Mudanças
culturais
Sonho com o dia em que a região do
Próximo Oriente Médio – e de todo o Oriente – se torne um lugar tão democrático
e livre em suas questões políticas e sociais, inclusive, envolvendo as profundas
dimensões religiosas que acobertam a fé do seu povo, de tal modo que seja
seguro passear ali e visitar todos os lugares com a mesma sensação de segurança
e liberdade que encontramos em alguns países da Europa e da America Latina.
Tendo passado por Londres e Paris, conforme estava no roteiro de minha viagem,
cheguei a Tel-aviv na madrugada do dia 17 de setembro de 2014, às 00h33min.
Depois, segui para Jerusalém aonde cheguei às 02h00. Uma mudança quase brusca
de realidade geográfica e cultural, histórica e religiosa. Só o caminho do
tempo para me revelar os mistérios e os segredos das aventuras que me
aguardavam em terras tão distantes do meu inesquecível Brasil.
De Paris para Jerusalém, acabei indo
parar em Bucareste, na Romênia. Nunca pensei que um dia pudesse passar por lá.
A empresa aérea Air France estava em
greve, e muitos voos foram cancelados, inclusive, para o Brasil. A greve nada
tinha a ver com Jerusalém ou Israel. Era um problema da dinâmica interna com
alguns funcionários. No entanto, fomos muito bem atendidos. Meu medo era que
não pudesse viajar logo. Viajar é muito bom, mas carregar bagagens para lá e
para cá é muito desgastante. No aeroporto Charles De Gaulle, encontrei algumas
freiras que estavam embarcando para os Estados Unidos. Fui cumprimentá-las, e a
responsável me disse em espanhol: “Se o seu voo foi cancelado, padre, não se
preocupe. Ficarei com o senhor e irei ajudá-lo. E, se não for viajar hoje, pode
ir para nossa casa”. Era um bom sinal. Então, ela permaneceu comigo e me
orientou durante todo o trajeto de remarcação da passagem. Graças a Deus, tudo
foi resolvido a contento, não paguei excesso de bagagem por causa do
cancelamento, e ainda ganhei dinheiro para “um lance” que a irmãzinha me
presenteou. Peguei o voo de número 1588 da Air
France para Bucareste, às 15h44, e de lá segui para Jerusalém no voo 153 da
Tarom, uma empresa aérea local, da
qual nunca tinha ouvido nem falar como também nunca havia escutado alguém
falando romeno, uma língua neolatina, cujo vocabulário, vez por outra, faz
saltarem algumas expressões tão compreensíveis como se fossem em português.
Confesso que me despertou a curiosidade em aprofundar o conhecimento dessa
língua. É a única das línguas neolatinas mais conhecidas da qual não sei nada.
Em Tel-aviv, tudo transcorreu na mais absoluta
normalidade. Na alfândega, um lugar que sempre preocupa os turistas por causa
do interrogatório, tudo tranquilo. No clichê por onde passei, havia um rapaz
muito simpático e sempre sorridente. Quando chegou a minha vez, ele quis
brincar dizendo que eu não tinha o visto necessário. “Como, não tenho? Ele está
aí dentro, e, segundo, informações, eu terei um mês para me apresentar no
Ministério do Exterior para convalidar o visto prolongando-o por um ano”.
Depois, ele quis saber quanto tempo eu pretendia fica no país e me liberou.
Deixou-me passar, entregando-me o papel no qual falava do tipo de visto, sem
permissão para trabalho, e com a validade até o dia 17 de outubro, isto é, um
mês. Tendo recuperando as bagagens, saí para pegar o transporte em direção a
Jerusalém. Hoje, há uma organização de vãs, patrocinadas pelos judeus, que
fazem o transporte de muitos turistas, cobrando um valor baixo e deixando cada
um no seu próprio endereço. Um serviço eficiente e cômodo para todos que aqui
chegam. No grupo que viajou comigo, havia uma brasileira com o seu pai.
Se em Paris, eu me sentia em casa, mais em casa
ainda, eu me senti desde que entrei no país de Jesus, a chamada “Terra Santa” –
‘admat raqqodesh, diz a expressão
hebraica – como ficou conhecida na história. Como chegar aqui sem se lembrar
das palavras comoventes de Cristo que chorou sobre Jerusalém: “Jerusalém,
Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os enviados de Deus, quantas
vezes, eu quis agasalhar os teus filhos como a galinha acolhe os seus
pintainhos debaixo de suas asas, e tu não me quiseste, e tu me rejeitaste!”?
