terça-feira, 30 de setembro de 2014

Verbum Domini et responsabilitas christianorum!


Verbum Domini 
et responsabilitas christianorum 

 

Verbum Domini et Responsabilitas Christianorum! A Palavra de Deus e a responsabilidade dos cristãos! Terminando setembro, considerado no Brasil como “o mês da Bíblia”, somos convidados a refletir sobre ela em relação à responsabilidade dos cristãos diante de seus compromissos com o Senhor. A verdade é que enquanto mais nos aproximados da Sagrada Escritura mais nos colocamos diante de Deus, sobretudo, por meio de Jesus Cristo, Sua Palavra por Excelência. Foi São Jerônimo quem disse: “Ignorar a Sagrada Escritura é ignorar a Jesus Cristo!”. É, pois, do conhecimento de Cristo que brota toda a responsabilidade dos cristãos em face de sua Palavra. Esse santo nasceu na Dalmácia (340-430), e foi contemporâneo de Santo Agostinho, um dos maiores luminares pensantes do Catolicismo do primeiro milênio, e outro grande estudioso da Bíblia. 

 


Foi por meio de uma cantilena da Sagrada Escritura, no jardim de sua casa, que Agostinho se converteu depois de muitas andanças pelas estradas da vida e das sendas dialéticas da Filosofia, tentando saciar sua sede de Verdade. Ele estava chorando profundamente, quando no meio do desespero ouviu uma voz que lhe dizia: “Tolle Lege” – “Toma e lê!”. Abrindo a Bíblia, seus olhos caíram sobre a passagem da Carta de São Paulo aos Romanos: “Andemos honestamente, como de dia; não em glutonarias, nem em bebedeiras, nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências” (Rm 13,13-14). [Por considerar essa tradução meio obscura, gostaria de apresentar outra, de tradução livre, do versículo 14: “Mas revesti-vos do Senhor e não concedais indulgências, concessões, à carne, seguindo seus impulsos desenfreados”; “dando atenção à carne para não fazer os seus desejos ou suas concupiscências”]. Em seguida à leitura, seus olhos interiores se abriram, suas dúvidas se dissiparam, e ele se deixou batizar por Santo Ambrósio, Arcebispo de Milão, que muito o ajudou em seu processo de conversão a Deus. Sua mãe, Santa Mônica, havia chorado por trinta anos esperando aquele momento. Sinal de que a oração das mães tem peso diante do Senhor. Oração feita de perseverança e confiança na bondade divina. São Jerônimo realizou estudos literários em Roma onde se fez batizar, depois quis abraçar a vida monástica e se dirigiu para o Oriente, sendo ordenado sacerdote. Voltou a Roma como secretário do Papa Dâmaso e, ao mesmo tempo, encarregou-se de trabalhar a revisão latina da Bíblia, promovendo, de igual modo, a vida monástica. Mais tarde, estabeleceu-se em Belém onde viveu 28 anos, estudando a Bíblia e ligado aos acontecimentos da vida e às necessidades da Igreja. Entre as muitas obras que escreveu, há muitos comentários à Sagrada Escritura. Hoje, apesar de muitos pensarem que a Bíblia é um livro de propriedade particular de alguns pastores ou até mesmo de padres e bispos, de religiões oficiais ou de seitas anônimas – que nem conhecemos – a Sagrada Escritura é fruto do labor do Catolicismo nascente, desde os primeiros séculos da era cristã, que a acolheu integralmente, até os nossos dias. Foi somente depois de Martinho Lutero (1483-1546), que outros grupos cristãos se recusaram aceitar a tradição apostólica, sob a autoridade do Papa, para excluir alguns livros ou partes de textos da Bíblia, acatando apenas os livros antigos presentes na Bíblia dos judeus e, claro, todo o Novo Testamento. 

