, da Companhia Aérea Olimpic,
levar-nos-á a Atenas, sede dos Jogos Olímpicos de 2004, vista e contemplada
pelos olhos do mundo inteiro que se voltava para o brilho das competições e das
medalhas.
Pontualmente,
às 19h29min, o avião decola, chegando a Atenas às 21h04min. Nessa cidade,
tivemos um tempo de espera até o próximo vôo, que estava previsto para 1h15min,
horário local, pois, com a nossa chegada de Roma, avançamos o ponteiro do
relógio em uma hora. Passeando pelo Aeroporto, vimos letreiros em grego e
inglês, e a sensação é a de que o mundo inteiro parece igual. Os homens são os
mesmos em qualquer lugar. Contudo, a “babilônia” causada com a confusão das
línguas, provocou a dispersão dos humanos que se encontram sem se reconhecerem
e, assim, tentam se sobrepor uns aos outros. Ainda bem que a morte coloca todos
no mesmo pé de igualdade. A morte é o mais forte princípio de igualdade entre
todas as diferenças antropológico-culturais de todas as civilizações e em todos
os tempos. Todavia, nossa viagem não se detém nos reflexos arrancados da
situação do momento. Assim, tendo encontrado o nosso guia, Cesare Geroldi, um
sacerdote jesuíta, que vinha de Milão, devemos subir à Jerusalém, depois de
gritarmos: “Terra à vista!”
Atenas,
1h43min, o vôo 0A 301, da mesma Olimpic, leva-nos ao Aeroporto Davi Ben Gurion,
de Tel Aviv, onde aterrissa às 3h16min. Ao mesmo tempo que o avião vai
diminuindo a velocidade, cresce e aumenta a expectativa agradável e esperançosa
dos belos dias vividos no real sonho de Jerusalém, o que começa no alvorecer de
um novo dia.
Do momento da
chegada até sair do aeroporto, devo confessar que experimentei uma ligeira
frustração. Por causa de informações que me deram sobre o rigoroso controle dos
passageiros, viajei com o coração apreensivo e angustiado, quando, na
realidade, não aconteceu nada de grave. Apenas algumas brevíssimas perguntas, e
saí do aeroporto sem dificuldades. Mas não aconteceu o mesmo com um amigo
venezuelano. Tinha autorização para entrar no país e não havia nada registrado
nos computadores locais. Um problema! Depois de muita espera, quando todos já
estávamos do outro lado do controle de ingresso dos turistas, a situação foi
remediada.
Então, sim, algum
tempo depois, pudemos contemplar Jerusalém a olhos nus. Chegamos ao Pontifício
Instituto Bíblico, onde ficamos hospedados, às 5h30min, depois de viajarmos
mais ou menos 40 minutos do aeroporto. A noite se fez breve, e percebemos
despontar no céu de Jerusalém a luminosidade radiante de um novo amanhecer,
enquanto a mente, ritmada pelo coração, reza, serenamente, o “Benedictus
Dominus Deus Israel qui visitavit et fecit redemptionem plebi suae et erexit
cornu salutis nobis in domo David pueri sui” (Lc 1,68-79). É uma das mais belas
metáforas de Jesus, a Luz do Mundo, “o sol nascente que nos veio visitar para
iluminar a quantos jazem entre as trevas e na sombra da morte estão sentados, e
para dirigir os nossos, guiando-os no caminho da paz”. É o eco profundo destas
palavras que desperta e acorda nossos sentimentos para a experiência a ser vivida
na Terra de Jesus, “a começar por Jerusalém” (Lc 24,47). Já são 6h30min, o Sol
brilha esplendoroso sobre a Cidade Santa de Jerusalém. Porém, mereço um breve
repouso, pois, às 9h30min, teremos nosso primeiro encontro e, assim, não posso
repousar muito.
A luz do sol
imponente que brilha sobre Jerusalém é de um esplendor extraordinário e
misterioso! É como se o Sol não existisse, e a sua luminosidade tivesse outra
origem. São 9h30min, e o nosso guia, Cesare Geroldi, conduz-nos a um lugar
estratégico da cidade turística e, dali, vamos vislumbrar, tentando satisfazer
a curiosidade de alguma pergunta, a textura estranha das complexidades
históricas e culturais que acobertam a Jerusalém de hoje, mas cujo véu, tecido
de inextrincáveis fios de civilizações e culturas, vem estampado da coloração
de um passado que remota aos tempos de outrora.
Estamos sobre
a Torre de Davi, o museu histórico da Cidade Santa, que figura entre os sítios
arqueológicos e históricos mais importantes de Jerusalém, e simboliza a velha
cidade, antiga e adormecida nas noites perdidas de seu tempo. Seu passado
glorioso e intrigante encontra aqui a força expressiva de sua escalada
histórica, e parece despertar aos olhos do turista a “inibidora sensação” de
que a Jerusalém da fantasia, buscada e sonhada pelo desejo de conhecê-la é mais
atraente e fascinante do que aquela contemplada, agora, com os olhos embaçados
de tanta confusão. Todavia, querer compreender a complexidade insolvente de
suas conjunturas e vicissitudes atuais seria mais do que uma inatingível
presunção, já iniciada com a derrota. Não posso esquecer a frase curiosa e
provocante que li numa revista missionária francesa, “Peuples du Monde”, sobre Jerusalém: “Quando se passa um dia em
Jerusalém, escreve-se um livro; um mês, um artigo; um ano, não se pode escrever
mais nada, de tão grande que é a confusão”.
É, pois, isso
o que os nossos olhos, quase angustiados, veem aqui. A Cidade está dividida em
4 bairros: o Bairro Cristão, o Armênio, o Judeu e o Mulçumano. Para chegar à
compreensão do que influenciou e determinou essa divisão, seria necessário
descer os degraus da história para, depois, grimpá-los através dos vários
mosaicos da exposição cronológica dos fatos que provocaram a constituição da
Jerusalém hodierna. Na verdade, uma tarefa para muitas páginas de leitura da
história, lida e relida, do complexo universo cultural que acolheu, entre nós,
a chegada do próprio Filho de Deus.