Israel: A Terra da Bíblia
Israel é a Terra da
Sagrada Escritura para aonde o “Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó” projetou e
realizou a grande aventura da história do seu Povo, o Povo de Israel. Durante
séculos, Ele o preparou para uma epopeia santa, sem precedentes na história
antiga da região. Tão poderoso, com seu braço forte e santo, estendido para
abençoar e proteger o povo escolhido, a porção de sua herança, ele mesmo se
encarregou de levar adiante todos os seus projetos de amor e fidelidade
incondicional à Aliança estabelecida com o seu povo para sempre. É por isso que
nós lemos, muitas vezes, sem entender bem, a expressão “Deus é fiel!”. O povo
peca e se afasta do seu Senhor, se rebela, protesta contra seu Deus e o seu
servo Moisés. Arrepende-se, e volta atrás, mas o Deus Todo-poderoso não se
cansará jamais de manifestar seus carinhos de Pai. E as portas de seu amor se
arrebentaram, de modo escandaloso e definitivo, na Pessoa do Seu divino Filho,
Jesus Cristo, cuja vida histórica teve lugar em Israel, em Jerusalém. Jesus não
foi um fantasma inventado pela fantasia da história dos homens para a
“consolação interior de um pequeno grupo de fiéis”. O texto sagrado, especialmente,
do Novo Testamento, fala de lugares e personagens reais, que compõem o mosaico
da história universal dos Impérios que dominaram o mundo. Mas Ele não foi
reconhecido pelos poderosos desse mundo, porque o seu “Reino não era desse
mundo” (Jo 18,36). É, pois, na Terra da Palavra que melhor podemos compreender
o alcance concreto da imolação de Deus mesmo pela humanidade inteira,
libertando-a do pecado e da morte eterna, pelo testemunho inaudito da
Ressurreição de Jesus. O túmulo vazio ainda nos surpreende pela vontade que
temos de reencontrar o Senhor ali. Imaginamos a aurora do primeiro “Dia do
Senhor”, a manhã luminosa de sua ascensão dentre os mortos, com as mulheres que
foram ao sepulcro de madrugada e não encontraram o seu corpo santo! Maria
Madalena chorando no jardim da vida nova, inclinando-se para ver o lugar onde
estava o corpo de Cristo, e onde ela encontrou dois anjos vestidos de branco –
um na cabeceira e outro aos pés – que lhe deram a grande notícia, a “Boa Nova”
do Evangelho vivo do Senhor! Ela confunde o Senhor com o jardineiro, mas o
reconhece quando ele a chama pelo nome: “Maria!” E ela testemunha dizendo: “Eu vi
o Senhor”. E, depois, o anúncio que chegou rapidamente aos apóstolos, que tanto
se alegraram por verem o Senhor, que lhes confiou a missão de irem pelo mundo todo,
pregando o Evangelho do Senhor: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio.
[...] Recebei o Espírito Santo”! (Jo 20). Aqueles acontecimentos ainda hoje
mexem interiormente com os homens de fé. Pois, bem, estamos aqui no coração dos
acontecimentos de nossa salvação.
Bento XVI no Santo Sepulcro
Quantas pessoas de fé
gostariam de estar aqui conosco saboreando a grandeza infinita do amor de Deus na
Terra da plenitude de sua revelação. Que responsabilidade a nossa, para não deixar
correrem em vão os dias aqui decorridos entre as obrigações acadêmicas e a responsabilidade
pessoal com o dom que Deus se digno nos presentear! Que lendo e estudando a Sagrada
Escritura nós também saibamos escutá-la, a fim de que ela fecunde no mais profundo
do nosso ser a vida de Ressurreição que o Senhor nos garantiu com a sua própria
Ressurreição, “primícias dos ressuscitados de Deus [daqueles que adormeceram na
fé em Cristo], pois assim como todos morrem em Adão, todos reviveram em Cristo”
(1Cor 15,20-22).
Templo católico - Igreja
No dia 21 de setembro, domingo [Dies Domini], concelebrei a santa missa
com os monges beneditinos do mosteiro de Abu
Gosh, uma cidade perto de Jerusalém, com sete mil habitantes, mas
totalmente islâmica. Uma celebração muito bem cantada em latim e francês. Fiquei
pensando na formação dos seminaristas que não aprendem nem a cantar, lendo a
partitura, nem conhecem os textos da liturgia latina. Uma pobreza intelectual
que com tempo nos distancia cada vez mais da pureza do louvor dos grandes
espíritos imbuídos pela sinfonia do mistério musical. Além da formação que já
recebem, os seminaristas deveriam estudar profundamente música, latim e inglês.
Essa última parece ter se tornado uma maldição que escraviza a mentalidade
humana à submissão estrangeira dos detentores do patrimônio cultural
linguístico que invadiu o comércio mundial. Mas não tempos para onde fugir. Todo
país decente ensina o inglês como a segunda língua da nação. Em relação aos
seminaristas e aos padres, de modo especial, aos das gerações mais recentes
como a minha, basta o português mal falado para expressar o conteúdo não muito
bem elaborado das elucubrações da homilia. Infelizmente, depois do Concílio
Vaticano II, quando o vernáculo se tornou a língua oficial da Liturgia no mundo
todo – não que isso tenha sido absolutamente negativo, muito pelo contrário – o
latim foi deixado de lado como desnecessário à cultura dos homens da Igreja.
