Ausência ou
Presença de Deus?
Refletindo sobre ausência ou presença de
Deus no mundo contemporâneo, não podemos deixar de considerar o grande e
inaudito Tesouro que nós católicos temos que é Cristo Eucarístico. Sempre
silencioso e discreto, Ele se encontra à nossa disposição no Tabernáculo de
muitas Igrejas, ou em exposição nos oratórios para os transeuntes que O
procuram. Ele é o Deus visível aos nossos olhos.
Numa cidade como Paris, diferentemente
de Londres onde os católicos da Inglaterra são um pouco mais de vinte por cento
(?), respiramos o verdadeiro Catolicismo, o tradicional de Roma, com missas bem
cantadas, e o incenso subindo como expressão dos louvores e das preces que
sobem da assembleia reunida em nome de Cristo por quem Deus Pai realiza o
milagre da Eucaristia. Como diria o Cardeal Yves Congar (1904-1995), essa é a
Igreja que eu amo. As igrejas sempre estão abertas. E, no geral, também há um
padre para atender os fiéis. Há também lugares de adoração ao Santíssimo como
acontece na Rue Gay Lussac, número
39, até as vinte e horas. Ou seja, mesmo nas selvas de pedras hodiernas, não
obstante a largura histórica das grandes cidades como Paris, quem procura Deus O
encontra. Talvez, o problema esteja no fato de que nós vivemos buscando as
migalhas de Deus, aqui e ali, pelos espaços vazios da interioridade invadida
por todas as sedes de plenitude que atravessam o nosso espírito, quando, na
verdade, Ele está lá, todo inteiro, a Vida por excelência, a nos esperar,
enquanto nós nem sequer temos coragem de olhar diretamente nos seus olhos.
Parece que fugimos dele por que não conseguimos perceber, de modo
suficientemente bem, o alcance da grandeza infinita de seu amor incondicional
por todos nós, sem exceção. Todavia, apenas quando o homem voltar-se totalmente
para o seu Senhor, é que ele, então, reencontrará o brilho de sua face luminosa
refletida do próprio rosto de Deus. Até lá, Deus continuará esperando-o,
amorosamente. Ele está sempre presente, mas a nossa sensibilidade não consegue
demonstrar-se ao alcance de Deus. É ela que precisa ser trabalhada pela ascese
espiritual do coração que procura Deus. Um autor moderno escreveu um livro
muito interessante sobre a “liberdade interior” no qual ele afirma que o
caminho que nos conduz aos bens – ou ao Bem, por excelência – sobretudo,
àqueles aos quais estamos ligados porque são nossos – e que nós podemos amar
porque é o único que nos faz crescer como expressão do que há de mais elevado
em nós, é um caminho difícil. No entanto, os obstáculos que nós encontramos somos
nós mesmos que não cessamos de colocá-los na estrada. Desse modo, haveria algo
de terrificante quanto ao que o caminho do Bem (desejado) seria tão sinuoso
quanto pleno de dificuldades. Isso significaria dizer que o Bem seria alcançado
somente pelas almas da elite, pelos atletas supertreinados das virtudes, pelos
espíritos mais puros e ardentes. Os outros teriam de viver somente para os bens
particulares que não poderiam possuir senão sendo possuídos por eles. Lá onde
está o seu tesouro, ali estará também o seu coração. (Yann-Hervé Martin). Jesus falou sobre
isso. Felizmente – continua o autor – basta consultarmos a profundezas do nosso
espírito para saber que, às vezes, nós desejamos o que há de mais elevado e que
o objeto de nosso desejo está bem perto do coração. O caminho que nos aproxima
dele se torna longe simplesmente em razão dos inumeráveis desvios que não
cessam de nos distanciar dele. Mas, na realidade, esse bem está tão próximo, mais
íntimo a mim do que eu de mim mesmo (certamente, uma referência ao pensamento
de Santo Agostinho que afirmou que Deus é mais próximo – intimior: mais íntimo – de mim do que eu mesmo). Ele está próximo
de mim, e eu, distante dele. E o autor recorda a citação de Santo Agostinho nas
suas Confissões: “Vós estáveis dentro de mim; e eu estava fora de mim!” (Cap.
X, xxviii).
