O Papa Francisco tinha razão!
O
Papa Francisco tinha razão quando disse que, durante seus dias no Brasil,
falaria, não somente para os jovens aqui presentes do mundo inteiro, mas,
também, haveria de fazer discursos importantes “às suas famílias, às suas
comunidades eclesiais e nacionais de origem, às sociedades nas quais estão
inseridos, aos homens e às mulheres dos quais, em grande medida, depende o
futuro destas novas gerações”. De fato, ele cumpriu o seu programa franciscano
à risca, com a ousadia e a veemência próprias de um latino americano. Ninguém
ficou de fora! Nem mesmo os filhos da Igreja, especialmente, os ministros de
todos os escalões da hierarquia eclesiástica, que não conseguem unir “palavra e
ação” no mesmo pedestal do testemunho, que arrasta e atrai mais do que a dialética
bonita e comovente de discursos que se dispersam na fumaceira da incoerência.
Tanto quanto possível, farei ao meu leitor breve balanço de algumas expressões
fortes de suas alocuções.
No
Santuário de Aparecida, ele pediu a Maria “para que ajude a todos nós, os Pastores do Povo de
Deus, aos pais e aos educadores, a transmitir aos nossos jovens os valores que
farão deles construtores de um País e de um mundo mais justo, solidário e
fraterno”; falou a todos que vivem a fé, especialmente, aos pais e mães de família,
em meio às dificuldades: “Nunca percamos a esperança! Nunca deixemos que ela se
apague nos nossos corações! O “dragão”, o mal, faz-se presente na nossa
história, mas ele não é o mais forte. Deus é o mais forte, e Deus é a nossa
esperança! É verdade que hoje, mais ou menos todas as pessoas, e também os
nossos jovens, experimentam o fascínio de tantos ídolos que se colocam no lugar
de Deus e parecem dar esperança: o dinheiro, o poder, o sucesso, o prazer.
Frequentemente, uma sensação de solidão e de vazio entra no coração de muitos e
conduz à busca de compensações, destes ídolos passageiros”; referindo-se aos
jovens, o Papa afirmou que eles “não precisam só de coisas, precisam sobretudo
que lhes sejam propostos aqueles valores imateriais que são o coração
espiritual de um povo, a memória de um povo”.
Na
visita ao Hospital São Francisco de Assis, colocando em cena o Evangelho do Bom
Samaritano (Lc 10,25-37), sua palavra foi de encorajamento aos que lutam junto
de quem sofre as amarras da dependência química, no contexto do Brasil e do
mundo: “Há tantas
situações no Brasil e no mundo que reclamam atenção, cuidado, amor, como a luta
contra a dependência química. Frequentemente, porém, nas nossas sociedades, o
que prevalece é o egoísmo. São tantos os ‘mercadores de morte’ que seguem a
lógica do poder e do dinheiro a todo o custo! A chaga do tráfico de drogas, que
favorece a violência e que semeia a dor e a morte, exige da inteira sociedade
um ato de coragem. Não é deixando livre o uso das drogas, como se discute em
várias partes da América Latina, que se conseguirá reduzir a difusão e a
influência da dependência química. É necessário enfrentar os problemas que
estão na raiz do uso das drogas, promovendo uma maior justiça, educando os
jovens para os valores que constroem a vida comum, acompanhando quem está em
dificuldade e dando esperança no futuro”. Diante da indiferença com que, não
raras vezes, distanciamos o olhar dos irmãos sofredores, o Santo Padre afirmou:
“Penso que aqui, neste Hospital, se concretiza a parábola do Bom Samaritano.
Aqui não há indiferença, mas solicitude. Não há desinteresse, mas amor. A
Associação São Francisco e a Rede de Tratamento da Dependência Química ensinam
a se debruçar sobre quem passa por dificuldades porque veem nestas pessoas a
face de Cristo, porque nelas está a carne de Cristo que sofre”.
Na
comunidade de Varginha, no Rio de Janeiro, na simplicidade de seus gestos e
palavras, querendo, se possível, inclusive, pedir a todos um “copo d’água” ou
mesmo “um cafezinho”, o Papa Francisco falou de acolhimento e solidariedade: “E é importante saber acolher; é
algo mais bonito que qualquer enfeite ou decoração”; “Queria lançar um apelo a
todos os que possuem mais recursos, às autoridades públicas e a todas as
pessoas de boa vontade comprometidas com a justiça social: Não se cansem de
trabalhar por um mundo mais justo e mais solidário! Ninguém pode permanecer
insensível às desigualdades que ainda existem no mundo! Cada um, na medida das
próprias possibilidades e responsabilidades, saiba dar a sua contribuição para
acabar com tantas injustiças sociais!”; “Não existe verdadeira promoção do
bem-comum, nem verdadeiro desenvolvimento do homem, quando se ignoram os
pilares fundamentais que sustentam uma nação, os seus bens imateriais: a vida,
que é dom de Deus, um valor que deve ser sempre tutelado e promovido; a família,
fundamento da convivência e remédio contra a desagregação social; a educação
integral, que não se reduz a uma simples transmissão de informações com
o fim de gerar lucro; a saúde, que deve buscar o bem-estar integral da
pessoa, incluindo a dimensão espiritual, que é essencial para o equilíbrio
humano e uma convivência saudável; a segurança, na convicção de que a
violência só pode ser vencida a partir da mudança do coração humano”. Também se
referiu à corrupção que desanima os jovens diante da credibilidade dos
políticos: “Vocês, queridos jovens, possuem uma sensibilidade especial frente
às injustiças, mas muitas vezes se desiludem com notícias que falam de
corrupção, com pessoas que, em vez de buscar o bem comum, procuram o seu
próprio benefício”.
