segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Israel: a Terra da Bíblia


Israel: A Terra da Bíblia


 


Israel é a Terra da Sagrada Escritura para aonde o “Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó” projetou e realizou a grande aventura da história do seu Povo, o Povo de Israel. Durante séculos, Ele o preparou para uma epopeia santa, sem precedentes na história antiga da região. Tão poderoso, com seu braço forte e santo, estendido para abençoar e proteger o povo escolhido, a porção de sua herança, ele mesmo se encarregou de levar adiante todos os seus projetos de amor e fidelidade incondicional à Aliança estabelecida com o seu povo para sempre. É por isso que nós lemos, muitas vezes, sem entender bem, a expressão “Deus é fiel!”. O povo peca e se afasta do seu Senhor, se rebela, protesta contra seu Deus e o seu servo Moisés. Arrepende-se, e volta atrás, mas o Deus Todo-poderoso não se cansará jamais de manifestar seus carinhos de Pai. E as portas de seu amor se arrebentaram, de modo escandaloso e definitivo, na Pessoa do Seu divino Filho, Jesus Cristo, cuja vida histórica teve lugar em Israel, em Jerusalém. Jesus não foi um fantasma inventado pela fantasia da história dos homens para a “consolação interior de um pequeno grupo de fiéis”. O texto sagrado, especialmente, do Novo Testamento, fala de lugares e personagens reais, que compõem o mosaico da história universal dos Impérios que dominaram o mundo. Mas Ele não foi reconhecido pelos poderosos desse mundo, porque o seu “Reino não era desse mundo” (Jo 18,36). É, pois, na Terra da Palavra que melhor podemos compreender o alcance concreto da imolação de Deus mesmo pela humanidade inteira, libertando-a do pecado e da morte eterna, pelo testemunho inaudito da Ressurreição de Jesus. O túmulo vazio ainda nos surpreende pela vontade que temos de reencontrar o Senhor ali. Imaginamos a aurora do primeiro “Dia do Senhor”, a manhã luminosa de sua ascensão dentre os mortos, com as mulheres que foram ao sepulcro de madrugada e não encontraram o seu corpo santo! Maria Madalena chorando no jardim da vida nova, inclinando-se para ver o lugar onde estava o corpo de Cristo, e onde ela encontrou dois anjos vestidos de branco – um na cabeceira e outro aos pés – que lhe deram a grande notícia, a “Boa Nova” do Evangelho vivo do Senhor! Ela confunde o Senhor com o jardineiro, mas o reconhece quando ele a chama pelo nome: “Maria!” E ela testemunha dizendo: “Eu vi o Senhor”. E, depois, o anúncio que chegou rapidamente aos apóstolos, que tanto se alegraram por verem o Senhor, que lhes confiou a missão de irem pelo mundo todo, pregando o Evangelho do Senhor: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. [...] Recebei o Espírito Santo”! (Jo 20). Aqueles acontecimentos ainda hoje mexem interiormente com os homens de fé. Pois, bem, estamos aqui no coração dos acontecimentos de nossa salvação. 

Bento XVI no Santo Sepulcro

Quantas pessoas de fé gostariam de estar aqui conosco saboreando a grandeza infinita do amor de Deus na Terra da plenitude de sua revelação. Que responsabilidade a nossa, para não deixar correrem em vão os dias aqui decorridos entre as obrigações acadêmicas e a responsabilidade pessoal com o dom que Deus se digno nos presentear! Que lendo e estudando a Sagrada Escritura nós também saibamos escutá-la, a fim de que ela fecunde no mais profundo do nosso ser a vida de Ressurreição que o Senhor nos garantiu com a sua própria Ressurreição, “primícias dos ressuscitados de Deus [daqueles que adormeceram na fé em Cristo], pois assim como todos morrem em Adão, todos reviveram em Cristo” (1Cor 15,20-22). 

 
Templo católico - Igreja

No dia 21 de setembro, domingo [Dies Domini], concelebrei a santa missa com os monges beneditinos do mosteiro de Abu Gosh, uma cidade perto de Jerusalém, com sete mil habitantes, mas totalmente islâmica. Uma celebração muito bem cantada em latim e francês. Fiquei pensando na formação dos seminaristas que não aprendem nem a cantar, lendo a partitura, nem conhecem os textos da liturgia latina. Uma pobreza intelectual que com tempo nos distancia cada vez mais da pureza do louvor dos grandes espíritos imbuídos pela sinfonia do mistério musical. Além da formação que já recebem, os seminaristas deveriam estudar profundamente música, latim e inglês. Essa última parece ter se tornado uma maldição que escraviza a mentalidade humana à submissão estrangeira dos detentores do patrimônio cultural linguístico que invadiu o comércio mundial. Mas não tempos para onde fugir. Todo país decente ensina o inglês como a segunda língua da nação. Em relação aos seminaristas e aos padres, de modo especial, aos das gerações mais recentes como a minha, basta o português mal falado para expressar o conteúdo não muito bem elaborado das elucubrações da homilia. Infelizmente, depois do Concílio Vaticano II, quando o vernáculo se tornou a língua oficial da Liturgia no mundo todo – não que isso tenha sido absolutamente negativo, muito pelo contrário – o latim foi deixado de lado como desnecessário à cultura dos homens da Igreja. Mesmo assim, ela continua sendo a língua oficial da Igreja de Roma. Os padres antigos, que estudavam e falavam latim, como alguns raros que ainda conheço, estão morrendo, e vão levar consigo uma herança filológica privilegiada sem que ninguém possa ver transmitida a outrem. E há os que pensam que estudar latim é voltar no tempo, é ser retrogrado, conservador, tradicionalista. E enquanto preconceitos desse tipo vão passando de geração em geração, a cultura eclesial perde muito de sua própria riqueza. Hoje nem os bispos sabem mais latim. Claro que estou falando dentro do contexto brasileiro, porque em alguns países da Europa o grego e o latim são estudos clássicos e fazem parte do currículo de qualquer estudante. Portanto, há pessoas desse universo acadêmico que conversam em latim. E não são da Igreja, não são atrasados nem contrários ao progresso. 

