Um voo para Paris I
Chego a Paris
como quem chega em casa. Não que eu a conheça como gostaria. Estive aqui apenas
uma vez, durante vinte dias, e foi o suficiente para que eu visitasse todos os
lugares que conhecia somente pela história que li ou que me contaram. As outras
cidades são cidades; Paris é um mundo, como já disseram. No entanto, aqui me
sinto mais à vontade com os lugares e a própria língua. Isso dito em relação à
Londres, de onde acabara de chegar. Ainda estava a caminho, “a caminho de
Jerusalém”.
Deixei Londres no
dia 30 de agosto de 2014, e peguei o voo 308 da British Airways para Paris onde
me hospedaria por duas semanas, antes de tomar a direção de Tel-aviv, de onde
seguiria para Jerusalém com o propósito de permanecer dois anos estudando.
Embora o voo tenha durando pouco mais de cinquenta minutos, viajei o dia
inteiro. Saí da paróquia em Londres às 6h30min e cheguei à Casa dos Padres e
Irmãos de Sion, às 17h. Paris não me pereceu mais a mesma depois de minha
passagem por Londres. Embora ainda conserve o seu encanto, pois Paris continua
sendo um luxo aos olhos dos turistas, encontrei uma cidade suja, com muitos
canteiros em construção, o que me fez lembrar os arrabaldes das grandes
metrópoles brasileiras. As estações de metrô muito mal conservadas. Quase sem
nenhuma clara indicação para os turistas. Penso que quem conheceu Paris nos
anos cinquenta, sessenta, e daí por diante, deve ter percebido nela um desgaste
visível a olhos nuns na estrutura do acolhimento da cidade. Não sei se isso
tenha a ver com a primeira vez que estive aqui, tão emocionado por pisar na
Terra de Santa Joana D’Arc. Para sair do Aeroporto, peguei um ônibus
diretamente para a Ópera de Paris. De lá, fui pedindo informações aqui e ali
para chegar ao meu destino. Nem mesmo os parisienses parecem muito à vontade
para entender o sistema de transportes que há algum tempo pareciam mais
acessíveis. Mas essa é a vida de turista! Nem tudo pode ser cem por cento
regular numa cidade que não é a nossa casa mãe. Pouco a pouco, os horizontes
vão se abrindo e a facilidade torna os dias mais aprazíveis e divertidos pelos
bulevares da capital francesa, a famosa “Cidade Luz”. E ela se curva, sempre de
novo, para abraçar e encher os olhos e a memória dos que por ela passaram algum
dia.
Diante da Torre Eiffel
Apesar de os
turistas se perderem ou se desencontrarem em Paris, aqui também muitos santos e
santas encontraram o caminho da intimidade com Deus por meio de sua radical
conversão. Os subterrâneos invisíveis das galerias parisienses mostram aos
olhos mais atentos os lugares por onde eles passaram algum instante de sua
vida. Digo “subterrâneos invisíveis” para falar do que, às vezes, passa
despercebido pela maioria dos turistas que estão em busca de outras glórias
passageiras que não a permanência com os olhos fixos no Senhor Deus. Foi assim
que encontrei a Capela de São Vicente de Paulo, cujo corpo jaz exposto para os
visitantes. São Vicente de Paulo foi um sacerdote que, uma vez convertido,
decidiu entregar sua vida derramando-se de amor pelos pobres. Com Luiza de
Marilac, ele criou a Companhia das Filhas da Caridade, em 1633. Trabalhou
também pela formação do clero, acolheu crianças abandonadas, e experimentou
duras provas de paciência, com resignação, confiando na justiça divina que tudo
vê e conhece. Para muitos, ele é considerado “um gênio da caridade”.
Uma graça
particular é sempre poder voltar à Capela Nossa Senhora da Medalha Milagrosa,
na Rue de Bac, número 140. A primeira vez que ali entrei, em 1999,
imediatamente, senti-me reportado à sala de aula do Seminário Menor “Sagrado
Coração de Jesus”, em Aracaju, onde aprendi a rezar a Ave-maria em francês. Em
1987, o Arcebispo Metropolitano de Aracaju, Dom Luciano José Cabral Duarte,
delegou à professora Rosália Bispo dos Santos, que estudara na Sorbonne de
Paris, a missão de ensinar francês aos seminaristas menores. À época, eu estava
com dezesseis anos. No ano seguinte, todos os seminaristas menores foram
estudar no Colégio Arquidiocesano “Sagrado Coração de Jesus”, cujo diretor era
o Monsenhor José Carvalho de Souza. Um tempo muito difícil e exigente para quem
vinha dos colégios estaduais onde o ensino anterior deixara muito a desejar.
