Verbum Domini
et responsabilitas christianorum
et responsabilitas christianorum
Verbum Domini et Responsabilitas
Christianorum! A
Palavra de Deus e a responsabilidade dos cristãos! Terminando setembro,
considerado no Brasil como “o mês da Bíblia”, somos convidados a refletir sobre
ela em relação à responsabilidade dos cristãos diante de seus compromissos com
o Senhor. A verdade é que enquanto mais nos aproximados da Sagrada Escritura
mais nos colocamos diante de Deus, sobretudo, por meio de Jesus Cristo, Sua
Palavra por Excelência. Foi São Jerônimo quem disse: “Ignorar a Sagrada
Escritura é ignorar a Jesus Cristo!”. É, pois, do conhecimento de Cristo que
brota toda a responsabilidade dos cristãos em face de sua Palavra. Esse santo nasceu
na Dalmácia (340-430), e foi contemporâneo de Santo Agostinho, um dos maiores
luminares pensantes do Catolicismo do primeiro milênio, e outro grande
estudioso da Bíblia.
Foi por meio de
uma cantilena da Sagrada Escritura, no jardim de sua casa, que Agostinho se
converteu depois de muitas andanças pelas estradas da vida e das sendas
dialéticas da Filosofia, tentando saciar sua sede de Verdade. Ele estava
chorando profundamente, quando no meio do desespero ouviu uma voz que lhe
dizia: “Tolle Lege” – “Toma e lê!”. Abrindo a Bíblia, seus olhos caíram
sobre a passagem da Carta de São Paulo aos Romanos: “Andemos honestamente, como de dia; não em glutonarias, nem em bebedeiras,
nem em desonestidades, nem em dissoluções, nem em contendas e inveja. Mas
revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas
concupiscências”
(Rm 13,13-14). [Por considerar essa tradução meio obscura, gostaria de apresentar
outra, de tradução livre, do versículo 14: “Mas revesti-vos do Senhor e não concedais
indulgências, concessões, à carne, seguindo seus impulsos desenfreados”; “dando
atenção à carne para não fazer os seus desejos ou suas concupiscências”]. Em
seguida à leitura, seus olhos interiores se abriram, suas dúvidas se dissiparam,
e ele se deixou batizar por Santo Ambrósio, Arcebispo de Milão, que muito o ajudou
em seu processo de conversão a Deus. Sua mãe, Santa Mônica, havia chorado por
trinta anos esperando aquele momento. Sinal de que a oração das mães tem peso
diante do Senhor. Oração feita de perseverança e confiança na bondade divina. São
Jerônimo realizou estudos literários em Roma onde se fez batizar, depois quis
abraçar a vida monástica e se dirigiu para o Oriente, sendo ordenado sacerdote.
Voltou a Roma como secretário do Papa Dâmaso e, ao mesmo tempo, encarregou-se
de trabalhar a revisão latina da Bíblia, promovendo, de igual modo, a vida
monástica. Mais tarde, estabeleceu-se em Belém onde viveu 28 anos, estudando a
Bíblia e ligado aos acontecimentos da vida e às necessidades da Igreja. Entre
as muitas obras que escreveu, há muitos comentários à Sagrada Escritura. Hoje,
apesar de muitos pensarem que a Bíblia é um livro de propriedade particular de
alguns pastores ou até mesmo de padres e bispos, de religiões oficiais ou de
seitas anônimas – que nem conhecemos – a Sagrada Escritura é fruto do labor do
Catolicismo nascente, desde os primeiros séculos da era cristã, que a acolheu
integralmente, até os nossos dias. Foi somente depois de Martinho Lutero (1483-1546),
que outros grupos cristãos se recusaram aceitar a tradição apostólica, sob a
autoridade do Papa, para excluir alguns livros ou partes de textos da Bíblia,
acatando apenas os livros antigos presentes na Bíblia dos judeus e, claro, todo
o Novo Testamento.
