Perguntas legítimas de quem
sofre
No
Antigo Testamento, a atitude do sofrimento é explicada com outras variantes que
valem a pena ser consideradas no âmbito das aflições que permeiam e, de modo
consequente, aperreiam a paz interior. No livro de Jó, por exemplo, encontramos
a certeza que o justo e temente a Deus – Jó – tem de não ter violado a palavra
divina em nada, mesmo que o vendável do sofrimento abata-se sobre si,
varrendo-lhe todas as posses e todos os bens da vida, inclusive, a família e a
saúde.
Questionar-se
diante de Deus, sobretudo, quando ele se cala, é próprio de nossa humanidade
doída pelas agruras existenciais. O próprio nome do personagem bíblico, já nos
revela a inquietação que nos faz gritar quando Deus parece surdo, mudo,
ausente. Segundo Ludger Schwienhorst-Schönberger “no livro de Jó não se narra
um fato histórico único, mas um acontecimento que diz respeito ao ser humano,
independentemente de particularismos individuais ou cultuais. Visto dessa
forma, o livro de Jó não narra uma coisa do passado, mas algo profundamente atual.
Muitas vezes se deixa de lado. Culturas inteiras tendem a disfarçar. Então, não
raro irrompe sobre nós com tanto mais avassaladora horribilidade; ficamos,
então, mudos e permanecemos como que paralisados diante da pergunta: Onde está
Deus? A pergunta ‘Onde está Deus (no sofrimento)?’ já ressoa no nome de nosso
‘portador de sentido’. A palavra ‘Jó’ origina-se, provavelmente, do acadiano ’ajja’abu, que significa, mais ou menos,
‘onde está (meu) pai?’ [...] Portanto, o nome de ‘Jó’ aponta imediatamente para
o nome do livro: Onde está meu pai? Onde está Deus?”.
São
questionamentos inevitavelmente legítimos de quem espera em Deus e confia nele,
embora os ateus e os ímpios também o façam com tons de deboche e depreciação da
fé dos crentes, a exemplo do que encontramos nos salmos: “As lágrimas são meu
pão noite e dia, e todo dia me perguntam: ‘Onde está o teu Deus?’” (Sl 42,4);
“Por que diriam as nações: ‘Onde está o Deus deles?’” (Sl 79,10;115,12).
Por
sua vez, o salmista também não deixa de externar o descontentamento com as
provas de fé que seu Senhor lhe tem aprontado, apresentado, manifestado, isto
é, com tudo o que, de alguma maneira, causa-lhe sofrimento, aflição: “Piedade,
Senhor! Vê minha aflição! Levanta-me das portas da morte, para que eu publique
todo o teu louvor, e com tua salvação eu exulte às portas da filha de Sião!”
(Sl 9,14-15); “Vê minha miséria e liberta-me, pois não me esqueço de tua lei.
Redime a minha causa e defende-me, pela tua promessa, faze-me viver!” (Sl
119,153-154); “Das profundezas clamo a ti, Iahweh: Senhor, ouve o meu grito!
Que teus ouvidos estejam atentos ao meu pedido por graça!” (S 130,1-2). A
confiança do orante é a certeza de que seu Deus é fiel e, por isso mesmo,
escutá-lo-á no momento oportuno.