Por conta do que eu aprendera da língua francesa, a professora me chamou à
parte e me disse que, se eu desejasse, ela estaria disposta a continuar o curso
somente comigo. Agradeci a oportunidade, mas, infelizmente, eu não dispunha de
tempo para estudos ulteriores naquele momento. Então, procurei levar adiante,
por conta própria, o que havia aprendido. Isso me valeu ampliar
consideravelmente o conhecimento da língua de Bossuet e de tantos outros
ilustres oradores sacros da França. Escrevia-lhe bilhetes, e ela sempre os
corrigia e me entregava de volta. Falava com turistas franceses na rua. No
Seminário Menor, fazia monólogos, para comentários indiscretos de alguns
amigos. Sonhava com os olhos abertos em conhecer a França. Enfim, aproveitei
cada oportunidade para alargar o universo linguístico do francês, inclusive,
comprando livros, dicionários e gramáticas, a fim de atingir o objetivo
esperado.
Notre Dame de Paris - Catedral
Mais tarde, doze
anos depois daquele tempo do Seminário Menor, a mesma professora me garantiu
uma bolsa de estudos para a Aliança Francesa de Aracaju, de modo que eu pagaria
apenas um valor simbólico. Procurei uma professora que ensinava ali, e ela
pediu que eu fosse encontrar outro professor em um nível mais avançado. E ele,
depois de uma rápida conversa na referida língua, simplesmente me disse: “Se
pensa que pode acompanhar as aulas nessa turma, pode ficar conosco!”. Foi o que
eu fiz. Algum tempo depois, já em Roma, em 2005, na hora de participar de um
curso a partir do qual eu deveria elaborar a monografia ou o TCC – Trabalho de
Conclusão de Curso – o professor me chamou para dizer que eu deveria mudar de
curso, que no caso era chamado de “seminário maior”, porque ele “não lia a
minha língua”. E eu lhe respondi com a mesma petulância de seu deboche: “Não se
preocupe! Escreverei em uma língua estrangeira. Escreverei em francês!”. Ele
ficou horrorizado e argumentou: “Como em francês?”. Ele pensou que eu o fizesse
em italiano. Diante da minha insistência, pois, era um direito meu, ele
prosseguiu com ar de reprovação: “Isso é uma decisão sua!”.
No geral, os
professores da Gregoriana que conhecem o espanhol, também conseguem ler
português, de modo que todos os alunos brasileiros que conheci fizeram sua
monografia em sua língua mater. Pelo que sei até hoje, para o mestrado, eu fui
o único que fiz a “tesina” numa língua diferente. O fato é que a Universidade
Gregoriana apresenta seis línguas tidas como oficiais no ensino ali ministrado.
São elas: italiano, francês, inglês, espanhol, alemão e latim. O português não
faz parte do panorama lexical. Se por ventura, o professor não conhecer um
desses idiomas, azar o dele, porque vai ter de procurar um tradutor para
acompanhar o trabalho do aluno. E eu fiz a monografia em francês. A gente nunca
sabe para o que é que Deus está nos preparando! Em Jerusalém, no primeiro ano
da temporada, os cursos seriam ministrados em francês. Com efeito, o
conhecimento de uma língua estrangeira pode fazer muita diferença em nossa
vida.
A Capela de
Nossa Senhora da Medalha Milagrosa é um lugar de peregrinação de pessoas do
mundo inteiro. Encontrei algumas religiosas brasileiras de São Vicente de
Paulo. Na verdade, estava acontecendo um encontro internacional com 96 freiras
de várias partes do mundo. Uma delas estava encantada e feliz por perceber a
força jovem das consagradas que continuam chegando para consagrar sua vida ao
Senhor na Congregação. Elas acolhem a todos com muita generosidade
e atenção. A programação religiosa do ambiente favorece o recolhimento e a
oração.
À beira do Rio Sena
No dia primeiro
de setembro de 2014, celebrei o aniversario de quarenta e quatro anos de
existência. E o grande presente que Deus me concedeu foi justamente conhecer a
Irmã Dominique que, em conversa com a Irmã Ivete Hoffmann, no início do ano, se
disponibilizou em me ajudar como estudante em Jerusalém. Depois de um passeio
pela manhã, em direção do Rio Sena que atravessa a capital francesa, retornando
pela Avenida São Miguel – Saint Michel
– que desemboca no Jardim Luxemburgo, perto de onde me hospedei na Rua Nossa
Senhora dos Campos – Rue Notre Dame des
Champs – tivemos rápido encontro durante o qual conversamos com simpatia e amizade.
Até pareceu que já nos conhecíamos.