A atitude penitencial
A correta atitude do penitente diante de
Deus é a de reconhecer-se pecador, recorrendo com humildade, à sua misericórdia
e ao seu perdão. Depois do início da Santa Missa, não é nesse sentido a oração
que fazemos: “Senhor, tende piedade de nós”? Embora seja um ato corriqueiro e,
talvez, inconsciente, como tantos outros repetidos dentro da celebração
litúrgica, devemos aprofundar com honestidade de consciência cristã o
significado do pedido de perdão dirigido a Deus.
Um autor moderno afirmou o seguinte: “O
pecado e a culpa não constituem o prioritário no encontro com o Deus de Jesus
Cristo. De fato, há de se reconhecer que uma obsessão pelo pecado ainda está
presente nas celebrações litúrgicas, notadamente, na celebração eucarística”
(Rubio). Entre outras considerações apresentadas pelo referido autor sobre o
assunto, aparece o questionamento de Morano: “Será que, em um encontro
interpessoal, o primeiro a fazer é sempre
pedir perdão? [...]”.
Ou ainda: “Será que estamos levando a
sério a realidade luminosa de que o centro da experiência cristã consiste na
acolhida do amor salvador-libertador de Deus, que nos ama incondicionalmente? É à luz dessa experiência básica que
as realidades do pecado e da culpa ficam iluminadas, e não o contrário. É à luz
do amor e do perdão incondicionais de Deus que as exigências éticas ganham
significado profundo” (Rubio).
Bem entendido, o autor se inquieta com a
suposta preposteração de valores teológicos quanto à precedência do pecado sobre a misericórdia, e nesse sentido, quiçá, ele tenha alguma razão.
Todavia, aceitar o amor incondicional de Deus, mesmo que não exista nenhum
mérito da nossa parte, não significa também jogar um manto de
irresponsabilidade sobre nossas culpas, nossas faltas, e por que não dizer,
sobre os nossos pecados. A experiência bíblica, que relata a invencibilidade de
um amor que não conhece limites, também aponta o fato de que, mesmo se ainda
não amadurecemos suficientemente o bastante para o reconhecer, somos culpados
diante de Deus. A esteira da misericórdia infinita não anula nossa parte de
infidelidade como resposta insuficiente ao amor divino. Portanto, somente o
gesto penitencial, humilde, em relação ao jeito incerto de amar a Deus e aos
irmãos, é capaz de fazer-nos voltar atrás e rever o quanto nos distanciamos dos
braços de Deus. Claro que não deve ser aquela “culpabilidade” mórbida e doentia
que paralisa nosso ânimo contrito, detendo-nos os passos da esperança na
direção do Pai amoroso, que se compadece de todos os seus filhos. Em alocução
endereçada aos participantes do Fórum Internacional organizado pelo Tribunal da
Penitenciaria Apostólica do Vaticano, no dia 7 de março de 2008, o Papa Bento
XVI, entre outras afirmações, disse que não é o pecado que está no coração da
celebração sacramental, mas, antes, a misericórdia de Deus, que é infinitamente
maior do que qualquer culpa nossa. E ele continua falando da necessidade de
que, no coração do penitente, exista o desejo sincero de conversão, pois se
esse constante desejo estiver ausente, infelizmente, a celebração do Sacramento
corre o risco de tornar-se uma coisa meramente formal, que não traz efeito
positivo sobre o tecido da nossa vida cotidiana. E se, além disso, mesmo quando
alguém estiver motivado pelo desejo de seguir Jesus não recorrer regularmente à
Confissão, corre-se o risco de diminuir, de maneira gradual, seu ritmo
espiritual, ao ponto de, talvez, enfraquecê-lo, paulatinamente, tornando-o
cansativo. Isso significa que, no pano de fundo do raciocínio do Papa, está um
propósito, consciente e livre, de recorrência frequente ao Sacramento da
Reconciliação, como possibilidade de real progresso no caminho espiritual da
conversão.
Na indicação do Dicionário de
Homilética, encontramos algumas orientações de formação teológica sobre a
celebração da penitência: “No sacramento da penitência, Deus, que reconciliou o
mundo na morte e ressurreição de seu Filho e infundiu o Espírito Santo para a
remissão dos pecados, mediante o ministério da Igreja, concede ao pecador
arrependido que confessa os seus pecados o perdão e a paz. Segundo a revelação
e a tradição da Igreja, esse sacramento comporta a contrição, a confissão dos
pecados, a obra penitencial, que é remédio para as feridas contraídas com o
pecado e manifesta o desejo de vida nova, a oração de absolvição do sacerdote
que age na pessoa de Cristo e da Igreja” (Dicionário de Homilética).
Tais orientações são exigências
necessárias para que o sacramento seja plenamente satisfeito dentro do
conhecimento que Igreja pede do penitente e do sacerdote. Por exemplo, há
pessoas que vão se confessar, de tal maneira despreparadas, que não sabem mais nem
o “ato de contrição” – em que a pessoa manifesta a consciência profunda de seus
pecados e manifesta vontade de mudança, com o auxílio da graça divina, buscada
no sacramento da Reconciliação – nem o alcance teológico de seu sentido. Alguns
“penitentes” até se apresentam com certo “deboche” quanto à sacralidade do
sacramento, tentando impingir, a todo custo, a absolvição do sacerdote, mas sem
demonstrar verdadeiro arrependimento e vontade sincera de conversão. Para esses
casos, o sacerdote tem o direito, em dever de consciência, de negar-lhes a
absolvição. Por outro lado, infelizmente, há também padres que “inventam” uma
fórmula piedosa qualquer de absolvição para perdoar os pecados, quando não,
para serem agradáveis, não levam a sério a consciência dos pecados do
penitente, diminuindo-lhes a gravidade e, às vezes, nem sequer, considerando-os
pecados propriamente ditos. São abusos cometidos em surdina pelo relaxamento
moral e ético de não poucas consciências dentro da Igreja.
Na carta dirigida aos sacerdotes na
Quinta-feira Santa de 2002, o saudoso Beato João Paulo II escreveu sobre a
importância do sacramento da Reconciliação na vida dos sacerdotes e de todos os
cristãos. No discurso, ele pedia aos sacerdotes para estarem atentos, a fim de
manterem o justo equilíbrio, não incorrendo em nenhum dos dois extremos: o rigorismo, que esmaga e distancia; e o laxismo, que deseduca e ilude as
pessoas. Interagindo com o penitente, o sacerdote deve discernir se ele está
pronto para receber a absolvição. Certamente – continua o pensamento do Papa –
a delicadeza do encontro com as almas, em um momento tão íntimo e
frequentemente sofrido, impõe muita discrição. De modo evidente, o sacerdote
deve supor que, confessando os pecados, o penitente tem por eles uma dor
autêntica com o relativo propósito de emendar-se. Porém, se for constatado o
contrário, o confessor tem o dever de dizer ao penitente que ele ainda não está
pronto para receber a absolvição. Se, de fato, ela viesse dada a quem declara
explicitamente a vontade de não querer emendar-se, o rito sacramental seria
reduzido à pura ilusão, tendo o sabor de um ato mágico, talvez, capaz de
suscitar uma aparência de paz, mas, com certeza, não aquela paz profunda da
consciência, garantida pelo abraço misericordioso de Deus.
Destarte, a riqueza do sacramento da
Reconciliação chega ao coração dos fiéis com os frutos decorrentes da Paixão de
nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo, em nome de quem o padre perdoa os
pecados da humanidade.