(Mt 23,37-39). A verdade é que essa palavra sempre volta quando nos permitimos
colher os sentimentos de Cristo por nós mesmos, tão relutantes e rebeldes que
somos quanto à aceitação de seu amor misericordioso. Quanta
experiência bonita e marcante foi vivida nessa terra pelas pessoas escolhidas
pelo Senhor durante todo o seu processo de autorrevelação. A Sagrada Escritura
transborda, sobejamente, de exemplos edificantes de benções, mas também de
provações pela dureza com que Deus tratou o seu povo e pessoas singulares, como
no caso dos profetas, por causa da infidelidade. Um caso típico poderia ser
tirado da vida do profeta Ezequiel, apenas enfatizando o exemplo, quando Deus
lhe diz que tirará de diante dele a alegria de seus olhos, exigindo que ele não
desse nem um pio: “Filho do homem, eis
que, de um golpe tirarei de ti o desejo [a alegria] dos teus olhos, mas não
lamentarás, nem chorarás, nem te correrão as lágrimas. Geme em silêncio, não
faças luto por mortos; ata o teu turbante, e põe nos pés os teus sapatos, e não
cubras os teus lábios, e não comas o pão dos homens.
E falei ao povo pela manhã, e à tarde morreu minha
mulher; e fiz pela manhã como me foi mandado” (Ez 24,15-17).
Deus tirou de sua vida, a luminosidade da presença de sua esposa, que era o
encanto de seus olhos. No entanto, o Senhor vê além da própria pessoa do
profeta e projeta sua reflexão sobre o povo de Israel: “Assim diz o Senhor DEUS: Eis que eu profanarei o meu
santuário, a glória da vossa força, o desejo dos vossos olhos, e o anelo das
vossas almas; e vossos filhos e vossas filhas, que deixastes, cairão à espada.
E fareis como eu fiz; não vos cobrireis os lábios, e não
comereis o pão dos homens. E tereis nas cabeças os vossos turbantes, e os vossos sapatos nos pés; não
lamentareis, nem chorareis, mas definhar-vos-eis nas vossas maldades, e
gemereis uns com os outros. Assim vos servirá Ezequiel de sinal; conforme tudo
quanto ele fez, fareis; quando isso suceder, sabereis que eu sou o Senhor DEUS”
(Ez 24,21-24).
Já pela manhã, encontrei uma brasileira
que se hospedaria no Instituto Ratisbonne por duas semanas. Ela me levou para
passear no primeiro dia de minha chegada. Saindo pela estrada, pedimos
informações a um jovem judeu que passava sobre que direcionamento tomar na rua.
Qualquer pessoa pela estrada fala inglês. Isso faz parte da cultura dos povos
civilizados. Ninguém precisar ir a uma escola particular para aprender inglês.
Pelo sotaque, o jovem quis saber de onde éramos. E ele concluiu: “Então, é
melhor a gente falar em português mesmo!” Era um brasileiro que fora enviado
pelos pais para estudar o hebraico moderno, a língua de sua família. Então,
sendo que eu iria fazer o mesmo curso, quis saber como era, e ele me motivou
dizendo: “É muito gratificando, mas o bagulho é tenso! Cada dia é um dia!”.
Demos boas risadas, e fomos cada um para o seu lado. Todo curso intensivo é
“tenso”, sobretudo, pela carga de exercícios e obrigações que impõem ao
estudante o concentrar-se, trabalhando em casa com afinco e perseverança, no
aprimoramento de qualquer língua estrangeira. Eu sei muito bem do que é que se
trata porque foi essa a experiência que fiz durante dois meses na Alemanha, em
Bonn, estudando a língua daquele país, em 2005. Não é fácil chegar em um país
para aprender um idioma diferente do seu, ainda mais se ele tiver outro
alfabeto, como é o caso do hebraico, que não é uma língua moderna, sem nenhum
vocábulo da língua que mais livremente passeia pela inteligência do estudante,
como o seu vernáculo. A batalha é dura, mas vencível. Só o fato do
reconhecimento inicial dos códigos que compõem o texto da nova língua estudada
já é uma grande alegria. É uma compensação. Assim que descobri por meio de um
francês que veio estudar hebraico, aonde ir à missa numa comunidade cristã,
comecei a frequentá-la. Tendo estudando o texto da celebração antes, pude
segui-la sem dificuldades, embora, não estivesse em condições de ler com muita
fluência. Mas já era um avanço.
Curiosamente, quem celebrou a missa foi
um padre do Instituto Bíblico de Jerusalém que conhecera em 2005, quando de
minha primeira estada em Israel. Ele fora com os padres estudantes de Roma, que
faziam estágio. Depois, por todos os lados, nos deparamos com frases e nomes
nessa língua. Ela enche os olhos de novidade, e, aos poucos, o universo
interior se transforma pela fonética musical ouvida pelas rádios e pela
televisão. Há canais de desenho animado para crianças. Como elas falam com
fluência, embora de modo mais vagaroso, isso ajuda o iniciante na conquista de
suas novas descobertas. E, assim, motivados, seguiremos adiante!