O Risco das Amizades
Quem
não estiver disposto a correr o risco das amizades, esqueça a possibilidade de
poder encontrar um verdadeiro amigo. Por ocasião do dia 20 de julho, consagrado
como o Dia Internacional da Amizade,
gostaria de refletir com meu querido leitor sobre os riscos que corremos para
conseguir o amigo que seja o autêntico reflexo do que gostaríamos de perceber
na simpatia do outro. Muitas vezes, o complexo mundo relacional afetivo esbarra
nas incongruências das frustrações que podem, não apenas fazer-nos rever os
critérios quanto aos amigos que escolhemos, mas, também, levar-nos a
redimensionar todos os circuitos que envolvem a amizade com as pessoas.
Infelizmente,
temos de concordar com o fato de que os amigos – ou as pessoas – mudam de
comportamento segundo seus interesses pessoais e egoístas. Desse modo, quando o
ambiente relacional mina e deteriora o campo de suas intenções escusas e
suspeitas, é melhor afastar-se, não considerando mais digna nem valiosa a
presença do outro. Consequentemente, no intento de realizar a triagem
necessária à limpidez da amizade, poderíamos fazer a “terapia do lixão”, um
termo que criei e adotei em minha vida, a partir do verão europeu de 2003, quando
completei 33 anos de idade. Eu estava na Alemanha, precisamente, em Bonn, a
terra de Ludwig van Beethoven.
Foi ao longo do Rio Reno, ao lado de um amigo brasileiro, que comemorei aquele
aniversário, comendo um doce árabe, por sinal, horrível, muito açucarado.
Quando estamos longe de casa, a saudade faz com que tragamos à mente a
lembrança dos amigos que estão distantes, sobretudo, da família que nos cerca
de carinho e atenção, pois, como já afirmaram, “a lembrança é uma forma de
encontro”. Quantos encontros desse tipo não acontecem todos os dias dentro de
nós, de modo especial, nas circunstâncias em que o afeto ferido por alguém ou
de alguém atinge os portões da alma e precipita a pessoa na melancolia da
solidão? E como é triste constatar que as pessoas não nos amam como pensávamos
que nos amavam! Pessoas que nos suportam com cinismo e falsidade ou, pior, com
mentiras e deboches. São os riscos das amizades.
Também
há pessoas que não nos fazem bem, pessoas cuja companhia nos deixa pior do que
já somos. Ninguém merece isso! Às vezes, são pessoas azedas e não resolvidas,
afetiva e emocionalmente, que despejam diante de nós as amarguras de suas
frustrações. São pessoas insatisfeitas com elas mesmas, talvez, por não terem
encontrado nenhum ponto de equilíbrio entre seus ideais e suas realizações.
Pessoas que nos “puxam para baixo”, como dizem em psicologia. Numa palavra,
pessoas que devem ser evitadas, se possível, a fim de que possamos conservar,
de maneira mais prolongada, a eutimia, a autoestima e o amor próprio. Nesse
sentido, é muito válido o balanço honesto e sincero que temos de fazer diante
de pessoas mesquinhas e não verdadeiramente comprometidas com o nosso bem estar
interior. É aí que entra o que chamei de “terapia do lixão”. Todo mundo sabe
para que serve o “lixão”. Por exemplo, na Jerusalém da época de Cristo havia um
vale chamado Geena, onde era queimado o lixo da cidade Santa. No Antigo
Testamento, tratava-se de um termo geográfico que dividia a cidade das colinas
do Sul e do Oeste. Depois, metaforicamente, ela se tornou símbolo do próprio
“inferno” onde devem ser punidos os inimigos de Deus e de sua religião. Segundo
a afirmação de um dicionário bíblico, “o vale tinha reputação má nos últimos
tempos do AT, porque era a região do Tofet [do hebraico “crematório” ou “um
lugar de sepultura”], um santuário cúltico onde eram oferecidos sacrifícios
humanos (2Rs 23,10; 2Cr 28,3; 33,6; Jr 7,31; 19,2ss; 32,35). Às vezes, é
denominado simplesmente o ‘vale’ (Jr 2,23). Por causa desse culto, Jeremias
amaldiçoou o local e previu que seria um lugar de morte e corrupção (7,32;
19,6ss). O vale consta, não pelo nome, em Is 66,24, como um local onde os
corpos dos rebeldes contra o Senhor deverão jazer. [...] No NT, a Geena é
mencionada até sete vezes em Mt, três vezes em Mc, uma vez em Lc e uma vez em
Tg. É um lugar de fogo (Mt 5,22; 18,9; Tg 3,6). O fogo é inextinguível (Mc
9,43). É um abismo no qual as pessoas são lançadas (Mt 5,29; Mc 9,45.47; Lc
12,5)”. Embora as imagens pareçam fortes, elas corroboram, de maneira
fantástica, a ideia que fiz da intuição do “lixão”. Por isso que a referida
“terapia” pode causar-nos tristeza, e dor, e sofrimento mesmo, sobretudo, pela
coragem que devemos ter para desvencilhar-nos das amizades que não nos
acrescentam nada mais positivo ao que já somos, podendo, inclusive, estragar os
sentimentos de bondade que possuímos.
Inicialmente,
o processo é tão doloroso quanto termos de reconhecer que “amor que vai e não
vem, não gera luz”, como sói afirmar uma amiga. Mas garanto que, depois de
algum tempo, isso vai fazer-lhe muito bem. É quando, de repente, descobrimos
que há pessoas que se comportam como se nunca fossem precisar de nosso auxílio.
Pensam somente nelas mesmas, são egoístas, e descartam qualquer possibilidade
de estender a mão ao outro, especialmente, na hora das dificuldades. É a
própria Bíblia que o assevera: “Em todo o tempo ama
o amigo e para a hora da angústia nasce o irmão” (Pr 17,17); e ainda: “O homem
de muitos amigos deve mostrar-se amigável, mas há um amigo mais chegado do que
um irmão” (Pr 18,24). No entanto, nem sempre é isso o que acontece na dinâmica
relacional da convivência entre os amigos ou supostos amigos. Portanto, caro
amigo leitor, amanhã, dia 20 de julho, fique alerta e tente descobrir ou
redescobrir os verdadeiros amigos que sejam dignos de sua amizade e atenção.
Separando o trigo do joio, com clareza de sentimentos e apreciação lúcida e
serena de suas amizades, com certeza, você encontrará o caminho certo da
“terapia do lixão” ou, quem sabe (?), do processo inverso, juntando os amigos
no caldeirão afetuoso da simpatia recíproca. Pensando assim, nada mais eu
poderia augurar-lhe senão um “Feliz dia internacional da Amizade!”