sábado, 21 de março de 2015

O Rei Davi


O rei Davi


Como sabemos pela História bíblica, Davi foi o maior dos reis de Israel, eleito e ungido porque agia e se comportava segundo a visibilidade de Deus, que perscruta os corações, sem se deter nas aparências da pessoa: “Não te impressione a aparência nem a sua elevada estatura: eu o rejeitei [afirma o Senhor sobre a pretensa escolha de Eliab]. Deus vê não como o homem vê, porque o homem toma em consideração a aparência, mas Iahweh vê o coração” (1Sm 16,7). Com a rejeição de Saul como rei de Israel, Deus mesmo se encarregou de ungir Davi por meio de Samuel (1Sm 16,1-13). Eis a palavra de Samuel dirigida a Saul, quando rejeitado por Deus: “Agiste como insensato! Tu não guardaste o mandamento que Iahweh teu Deus te prescrevera. Se lhe tivesses obedecido, Iahweh teria firmado o seu reino para sempre sobre Israel, mas agora, o teu reino não subsistirá: Iahweh já achou um homem conforme ao seu coração, e o instituiu para chefe de seu povo, porque tu não observaste o que Iahweh te tinha ordenado” (1Sm 13,13-14).
Por sua vez, Davi reinou durante quarenta anos: sete em Hebron e, trinta e três, em Jerusalém (1Rs 2,10-11).
Segundo Virgulin, Filho de Jessé, da Tribo de Judá, Davi se tornou o fundador do mais vasto império israelita e da dinastia que, por quatro séculos, reinou em Jerusalém. À sua pessoa está ligada a promessa de um reino messiânico. Conforme as informações desse autor, Davi foi um homem de uma personalidade excepcional sob vários pontos de vista. Foi um valente e indômito guerreiro, um conquistador afortunado, um astuto político que soube desfrutar das situações do momento, um sábio organizador do estado, de modo especial, no primeiro período do reinado e foi, também, um équo organizador da justiça. De ânimo generoso, foi fiel com os amigos até a ternura, como demonstrou o seu comportamento com o filho de Jônatas e com o próprio Jônatas, quando ele morreu. Com os filhos, demonstrou ser condescendente até a fraqueza; não soube punir Amon, perdoou o fratricídio de Absalão, sem tomar as devidas precauções. Davi foi cruel com os opositores, fazendo desaparecer a descendência de Saul, dizimando os moabitas e provocando a morte de Urias. Foi um homem religioso, segundo o modelo de sua época; de sincera piedade, recorria à oração e aos conselhos dos homens de Deus, como Gad e Natan. Chegou, inclusive, a aceitar ser expulso do trono com temor de opor-se à vontade divina (2Sm 15,25s). Fez penitência pelos seus pecados, aceitando as sugestões do profeta (2Sm 12,15-25). De igual modo, também, demonstrou-se penitente por ocasião do recenseamento (2Sm 24,17). Finalmente, conclui Virgulin, não é de se excluir o fato de que Davi tenha composto muitos Salmos para o Senhor. Com o passar do tempo, os pecados de Davi foram esquecidos e ele se tornou o rei ideal de Israel, profundamente humano e totalmente dedicado ao serviço de Deus, consoante a sua figura vem apresentada pelo livro das Crônicas e por Sirácida (Sir 47,1-11). Sua trajetória de abandono das leis divinas recrudesceu, quando, “na época em que os reis costumavam fazer guerra, Davi enviou Joab e com ele a sua guarda e todo o Israel, e eles massacraram os amonitas e sitiaram Rabá. Mas Davi ficou em Jerusalém” (2Sm 11,1). Sua permanência em Jerusalém foi a porta aberta da indiscrição para uma sucessiva cadeia de atropelos e pecados que não cessou enquanto ele não caiu em si mesmo, dizendo: “Peccavi Domino!” – “Pequei contra Iahweh” (2Sm 12,13). O teodrama que se desenrola e se desenvolve no contexto inteiro do conhecido “pecado de Davi”, merece a apreciação do leitor no seu conjunto, o que não será possível ser apresentado aqui. Portanto, deixo a citação do texto integral para análise, pelo menos, dentro dos limites do que nos interessa agora: 2Sm 11-12. 

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Depois da habitual sesta, o rei Davi se levantou da cama e começou a passear pelo terraço, de onde avistou uma mulher que tomava banho. “E era bonita a mulher” (2Sm 11,2). Procurou “saber” de quem se tratava e descobriu que era a mulher de Urias, o oficial de seu exército. Considerando-o oportuno, pediu aos emissários que a trouxessem até ele. Deitou-se com ela, que ficou grávida, e para se desfazer do desembaraço em que se havia metido, fez de tudo para que Urias dormisse com sua esposa, talvez, no intento de justificar a gravidez de Betsabeia. Mas Urias recusou-se, não julgando honesto de sua parte, deitar-se em seu leito confortável, enquanto Joab e a guarda do exército do rei acampavam “em campo raso”, isto é, ao relento, sem proteção nem privilégio algum. Derrotado em suas investidas contra Urias, a solução que o rei encontrou foi a mais trágica possível, pedindo que Joab favorecesse que o esposo de Betsabeia, Urias, fosse vitimado, intencionalmente, na guerra, de modo que, de uma vez por todas, a luz vermelha de sua culpa interior parasse o intermitente “acende e apaga” – o “pisca-pisca” – da consciência doída pela inquietação do seu mau e desagradável comportamento aos olhos de Deus. Urias carregou em suas mãos a própria sentença de morte: “Coloca Urias no ponto mais perigoso da batalha e retirem-se, deixando-o só, para que seja ferido e venha a morrer” (2Sm 11,15). Mas nada permanece oculto diante do Deus de Israel, daquele que não dorme nem cochila porque ele vigia, ininterruptamente, “as nações para que os rebeldes não se exaltem” (Sl 66,7). Se Davi pensou encontrar alguma exaltação pela artimanha de sua letal e assassina atitude, os fatos vão demonstrar o contrário, porque os olhos de Deus permeiam o invisível e chagam aos porões inimagináveis de nossas suspeitas mais recônditas ou escondidas.
Circundado por pessoas muito próximas, alguém levou secretamente ao rei Davi o recado de Betsabeia: “Estou grávida!”. O texto sagrado deixa à nossa imaginação o intuir a razão do silêncio sobre esse personagem. Assim, lendo as páginas da Bíblia, muitas vezes, esquecemo-nos do verdadeiro autor da História que, não por acaso, é onipresente. É verdade que somos os protagonistas dos enredos malfadados de nossas escolhas. Todavia, também é verdade que nada escapa à visão penetrante daquele que vai costurando, “com fios de ouro”, na direção de sua pedagogia salvífica, todos os eventos da vida do homem, à espera de que ele se abra ao projeto final de sua total e plena realização.