Olharão para Aquele que trespassaram
Na festa da Exaltação da Santa Cruz,
somos convidados a elevar nossos olhos para o Senhor nosso Deus e Salvador, Jesus
Cristo. Desde que ele entrou no mundo, participando de nossa vida e história, toda
a nossa existência está atravessada pelo mistério de sua Encarnação.
Já no Antigo Testamento, encontramos a expressão
prefigurativa bem remota que, a pedido do próprio Deus, por meio de Moisés, planta
a esperança da salvação, que cura o homem nas profundezas mais radicais de suas
rebeldias, na serpente pendurada pela haste. O povo que andava com Moisés em direção
à Terra prometida, no meio das dificuldades do caminho do deserto, com fome e
sede, sem água nem pão, reclamou contra Deus e o seu servo Moisés, de modo que
o Senhor enviou serpentes venenosas para morder o povo e matá-lo. Arrependidos,
eles clamaram misericórdia, e Deus pediu que Moisés colocasse a imagem de uma
serpente de bronze sobre uma haste, a fim de que todo aquele que fosse mordido
se curasse olhando para ela (Nm 21,4-9). Quem fosse mordido e olhasse para ela “permanecia
vivo” (v. 9). “Deus não elimina as serpentes, mas oferece um antídoto. Através
da serpente de bronze feita por Moisés, Deus transmite a sua a força de cura
que é a sua misericórdia, mais forte do que o veneno do tentador. Jesus se identificou
com esse símbolo. De fato, por amor o Pai deu o seu Filho Unigênito aos homens
para que tenham a vida (Jo 3,13-17). E esse amor imenso do Pai impulsiona o
Filho Jesus a fazer-se homem, a fazer-se servo, a morrer por nós e a morrer
sobre uma cruz. Por isso, o Pai o ressuscitou e lhe deu a senhoria sobre todo o
universo. [...] Quem se confia a Jesus Crucificado recebe a misericórdia de
Deus que cura do veneno mortal do pecado.” (Papa Francisco).
Segundo a tradição bíblica, a morte é
uma das consequências do pecado, e o livro da Sabedoria de Salomão afirma que
foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo (Sb 2,24). Desse modo, diante
da pequenez humana, cujos horizontes se fecham pelas atitudes mesquinhas da desobediência,
tantos séculos passados, eis que Cristo, pregado na árvore da Cruz, se torna o
nosso Salvador pela obediência incondicional à vontade do Pai. Ele se aniquilou
a si mesmo na sua kênosis, no seu
rebaixamento até à nossa humanidade pecadora, “obediente até a morte e morte de
cruz” (Fl 2,8). Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado por nós. Ele
subiu à cruz no nosso lugar, a fim de que também nós estejamos crucificados com
ele, conforme a expressão de São Paulo: “Eu estou crucificado com Cristo, já não
sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne eu
a vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,19-21).
Por Ele, nós temos acesso à vida eterna, à vida em plenitude que Ele veio nos trazer.
O enigma da cruz do Senhor permanecerá
um mistério aos olhos incrédulos dos que não aceitam o paradoxo da radicalidade
de seu amor derramando até o fim sobre o pecado de todos os homens (Jo 13). “Como
Moisés elevou a serpente no deserto, assim é preciso que o Filho do Homem seja
elevado [da terra], a fim de que todo aquele que crê tenha a vida eterna. Porque
Deus amou de tal maneiro ao mundo, que enviou o seu Filho Unigênito, para que
todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,14-16). Portanto,
no tempo da vida nova, da vida renovada pela Cruz do Senhor, não olhamos mais
para a serpente de bronze, mas olhamos diretamente para o Cristo que, uma vez
elevado sobre a terra, atrai para si todos os olhares (Jo 12,32). Somente com
os “olhos fixos nele” (Hb 12), encontraremos a expressão máxima da vida que
permanece para sempre. Se olhando para a serpente, o povo de Deus se curava e
permanecia vivo, quanto mais agora, o povo do Novo Testamento poder alcançar as
graças infinitas do cumprimento pleno de todas as promessas antigas. Do mesmo mistério
que nos distancia de Deus, a morte, Deus mesmo faz brotar as águas
santificantes da graça que nos reaproxima d’Ele, por meio de Cristo que
participa de nossa morte humana. “Depois, o Anjo me mostrou o rio da Vida,
límpido como o cristal, que fruía do trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 21,1). O trono
do Cordeiro de Deus imolado por nós é a Cruz do Senhor. Ali teve início a
glorificação de Jesus, pela qual ele abriu-nos o acesso ao Pai: “Em verdade, em
verdade, vos digo, se o grão de trigo caído na terra não morre, ele permanece
só; mas se ele morre produz muito fruto. [...] Pai, glorifica o teu Nome. E do céu
veio uma voz que dizia: Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo” (Jo 12,24-28).
“Ó cruz gloriosa, Tu és digna de nosso
louvor. Tua preciosa madeira é o maravilhoso sinal pelo qual o mal foi vencido
e o mundo redimido pelo sangue de Cristo. Aleluia!”.
A Cruz do Senhor também traduz o sentido
profundo de todas as buscas e angústias humanas. Nosso coração sedento de Deus,
dilacerado pelas carências de todo tipo – a falta de amor que não permite que
nos sintamos amados; a ausência do perdão que nos faz sentir excluídos da vida
das pessoas; a pobreza material que, muitas vezes, diminui e apaga o brilho de
nossa dignidade; a miséria que nos tira o gosto de viver; as desilusões com as
pessoas em quem confiavam que frustram e minam a esperança da convivência
fraterna, amiga – tudo isso deve conduzir-nos ao encontro com o Senhor na Cruz.
Lá, ele nos espera, a fim de que assumamos nossa “parte de sofrimento como um
bom soldado de Cristo” (2Tm 2,3). Com efeito, não podemos nos esquecer de que
ele ainda falou: “Se alguém me serve que ele me siga; e onde eu estiver lá
estará também o meu servo” (Jo 12,26).
Não podemos fugir do confronto com a
Cruz do Senhor, sobretudo, pelo incômodo que ela nos causa. Se quisermos ser
verdadeiros discípulos do Senhor, carregando atrás dele a nossa cruz, devemos
nos deixar inquietar pelas chagas de suas feridas abertas por causa do amor por
nós. É a piedade marcada pelo sofrimento do Senhor que nos ajuda no processo de
conversão a Ele.
Nós vos adoramos, Santíssimo
Senhor Jesus
Cristo, e vos bendizemos.
Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo! Amém