Caríssimo (a),
Não sei para que
hora foi marcado o fim do mundo, mas, antes de que ele aconteça, gostaria de dirigir-lhes
algumas palavras de pedido de desculpas, senão, de perdão mesmo. Nem sei se o
mundo vai acabar mesmo, como predisseram, no dia 21 de dezembro de 2012! Será
que Deus está sabendo do fim do mundo? Alguém se lembrou de avisar-lhe, pelo
menos? O que será que ele diria dessa loucura imaginativa? Mas, e se for
verdade? Se for verdade, o fato é que eu não gostaria de desaparecer do
maravilhoso Planeta Terra, levando
comigo a inimizade de ninguém. Fim de mundo é como final de ano, isto é, um
momento para refazer o balanço de todas as vicissitudes acontecidas na estampa
da existência breve e fugidia sobre o encantador “planeta azul”.
As circunstâncias
da vida nos levaram por caminhos diferentes, sendas imprevisíveis da
arbitrariedade do destino não programado, ou melhor, programado na
inconsciência de si mesmo, fizeram com que fôssemos aportar em lugares
diferentes, mas não muito distantes. A terra é pequena. Quem ousaria intuir e
dizer que, da simpatia da proximidade, chegaríamos à estranheza da distância
afetiva dos percalços da sensibilidade? Se como numa convivência todo mundo
tenta se dar as mãos, esquecendo as situações negativas do passado, por que não
abrir o coração e os sentimentos à novidade do pós-fim do mundo, no além, quem
sabe, se eu não sei? Vá que lá, do outro lado, a gente continue se encontrando?
Então, como seria olhar nos olhos do outro com o ar suspeito de desconfiança e vilipêndio?
Como seria chorar a possibilidade do reatamento da amizade tardia que não
acontecera no tempo oportuno? Certamente, não vai ter graça nenhuma a gente se
cruzar do lado de lá com o verniz brilhante do cinismo vivido cá! Então, vamos
rever a maneira mais edificante e menos traumática da reaproximação.
Se as feridas
foram abertas, ainda há tempo para cicatrização; se o gesto atropelado pela
imprudência foi ofensivo, a ponto de feri-lo na suscetibilidade de sua
percepção, ainda há tempo para o perdão; se as palavras indevidas foram causa
de tristeza e dor, sobretudo, pela indiferença com que foram disparadas, ainda
há tempo para a regeneração; se a agressão física atingiu o corpo e perfurou a
alma, ainda há tempo para o óleo e o bálsamo da cura; se o olhar ferino também
perturbou a sacralidade do espírito, ainda há tempo para a serenidade; se a
tristeza manchou de nódoa o seu existir, ainda há tempo para a alegria; se as
lágrimas lavaram o semblante do desabafo contido na discrição da timidez, ainda
há tempo para a partilha; se o brilho astral de sua áurea parou de acender,
ainda há tempo para a esperança de que ela volte a brilhar com a mesma
intensidade de antes; se a mágoa e a ofensa fecharam seu coração ao abraço
acolhedor do irmão, ainda há tempo para a reconciliação.
Quantas outras coisas
ainda poderíamos fazer até o fim do mundo? Todavia, se o mundo não acabar
surpresa mesmo vai ser ver os pobres mortais – que simplesmente adiaram o seu
próprio fim do mundo – flanando por aqui, a ermo, sem direção certa nem porto
seguro de abordagem no cais da vida, tropeçando na cifra de mais de sete
bilhões de seres humanos no minúsculo e perdido planeta terra, que se debate,
incerto, pelos vaticínios incongruentes das péssimas previsões de seus moradores.
Diante de todos os prognósticos humanos quanto à fatalidade do fim do mundo, do
fim de tudo e do fim de todos, bom mesmo seria se, pelo menos, os sinais
catastróficos e as calamidades ambientais da terra servissem para que os homens
fossem mais humildes, menos pretensiosos e menos arrogantes. Bom seria que o
anúncio da paz habitasse os corações antes de estender-se pelas nações e pelos continentes,
restaurando a beleza fraterna da convivência universalmente pacífica; bom seria
que os ricos ajudassem mais aos pobres; que o ódio desferido contra o irmão ao
lado fosse vencido pelas armas do amor e da mansidão.
Bom seria que
você e eu, caro leitor, tentássemos diminuir a violência brutal e irascível de
nossa personalidade agitada pelas imprevisíveis situações do caráter
introspectivo das emoções; bom seria que não houvesse mais fome para as
crianças nem para suas mães, maltratadas pela desfortuna da miséria cotidiana; para
ninguém que vive no mundo opulento e egoísta que vê o outro como rival de sua
riqueza e ganância; bom seria que os invejosos dessem uma trégua à maledicência
infame de suas pretensões difamatórias; bom seria que, ao menos por um
instante, o barulho ensurdecedor do mundo fosse substituído pelo silêncio
gritante dos que não possuem voz nem vez; bom seria que as dores e as angústias
humanas fossem lenidas, misteriosamente, pelo dom da compaixão alheia; bom
seria que as doenças incuráveis encontrassem remédio; que o homem não morresse
mais atirado pelo seu irmão na sarjeta do submundo da dignidade humana; bom
seria que o “paraíso perdido” fosse redescoberto aqui no chão nosso de cada
dia, onde ninguém mais se sentiria estranho ao seu próprio habitat civilizatório; bom seria que a corrupção – até mesmo aquela
pequena que comentemos no silêncio cúmplice de nossa intimidade – desse lugar à
honestidade; a mentira, à verdade; a ofensa, ao pedido de perdão.
Bom seria que o
fim do mundo não acontecido fosse o recomeço de um novo modo de os homens se
entreolharem, estendendo as mãos da solidariedade, abrindo o sorriso da
fraternidade, cantando a beleza da existência no pódio da igualdade, pois
ninguém é melhor do que ninguém na vulnerabilidade tangível do toque mortal da
carne podre que nos abraça. Nesse anseio e desejo de novas esperanças para o
ameaçado planeta terra e seus habitantes, bom seria que o não fim do mundo fosse
a concretude de canhões de guerra atirando flores aos quatro cantos do
universo, anunciando todo tipo de anistia, todo tipo de perdão, a fim de que o
abraço acolhedor de todos acontecesse indistintamente, sem adiamento. Assim, o
amplexo universal poderia ser, de fato, a revolução humanitária de que todos
precisamos antes do verdadeiro fim.
Aracaju, 18 de dezembro
de 2012!
Pe. Gilvan Rodrigues dos Santos - Escritor