 
 Santo Agostinho 

Como para os santos também para nós o caminho da conversão é uma luta diária, de cada instante de nossa vida. Como costumo dizer, por uma comparação que me parece muito oportuna e significativa, o processo de conversão é como retirar o lixo da cozinha de nossa casa, quando pensamos que tudo está já purificado e limpo, tudo se completa de sujeira e mais lixo. E recomeçamos a limpeza. Ou seja, é um processo que não termina nunca durante a existência humana inteira. Infelizmente, há pessoas que gostariam de encontrar nos cristãos os anjos que não são nem podem ser antes da travessia. Somente no céu é que seremos como os anjos, segundo o testemunho do mesmo Cristo (Mc 12,24-25). O Credo Católico nos ensina que foi por causa de nós homens – isso quer dizer a humanidade inteira – e por causa da nossa salvação – “qui propter nos homines et propter nostram salutem descendit de coelis” – que Jesus desceu do Céu e se encarnou no seio da Virgem Maria. Portanto, temos de lutar contra nós mesmos, contra nossos vícios e pecados, mas também contra nossos opositores. É São Paulo quem nos orienta: “Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo, para que, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que estais num mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo ânimo pela fé do evangelho. E em nada vos espanteis dos que resistem [os opositores da nossa fé], o que para eles, na verdade, é indício de perdição, mas para vós de salvação, e isto de Deus. Porque a vós vos foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer por ele, tendo o mesmo combate que já em mim tendes visto e agora ouvis estar em mim” (Fl 1,27-30). De fato, os cristãos não podem ficar escondidos conforme o indicativo de Jesus: “Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo. Uma cidade não pode ficar escondida no cimo de uma montanha... Assim vossa luz deve brilhar diante dos homens de modo que pelas vossas obras, eles glorifiquem o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,13-16). É, pois, da intimidade com Cristo que procede a sua responsabilidade. Sua luz, brilhando sobre os cristãos, deve resplandecer sobre o mundo como reflexo do próprio Senhor que se transfigura em cada batizado em seu Nome. 

 


Nesse contexto de envolvimento com Cristo, por meio de sua Palavra, devemos considerar também que, mesmo se escondido na pobreza ínfima dos desejos humanos de felicidade e plenitude, está também presente, subjacente no fundo da alma cristã, o anseio do encontro e da intimidade profunda com o Senhor. Se assim não o fosse, qual seria, então, o sentido de nossas buscas, de nossas sedes mais recônditas? Tentamos encontrar o caminho certo e não o conseguimos porque, entremeados por tantas dificuldades de raciocínio e de ação, nos desviamos do próprio Caminho que é Jesus que disse: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida!” (Jo 14,6). Ficamos dispersos na estrada, entretidos com coisas supérfluas e desprezíveis, enquanto o Senhor nos espera no fim da caminhada. Todavia, nem por isso devemos diminuir a marcha se nos sentimos cansados, desiludidos, frustrados com nós mesmos, ou desacelerar o pedal de nossas inquietações interiores. Não é porque não chegamos lá ainda que devemos desistir. Não é porque somos infiéis a Deus e à Sua Palavra pelas incoerências das atitudes que devemos deixar de pedir o auxílio do Senhor, sua ajuda bondosa, na direção d’Ele mesmo. Foi São Paulo quem disse, talvez, para motiva ainda mais: “Onde quer que tenhamos chegado, continuemos na mesma direção”. Cristo é a nossa direção definitiva, última, suprema. 

 
 Nas exéquias de São João Paulo II 
O Evangelho esfolheado pelo vento, como esfolheou sua vida inteira

Um dia, um rapaz briguento, atrevido, e ainda mais indiscreto, que sempre gostou de insultar e cutucar a minha fé e a minha religião, afirmou de modo irônico que uma atriz ou cantora famosa, cujo nome nem quis decorar, dissera que os cristãos não são maioria no mundo e, no entanto, eles se consideravam e se julgam os donos da verdade, que eles estavam no caminho certo, enquanto o resto da população mundial, a maioria esmagadora, vive de maneira errada. Assim ela quis deixar a entender que minoria não é sinônimo de verdade. E ela tinha razão! Mas a maioria também não o é. Porém, o que ela se esqueceu de dizer foi que os cristãos – a “minoria” à qual ela se referia – não possuem ideias próprias, não são senhores de si mesmos, mas se identificam e estão ligados pelo único eixo que os une pelos ideais de vida espiritual centrados em Cristo. Ele é o eixo da vida dos cristãos. Desse modo, a “maioria” vive desenraizada, assumindo por conta própria e risco os caminhos de “doutrinas diversas e estranhas” (Hb 13,9). Como diz Dom Henrique Soares da Costa, Bispo da Diocese de Palmares – e eu gosto sempre de escutar e dizer para mim mesmo – os cristãos não são melhores nem piores, mas devem ser diferentes. Com efeito, como assevera São Paulo, pregando entre outros aos pagãos no Areópago de Atenas, numa cidade repleta de ídolos, “é em Cristo que nós vivemos, existimos [nos movemos] e somos” (At 17,28). E isso envolve o ser todo da pessoa mergulhada com Cristo nas águas santificantes de seu amor e redenção.  
 


Deus, que concedeu a São Jerônimo “uma consciência viva e penetrante da Sagrada Escritura”, conceda-nos também o desejo de nos nutrir, cada vez mais, do alimento de sua Palavra, fonte de vida e fruição perene dos benefícios espirituais que somente o Bom Deus poderia nos comunicar por meio de Jesus, seu Divino Filho. Amém! 

 

São Jerônimo, Rogai por nós!