Nesse contexto da busca pelo Bem supremo
à altura do homem e de sua natureza, o autor fala da “ascese” como um meio e
não um fim, um ideal. E a primeira palavra que ele acopla a esse vocábulo é o
“exercício”. Assim, a ascese é um modo de exercitar-se para reencontrar o
caminho de si mesmo, da interioridade, da alegria e do bem. Portanto,
“exercício” é o sentido primeiro do termo. Por exemplo, o estudante que quer
colocar sob seu domínio sua lição de matemática multiplica os exercícios para
estar seguro de tê-los entendido bem. O pianista que quer tocar suas
sonatas, leva horas e horas treinando, num ritmo quase tirano, sem relaxar seus
esforços, movido por um desejo ardente de tocar bem. O esportista que luta por
uma medalha ou um título não hesita em se fazer mal, a fim de saltar cada vez
mais alto ou correr mais veloz. E aquele que gostaria de encontrar o caminho do
Bem poderia deixar-se levar por satisfações medíocres? Aquele que visa o que há
de maior em si mesmo não teria necessidade nenhuma de exercitar-se? Então,
seria preciso renunciar á alegria, essa alegria que ele abandonaria à criança
feliz por sua nota, ao pianista contente por ter tocado bem, ao atleta
realizado por ter ido ao fundo de si mesmo. Se Nietzsche apresentou terríveis
críticas ao que ele chamou de “ideal ascético” – talvez, entendido como a
renúncia radical de todos os bens da vida e de si mesmo, já que as pessoas
seriam criaturas descontentes, elevadas, atingidas por um desgosto incurável e
profundo por elas mesmas, pela Terra e pela vida, que se atacam por se fazer
sofrer pelo prazer de sofrer – a ascese bem discernida nada tem a ver com o
ideal perverso da rejeição do prazer, de toda força verdadeira ou de toda
alegria. Vista por esse ângulo, ela seria uma violência nociva da alma contra
ela mesma e contra o corpo. Ela seria a figura patológica de um ódio de si e da
vida, a vida voltada conta ela mesma, a vida que se nega e se condena. Seria o
ideal repugnante do sofrimento como valor soberano, o ideal masoquista de um
sofrimento que brotaria dele mesmo, “a crueldade voltada sobre si mesma”, enfim,
uma fruição ignóbil do pecado que deve ser colocada à distância. Abandonando
algumas considerações do autor sobre outras compreensões da “ascese”, e que não
cabem aqui, ele considera que a verdadeira ascese não é fraqueza, mas força;
não é ressentimento, mas desejo e vontade; não é negação, mas alta afirmação do
bem maior; não é fascinação diante do mal, mas liberdade; pois não se trata de
dizer “não” aos desejos, mas de dizer “sim” ao mais desejável. Por conseguinte,
ela é o exercício cotidiano de uma liberdade possuída do Bem, e por isso mesmo
desprendida do que a subjuga, do que a domina.
Em outras palavras, longe de escravizar
o homem dentro dos limites de sua liberdade interior, a ascese leva-o para fora
de suas prisões, desamarra-o dos condicionamentos errados das percepções contraditórias
que o impedem de conquistar o seu Verdadeiro Bem. É por isso que, enfatizando
ainda o raciocínio de nosso autor, renunciar a certas satisfações sensíveis não
é uma maneira de negar-lhes todo o valor, mas de colocá-las em seu devido
lugar. Todo prazer é bom quando não nos distancia do Bem; todo desejo é sã
quando nutre em nós o desejo da alegria; toda alegria é boa quando é consciente
de que em nós se eleva, elevando-nos consigo. Por tudo isso, a ascese não é uma
maneira de recusar as alegrias da existência, os prazeres da vida, mas um modo
para governá-los, orientá-los. Sua lógica não é a da repressão, mas a da
liberdade. Fazer o exercício da hierarquização de seus prazeres em face da
alegria é aprender a não se deixar tiranizar por eles. Tudo isso para dizer que
aquele que sabe o que quer e quer o que ama é, então, a figura de um homem verdadeiramente
livre. Ele pode usufruir dos bens da vida sem está apegado a eles, de modo que nada
lhe é proibido. Sem dúvida, essa sentença final desemboca na expressão de Santo
Agostinho que estigmatizou o imperativo: “Ama e faze o que queres!”.
Quem ama não peca, como quem é livre não
se deixa orientar pelos caminhos do mal. No entanto, é preciso que a vontade encontre
o caminho do coração, a fim de que o exercício da ascese nos permita encontrar a
verdadeira senda das orientações da nossa vida diante de Deus. Eis, então, o desafio
constante, muitas vezes, sacudido pelos desejos terrenos que não nos permitem avançar
na direção do verdadeiro Bem.