Verdades sem pudor nem
constrangimento
O
tão simples quanto chocante gesto de renúncia do Papa Bento XVI suscitou muitas
e belas reflexões. E, que bom, no mesmo Jornal em que podemos encontrar
palavras de zombaria e desprezo pelo Santo Padre renunciante – como se com a
sua abdicação o próximo papa fosse defender e aprovar todos os desejos e taras
animalescas de comportamentos aberrantes, como gostaria um setor da sociedade
contemporânea – podermos expor percepções diferentes do mesmo fato, no requinte
democrático e de liberdade de expressão em que vivemos. Trata-se do testemunho
de um jovem que, com palavras ditas sem pudor nem constrangimento, mostra-nos o
alcance de sua compreensão sobre a atitude ímpar de um velho de 85 anos. O
texto a seguir foi encontrado no site Catecismo Jovem – Youcat, de 15 de
fevereiro.
“Tenho 23 anos e ainda não entendo muitas coisas. E há muitas
coisas que não se podem entender às 8 horas da manhã quando te acordam para
dizer em poucas palavras: ‘Daniel, o papa renunciou’. Eu apressadamente
contestei: ‘Renunciou? ’ A resposta era mais que óbvia: ‘Renunciou, Daniel, o
papa renunciou’. O papa renunciou. Assim amanheceu escrito em todos os
jornais, assim amanheceu o dia para a maioria, assim rapidamente alguns tantos
perderam a fé e outros muitos a reforçaram. Poucas pessoas entendem o que é
renunciar. Eu sou católico. Um de muitos. Desses que durante sua
infância foi levado à missa, cresceu e criou apatia. Em algum ponto ao longo da
estrada deixei pra lá toda a minha crença e a minha fé na Igreja, mas a Igreja
não depende de mim para seguir, nem de ninguém (nem do Papa). Em algum ponto da
minha vida, voltei a cuidar da minha parte espiritual e, assim, de repente e
simplesmente, prossegui um caminho no qual hoje eu digo: Sou católico. Um de
muitos sim, mas católico por fim. Mas assim sendo um doutor em teologia, ou um
analfabeto em escrituras (desses que há milhões), o que todo mundo sabe é que o
Papa é o Papa. Odiado, amado, objeto de provocações e orações, o Papa é o Papa,
e o Papa morre sendo Papa. Por isso, hoje, quando acordei com a notícia, eu,
junto a milhões de seres humanos, nos perguntamos: ‘Por quê? Por que renuncia,
senhor Ratzinger? Sentiu medo? Sentiu a idade? Perdeu a fé? A ganhou?’ E, hoje,
12 horas depois, creio que encontrei a resposta: O senhor Ratzinger renunciou
toda a sua vida. Simples assim.
O papa renunciou a uma vida normal. Renunciou ter uma esposa.
Renunciou ter filhos. Renunciou ganhar um salário. Renunciou a mediocridade.
Renunciou as horas de sono pelas horas de estudo. Renunciou ser só mais um
padre, mas também renunciou ser um padre especial. Renunciou preencher a sua
cabeça de Mozart, para preenchê-la de teologia. Renunciou a chorar nos braços
de seus pais. Renunciou a, tendo 85 anos, estar aposentado, desfrutando de seus
netos na comodidade de sua casa e no calor de uma lareira. Renunciou desfrutar
de seu país. Renunciou seus dias de folga. Renunciou sua vaidade. Renunciou a
defender-se contra os que o atacavam. Sim, isso me deixa claro que o Papa foi,
em toda sua vida, muito apegado à renuncia.
E, hoje, voltou a demonstrar. Um papa que renuncia a seu
pontificado quando sabe que a Igreja não está em suas mãos, mas nas mãos de
alguém maior, parece ser um Papa sábio. Nada é maior que a Igreja. Nem o Papa,
nem seus sacerdotes, nem os laicos, nem os casos de pedofilia, nem os casos de
misericórdia. Nada é maior que ela. Mas ser Papa nesse tempo do mundo, é um ato
de heroísmo (desses heroísmos que acontecem diariamente em nosso país e ninguém
nota). Recordo sem dúvida, as histórias do primeiro Papa. Um tal... Pedro. Como
morreu? Sim, em uma cruz, crucificado igual ao seu mestre, mas de cabeça para
baixo. Hoje em dia, Ratzinger se despede de modo igual. Crucificado pelos meios
de comunicação, crucificado pela opinião pública e crucificado pelos seus
irmãos católicos. Crucificado pela sombra de alguém mais carismático.
Crucificado na humildade que tanto dói entender. É um mártir contemporâneo,
desses a que se podem inventar histórias, desses a que se pode caluniar e
acusar à vontade, que não respondem. E quando responde, a única coisa que faz é
pedir perdão. ‘Peço perdão pelos meus defeitos’. Nem mais, nem menos. Quanta
nobreza, que classe de ser humano. Eu poderia ser mórmon, ateu, homossexual e
abortista, mas ver uma pessoa da qual se dizem tantas coisas, que recebe tantas
críticas e ainda responde assim... Esse tipo de pessoa, já não se vê tanto no
mundo.
Vivo em um mundo onde é engraçado zombar do Papa, mas que é
um pecado mortal zombar de um homossexual (e ser taxado como um intolerante,
fascista, direitista e nazista). Vivo em um mundo onde a hipocrisia alimenta as
almas de todos nós. Onde podemos julgar um senhor de 85 anos que quer o melhor
para a Instituição que representa, mas lhe indagamos com um: ‘Com que direito renuncia?’.
Claro, porque no mundo NINGUÉM renuncia a nada. Ninguém se sente cansado ao ir
pra escola. Ninguém se sente cansado ao ir trabalhar. Vivo um mundo onde todos
os senhores de 85 anos estão ativos e trabalhando (sem ganhar dinheiro) e
ajudam às massas. Sim, claro.
Mas, agora, sei, senhor Ratzinger, que vivo em um mundo que
vai sentir falta do senhor. Em um mundo que não leu seus livros, nem suas
encíclicas, mas que em 50 anos se lembrará de como, com um simples gesto de
humildade, um homem foi Papa, e quando viu que havia algo melhor no horizonte,
decidiu partir por amor à sua Igreja. Vá morrer tranquilo, senhor Ratzinger.
Sem homenagens pomposas, sem um corpo exibido em São Pedro, sem milhares
aclamando aguardando que a luz de seu quarto seja apagada. Vá morrer como viveu
mesmo, sendo Papa: humildemente. Bento XVI, muito obrigado, por renunciar”.
Penso
que a visão desse jovem pode fazer calar o mundo de hipocrisia e egoísmo de
algumas pessoas que só se sentem de bem com a vida quando encontram alguém em
quem jogar o azedume de suas raivas e a rejeição de suas próprias frustrações. Pessoas
que se julgam melhores que o Papa e, portanto, no direito de desferir-lhe as
mais injustificadas e desqualificadas acusações de todo tipo. De fato,
pouquíssimos sãos os homens que suportam tudo isso no silêncio interior do
sacrário de sua consciência, porque sabem que a verborreia chata de discursos
em autodefesa é contrária ao próprio testemunho de Cristo que, qual cordeiro
conduzido ao matadouro, não ousou, se quer, abrir a boca diante de seus
tosquiadores. Com efeito, em silêncio vivem e morrem os grandes amigos de Deus,
depositando somente nele a responsabilidade de qualquer juízo sobre as
consequências de suas ações.