Aos
jovens argentinos, o Sumo Pontífice externou o desejo de como gostaria que
fosse uma das consequências da JMJ: “Desejo dizer-lhes qual é a consequência que eu
espero da Jornada da Juventude: espero que façam barulho. Aqui farão barulho,
sem dúvida. Aqui, no Rio, farão barulho, farão certamente. Mas eu quero que se
façam ouvir também nas dioceses, quero que saiam, quero que a Igreja saia pelas
estradas, quero que nos defendamos de tudo o que é mundanismo, imobilismo, nos
defendamos do que é comodidade, do que é clericalismo, de tudo aquilo que é
viver fechados em nós mesmos. As paróquias, as escolas, as instituições são
feitas para sair; se não o fizerem, tornam-se uma ONG e a Igreja não pode ser
uma ONG”. Falou também da “cultura da eutanásia”, que despreza os velhos,
reduzindo-os ao silêncio e à inoperosidade, e da exclusão dos jovens que não
têm trabalho nem emprego, destacando “uma geração que não tem experiência da
dignidade ganha com o trabalho. Assim, esta civilização nos levou a excluir os
dois vértices [a juventude como esperança do porvir e a velhice como fonte de
experiência e sabedoria] que são o nosso futuro”.
Ainda, o
Santo Padre abordou muitos outros temas, tais como, a importância da família, a
capacidade de diálogo entre as substanciais correntes da constituição cultural,
moral, religiosa, técnica e artística de um povo, o reforço da formação
democrática, que favoreça e contemple o ser humano na dimensão integral do caráter
de sua existência, permitindo-lhe, inclusive, manifestar suas expressões
religiosas mediante a própria liberdade tutelada pelo estado dito laico; o Papa
também insistiu na necessidade de “reabilitar a política”, no sentido de que
ela “é uma das formas mais altas da caridade. O futuro exige também uma visão
humanista da economia e uma política que realize cada vez mais e melhor a
participação das pessoas, evitando elitismos e erradicando a pobreza”. Agora,
depois de sua passagem pelo Brasil, esperamos que seus discursos não permaneçam
lacrados e engavetados na preguiça da leitura, a fim de que sejam levadas à
concretude tantas bonitas propostas de civilização e da possibilidade de
estabelecimento da “cultura do encontro” onde todos somos iguais e lutamos
pelos mesmos direitos patrocinados pela dinâmica social da convivência humana
fraterna.
Uma semana historicamente...
Diferente!
Com
a presença do Papa Francisco no Brasil, a nação brasileira
viveu uma semana intensa e historicamente... Diferente. Desde sua chegada até
sua despedida, o Santo Padre mostrou a que veio, por meio de suas palavras,
mas, sobretudo, pelos gestos simples e despretensiosos de proximidade com o
povo de Deus e os jovens. Beijou muitas crianças, tomou chimarrão, tocou
tambor, cumprimentou muitos idosos, distribuiu beijos aos transeuntes de
Copacabana, abençoou cadeirantes, trocou solideis papais com as pessoas na rua,
desceu inúmeras vezes do papa móvel, quebrou protocolo, visitou uma família,
confessou alguns jovens... E, na despedida do Sumaré, já de dentro do
helicóptero, desenhou o coração no ar como se dissesse “Brasileiros, eu amo
vocês!”
Um
papa que mostrou ao mundo “como é elegante ser simples”, como dissera Renata
Vasconcelos, jornalista da TV Globo. Promovendo a “cultura do encontro”, conclamou
todos à disposição enérgica de colocar-se a serviço dos irmãos, cada um
conforme suas possibilidades. Encontrou-se com o maior número permitido de
pessoas, superando as barreiras do distanciamento, e dizendo: “Eu estou aqui,
posso entrar?”! Ele pediu licença e a permissão para bater, “delicadamente”, à
porta do coração de todos. Quem recusaria a presença do Papa peregrino no meio nós,
não se abrindo à largueza de seu sorriso sincero, franco, desejoso do encontro
olho no olho? Ele falou para todos: sacerdotes, bispos, seminaristas,
religiosos, freiras, irmãos leigos, autoridades políticas, jornalistas,
crianças, jovens, anciãos, pobres, ricos, doentes, pessoas fisicamente limitas,
e, enfim, deixou seu recado para todos os homens de boa vontade que estiverem
dispostos a ajudá-lo na superação de tantos males culturais que tornam a
sociedade doentia e sem o alento necessário à urgência da reestruturação de
seus pontos nevrálgicos, vulneráveis.
Ele
foi embora com saudade e deixando saudade, mas levou consigo a convicção de que
a experiência valeu a pena. Ele que reconheceu com muita simplicidade retornar a
casa sentindo mais a suavidade da alegria do que o peso do cansaço. De fato,
foram dias desafiadores e fatigantes. Por meio da figura do Papa Francisco e de
tudo o que ele disse e fez, com normal naturalidade, mas também das pessoas que
ele conseguiu reunir em torno de si, vimos uma Igreja viva, ressuscitada em
Cristo. Ao contrário do que alguns pensam, tentando atribuir à Igreja do Senhor
vicissitudes temporais aos modismos das épocas, ela não vive de invernos nem de
primaveras, mas da perenidade da juventude eterna de seu fundador, Cristo
Ressuscitado. Ele é a seiva viva que alimenta a árvore frondosa de nossa
esperança, desafiando os tempos e as vontades humanas, para romper o véu dos séculos
e conduzir-nos à plenitude da Igreja triunfante no Céu, onde Cristo, Cordeiro
Imaculado, Morto e Ressuscitado, já está à nossa espera.