Mesmo assim, ela continua sendo a língua oficial da Igreja de Roma. Os padres
antigos, que estudavam e falavam latim, como alguns raros que ainda conheço, estão
morrendo, e vão levar consigo uma herança filológica privilegiada sem que ninguém
possa ver transmitida a outrem. E há os que pensam que estudar latim é voltar
no tempo, é ser retrogrado, conservador, tradicionalista. E enquanto preconceitos
desse tipo vão passando de geração em geração, a cultura eclesial perde muito
de sua própria riqueza. Hoje nem os bispos sabem mais latim. Claro que estou
falando dentro do contexto brasileiro, porque em alguns países da Europa o
grego e o latim são estudos clássicos e fazem parte do currículo de qualquer
estudante. Portanto, há pessoas desse universo acadêmico que conversam em
latim. E não são da Igreja, não são atrasados nem contrários ao progresso.
Uma mesquita, templo muçulmano de Abu Gosh
Mas voltemos à história da Abadia de
Santa Maria da Ressurreição, de Emaús das Cruzadas de Abu Gosh. A comunidade sempre recebe turistas do mundo todo e de várias
religiões. Ela está situada no Monte de Judá, a uma altitude de 770 metros no
espaço de um anfiteatro formado por três colinas, no coração da cidade
mulçumana de Abu Gosh por onde passa uma antiga estrada que ligava Jerusalém à
costa. A presença humana no local data de 6000 anos A.C., remontando ao período
Neolítico. Nômades aí se estabeleceram por causa de uma fonte. Mais tarde, o
sito é mencionado na Bíblia com Kyriat Baal (Js 15,9-10), cidade fronteira
entre as tribos de Judá e Benjamim; e Kyruat-Yéarim, colina que domina a
cidade, onde esteve a Arca da Aliança (1Sm 6,21) antes que Davi fizesse
conduzi-la para Jerusalém (2Sm 6,2). Depois, bem mais tarde, os romanos ali se
instalaram, a fim de guardar a água da fonte. Durante o período árabe, o local
se transformou em albergue de caravanas que se deslocavam de diversas regiões. No
ano 1143, os Cruzados – Ordem de São João do Hospital, hoje Ordem de Malta –
identificaram o local com a cidade de Emaús e construíram a cripta e a igreja,
utilizando o reservatório romano como fundação. Abandonado durante o Reino
latino de Jerusalém (1187), a igreja permaneceu em pé. Embora a história seja
ignorada, é provável que ela foi usada como abegoaria pelos habitantes da
região. Bem mais tarde, em 1873, a igreja foi oferecida à República Francesa
pela “Porta Sublime” – uma expressão relacionada ao Império Otomano (Turco – de
1299 a 1922), que dominava a região da Anatólia, do Oriente Médio, de parte do
norte da África e do sudoeste da Europa. Em 1900, no início da nave da igreja,
um monastério foi construído pelos monges beneditinos da Província Francesa da
Congregação do Subiaco – “Subiaco” é um monte relacionado à vida de São Bento
de Núrsia, na Itália do século V. Ele é considerado o “pai” do monaquismo do
Ocidente, ele criou a regra monástica, que conduzisse a vida da comunidade. Presentes
ali até 1953, os monges de Belloc deixam em seguida o local para os padres
lazaristas. Depois, em 1976, os monges beneditinos retomam o local, com a
chegada de um grupo de monges vindos da Abadia de Bec-Hellouin, da Normandia,
na França, e da Congregação de Santa Maria do Monte Olivet, perto de Sena, na
Itália. Pouco tempo depois, se junta a eles um grupo de monjas oblatas também
vindas de Bec-Hellouin.
Monges rezando
Os monges, muito alegres e gentis, nos
convidaram para o aperitivo e o almoço. Uma verdadeira festa entre irmãos.
Durante esses últimos tempos que anteciparam minha chegada a Jerusalém, há
pouco mais de um mês em que deixei o Brasil, aquela foi a refeição mais
completa, rica, nutritiva e solene que eu tive. Vez por outra, isso é bom.
Tendo conhecido a estrada, fui convidado a voltar, inclusive, para me hospedar,
quando quisesse. Levam a vida comunitária com simplicidade fraterna por meio
das atividades que lhes são comuns. Fazem a oração pessoal e comunitária. Realizam
trabalhos que ajudam na manutenção da abadia, como o cultivo de ervas e frutas
para licores que são vendidos com outros objetos de artesanato local e também artigos
religiosos. Quando a comunidade foi formada, no
início do século XX, uma das orientações mais levadas em consideração era o
fato de que eles estavam sendo enviados ali, não como conquistadores, mas para
ser uma “presença cordial” no meio de um ambiente já torturado pelas contendas
religiosas históricas e multisseculares. “Presença cordial”: duas palavras que
encerram todo um programa de vida que deve ser embalado pela oração, mas também
pelo acolhimento a todos os visitantes, independentemente, de sua religião ou
profissão de fé. Tudo isso como expressão de que, não obstante as diferenças,
mesmo aquelas de enorme peso cultural, é possível viver a autêntica
fraternidade.