 
Uma mesquita, templo muçulmano de Abu Gosh

 Mas voltemos à história da Abadia de Santa Maria da Ressurreição, de Emaús das Cruzadas de Abu Gosh. A comunidade sempre recebe turistas do mundo todo e de várias religiões. Ela está situada no Monte de Judá, a uma altitude de 770 metros no espaço de um anfiteatro formado por três colinas, no coração da cidade mulçumana de Abu Gosh por onde passa uma antiga estrada que ligava Jerusalém à costa. A presença humana no local data de 6000 anos A.C., remontando ao período Neolítico. Nômades aí se estabeleceram por causa de uma fonte. Mais tarde, o sito é mencionado na Bíblia com Kyriat Baal (Js 15,9-10), cidade fronteira entre as tribos de Judá e Benjamim; e Kyruat-Yéarim, colina que domina a cidade, onde esteve a Arca da Aliança (1Sm 6,21) antes que Davi fizesse conduzi-la para Jerusalém (2Sm 6,2). Depois, bem mais tarde, os romanos ali se instalaram, a fim de guardar a água da fonte. Durante o período árabe, o local se transformou em albergue de caravanas que se deslocavam de diversas regiões. No ano 1143, os Cruzados – Ordem de São João do Hospital, hoje Ordem de Malta – identificaram o local com a cidade de Emaús e construíram a cripta e a igreja, utilizando o reservatório romano como fundação. Abandonado durante o Reino latino de Jerusalém (1187), a igreja permaneceu em pé. Embora a história seja ignorada, é provável que ela foi usada como abegoaria pelos habitantes da região. Bem mais tarde, em 1873, a igreja foi oferecida à República Francesa pela “Porta Sublime” – uma expressão relacionada ao Império Otomano (Turco – de 1299 a 1922), que dominava a região da Anatólia, do Oriente Médio, de parte do norte da África e do sudoeste da Europa. Em 1900, no início da nave da igreja, um monastério foi construído pelos monges beneditinos da Província Francesa da Congregação do Subiaco – “Subiaco” é um monte relacionado à vida de São Bento de Núrsia, na Itália do século V. Ele é considerado o “pai” do monaquismo do Ocidente, ele criou a regra monástica, que conduzisse a vida da comunidade. Presentes ali até 1953, os monges de Belloc deixam em seguida o local para os padres lazaristas. Depois, em 1976, os monges beneditinos retomam o local, com a chegada de um grupo de monges vindos da Abadia de Bec-Hellouin, da Normandia, na França, e da Congregação de Santa Maria do Monte Olivet, perto de Sena, na Itália. Pouco tempo depois, se junta a eles um grupo de monjas oblatas também vindas de Bec-Hellouin. 

 
Monges rezando

Os monges, muito alegres e gentis, nos convidaram para o aperitivo e o almoço. Uma verdadeira festa entre irmãos. Durante esses últimos tempos que anteciparam minha chegada a Jerusalém, há pouco mais de um mês em que deixei o Brasil, aquela foi a refeição mais completa, rica, nutritiva e solene que eu tive. Vez por outra, isso é bom. Tendo conhecido a estrada, fui convidado a voltar, inclusive, para me hospedar, quando quisesse. Levam a vida comunitária com simplicidade fraterna por meio das atividades que lhes são comuns. Fazem a oração pessoal e comunitária. Realizam trabalhos que ajudam na manutenção da abadia, como o cultivo de ervas e frutas para licores que são vendidos com outros objetos de artesanato local e também artigos religiosos. Quando a comunidade foi formada, no início do século XX, uma das orientações mais levadas em consideração era o fato de que eles estavam sendo enviados ali, não como conquistadores, mas para ser uma “presença cordial” no meio de um ambiente já torturado pelas contendas religiosas históricas e multisseculares. “Presença cordial”: duas palavras que encerram todo um programa de vida que deve ser embalado pela oração, mas também pelo acolhimento a todos os visitantes, independentemente, de sua religião ou profissão de fé. Tudo isso como expressão de que, não obstante as diferenças, mesmo aquelas de enorme peso cultural, é possível viver a autêntica fraternidade.