Santo Agostinho
Como para os
santos também para nós o caminho da conversão é uma luta diária, de cada instante
de nossa vida. Como costumo dizer, por uma comparação que me parece muito
oportuna e significativa, o processo de conversão é como retirar o lixo da
cozinha de nossa casa, quando pensamos que tudo está já purificado e limpo, tudo
se completa de sujeira e mais lixo. E recomeçamos a limpeza. Ou seja, é um
processo que não termina nunca durante a existência humana inteira. Infelizmente,
há pessoas que gostariam de encontrar nos cristãos os anjos que não são nem
podem ser antes da travessia. Somente no céu é que seremos como os anjos,
segundo o testemunho do mesmo Cristo (Mc 12,24-25). O Credo Católico nos ensina
que foi por causa de nós homens – isso quer dizer a humanidade inteira – e por
causa da nossa salvação – “qui propter nos
homines et propter nostram salutem descendit de coelis” – que Jesus desceu
do Céu e se encarnou no seio da Virgem Maria. Portanto, temos de lutar contra
nós mesmos, contra nossos vícios e pecados, mas também contra nossos
opositores. É São Paulo quem nos orienta: “Somente deveis portar-vos
dignamente conforme o evangelho de Cristo, para que, quer vá e vos veja, quer
esteja ausente, ouça acerca de vós que estais num mesmo espírito, combatendo
juntamente com o mesmo ânimo pela fé do evangelho. E em nada vos espanteis dos
que resistem [os opositores da nossa fé], o que para eles, na verdade, é
indício de perdição, mas para vós de salvação, e isto de Deus. Porque a vós vos
foi concedido, em relação a Cristo, não somente crer nele, como também padecer
por ele, tendo o mesmo combate que já em mim tendes visto e agora ouvis estar
em mim”
(Fl 1,27-30). De fato, os cristãos não podem ficar escondidos conforme o
indicativo de Jesus: “Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo. Uma
cidade não pode ficar escondida no cimo de uma montanha... Assim vossa luz deve
brilhar diante dos homens de modo que pelas vossas obras, eles glorifiquem o
vosso Pai que está nos céus” (Mt 5,13-16). É, pois, da intimidade com Cristo
que procede a sua responsabilidade. Sua luz, brilhando sobre os cristãos, deve
resplandecer sobre o mundo como reflexo do próprio Senhor que se transfigura em
cada batizado em seu Nome.
Nesse contexto
de envolvimento com Cristo, por meio de sua Palavra, devemos considerar também que,
mesmo se escondido na pobreza ínfima dos desejos humanos de felicidade e
plenitude, está também presente, subjacente no fundo da alma cristã, o anseio do
encontro e da intimidade profunda com o Senhor. Se assim não o fosse, qual
seria, então, o sentido de nossas buscas, de nossas sedes mais recônditas? Tentamos
encontrar o caminho certo e não o conseguimos porque, entremeados por tantas
dificuldades de raciocínio e de ação, nos desviamos do próprio Caminho que é
Jesus que disse: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida!” (Jo 14,6). Ficamos
dispersos na estrada, entretidos com coisas supérfluas e desprezíveis, enquanto
o Senhor nos espera no fim da caminhada. Todavia, nem por isso devemos diminuir
a marcha se nos sentimos cansados, desiludidos, frustrados com nós mesmos, ou desacelerar
o pedal de nossas inquietações interiores. Não é porque não chegamos lá ainda
que devemos desistir. Não é porque somos infiéis a Deus e à Sua Palavra pelas
incoerências das atitudes que devemos deixar de pedir o auxílio do Senhor, sua
ajuda bondosa, na direção d’Ele mesmo. Foi São Paulo quem disse, talvez, para motiva
ainda mais: “Onde quer que tenhamos chegado, continuemos na mesma direção”. Cristo
é a nossa direção definitiva, última, suprema.
Nas exéquias de São João Paulo II
O Evangelho esfolheado pelo vento, como esfolheou sua vida inteira
Um dia, um rapaz
briguento, atrevido, e ainda mais indiscreto, que sempre gostou de insultar e
cutucar a minha fé e a minha religião, afirmou de modo irônico que uma atriz ou
cantora famosa, cujo nome nem quis decorar, dissera que os cristãos não são
maioria no mundo e, no entanto, eles se consideravam e se julgam os donos da
verdade, que eles estavam no caminho certo, enquanto o resto da população
mundial, a maioria esmagadora, vive de maneira errada. Assim ela quis deixar a
entender que minoria não é sinônimo de verdade. E ela tinha razão! Mas a
maioria também não o é. Porém, o que ela se esqueceu de dizer foi que os cristãos
– a “minoria” à qual ela se referia – não possuem ideias próprias, não são
senhores de si mesmos, mas se identificam e estão ligados pelo único eixo que
os une pelos ideais de vida espiritual centrados em Cristo. Ele é o eixo da
vida dos cristãos. Desse modo, a “maioria” vive desenraizada, assumindo por
conta própria e risco os caminhos de “doutrinas diversas e estranhas” (Hb 13,9).
Como diz Dom Henrique Soares da Costa, Bispo da Diocese de Palmares – e eu
gosto sempre de escutar e dizer para mim mesmo – os cristãos não são melhores
nem piores, mas devem ser diferentes. Com efeito, como assevera São Paulo, pregando
entre outros aos pagãos no Areópago de Atenas, numa cidade repleta de ídolos, “é
em Cristo que nós vivemos, existimos [nos movemos] e somos” (At 17,28). E isso
envolve o ser todo da pessoa mergulhada com Cristo nas águas santificantes de
seu amor e redenção.
Deus, que concedeu a São Jerônimo “uma consciência viva e penetrante da Sagrada Escritura”, conceda-nos também o desejo de nos nutrir, cada vez mais, do alimento de sua Palavra, fonte de vida e fruição perene dos benefícios espirituais que somente o Bom Deus poderia nos comunicar por meio de Jesus, seu Divino Filho. Amém!
São Jerônimo, Rogai por nós!