Dilacerações do Espírito
Na
opinião de W. Michaelis, quanto ao que concerne ao verbo usado por São Paulo [synkakopathéō
– “participa do meu sofrimento”], originalmente, através de sua formação
etimológica, seu significado abraça uma variedade de concepções que podem
dar-nos uma ideia da disposição de quem é capaz de sofrer uma desgraça, sendo
reduzido ao mal, suportando dores, sofrimentos, fadigas, dificuldades,
tormentos, e por aí vai a torrente de dissabores que despedaçam com violência o
espírito humano. Flávio Josefo (37-100 d. C.) – historiador judeu, entre os
mais notáveis de sua época, e cidadão romano, por graça do Imperador
Vespasiano, que o patrocinou – amiúde empregava o verbo no sentido de
encontrar-se em dificuldade, sobretudo, em relação às questões militares.
No
contexto mesmo do vocábulo usado por São Paulo, convidando Timóteo a tomar
parte no seu sofrimento, o exegeta supracitado afirma que, mais do que pensar
que seja necessário sofrer pelo evangelho de Cristo, ou que os sofrimentos
sejam causados por ele, os sofrimentos de São Paulo e de Timóteo servem à causa
do evangelho, pois a capacidade de resistir às tempestades do espírito vêm da força
e do poder de Deus, traduzidos como manifestações das virtudes do Altíssimo.
Trata-se da luta pela fé vivida em meio às próprias exigências do evangelho e
de sua pregação. De fato, assevera São Paulo, com a luminosidade encantadora de
seu pensamento e testemunho: “Somente vivei vida digna do evangelho de Cristo,
para que eu, indo ver-vos ou estando longe, ouça dizer de vós que estais firmes
num só espírito, lutando juntos com uma só alma, pela fé do evangelho, e que
nada vos deixais atemorizar pelos vossos adversários, o que para eles é sinal
de ruína, mas, para vós, de salvação, e isso parte de Deus. Pois vos foi
concedida, em relação a Cristo, a graça de não só de crer nele, mas também de
por ele sofrer, empenhados no mesmo combate em que me vistes empenhado e em
que, como sabeis, me empenho ainda agora” (Fl 1,27-30).
Na
segunda vez em que o mesmo verbo aparece na mesma Carta de São Paulo a Timóteo
(2Tm 2,3), segundo W. Michaelis, não é que Timóteo deva participar
espiritualmente das dificuldades do Apóstolo naquele momento, mas que
igualmente ele deverá, por sua vez, sofrer também entrando assim em comunhão
com aqueles que, como São Paulo, sofrem como verdadeiros soldados de Cristo, ou
seja, resistindo aos sofrimentos que lhes são impostos e, portanto, vencem
combatendo, lutando, perseverantemente. A recomendação de São Paulo a Timóteo é
digna de nota: “Assume a tua parte de sofrimento como um bom soldado de Cristo”
(2Tm 2,3).
São
Paulo fala daquilo que ele conhece profundamente, pois ele o experimentou ao
limite máximo de suas forças em muitas circunstâncias de sua vida missionária.
Quanto cansaço, quanta fatiga, quanta perseguição e obstáculos impostos no
caminho de sua evangelização. Tudo isso tem a ver com o desafio da vida humana
exposta diante de Deus, sem nada poder esconder das solicitudes divinas. Nesse
campo de batalha dura e constante, é onde podemos encontrar a determinação do
radicalismo do seguimento a Cristo, o que São Paulo demonstrou com espantoso
heroísmo.