Ventos do Ceticismo Agostiniano
Apesar
de ter se convertido ao Cristianismo, Santo Agostinho permaneceu por algum
tempo envolvido nas malhas dialéticas do ceticismo, uma doutrina filosófica
que, ainda hoje, embora sob moldes diferentes e com matizes mais sutis, mas não
menos nociva, continua agindo sobre as pessoas, de modo que elas julgam a
impossibilidade de nenhuma posse da verdade firme ou absoluta como critério
para suas incertezas. Santo Agostinho também passou por esse caminho de
indagação duvidoso, mas de rebrada atenção quanto aos níveis de conhecimento
desejado pela inteligência humana. O radicalismo dos céticos foi assumido, de
modo especial, por Pirro de Élide (360-270 a.C.), a partir de quem se pode
falar dos “pirrônicos” ou do “pirronismo”.
É
por esse tempo que Santo Agostinho começa a degustar da Filosofia apresentada
pelos Acadêmicos, cuja doutrina imergia a inteligência e a capacidade de
conhecer no poço sem fundo do ceticismo, que pregava a incapacidade humana de
conhecer verdadeiramente as coisas. Era preciso duvidar de tudo já que não era
possível ter o conhecimento certo de nada. Santo Agostinho fora contaminado
pela suposta ideia de que os chamados Acadêmicos eram os mais esclarecidos dos
filósofos, quando asseveravam que era necessário duvidar de tudo e que o ser
humano nada pode compreender da verdade, isto é, que ela lhe era simplesmente
inacessível. Todavia, nem mesmo esse novo modo de ver e perceber as coisas lhe
aprazia nem lhe satisfazia a inteligência, desejosa de muito saber. Por
conseguinte, enquanto o homem vagueia infatigavelmente por múltiplas e diversas
filosofias estranhas, julgando-as verdadeiras ou tentando encontrar nelas a
verdade, ao mesmo tempo, ele manifesta no seu “coração inquieto” o desejo
ardente de possuir a verdade, e esta outra coisa não é senão o próprio Deus.
Foi, então, o que aconteceu a Santo Agostinho, um homem com alma de gigante,
cuja talha e envergadura ensoberbecem e encantam a curiosidade de quem o lê,
investigando-lhe a íntima essência da busca incansável de Deus.
Desembaraçando-se
do ceticismo sáfaro que o assaltara, era chegada a hora de folhear as páginas
especulativas do neoplatonismo, levando-o a encontrar “respostas” para o
problema do mal, que o inquietara também durante sua permanência no
maniqueísmo. Ou seja, é justamente por meio do neoplatonismo que Santo
Agostinho chega à conclusão de que o mal nada mais é do que a privação do ser,
a privação do bem, caracterizada como limitação e carência. A partir de então,
sua vida toma novo rumo, enquanto ele intui que o conhecimento de Deus se
adquire com a purificação que liberta o homem de tudo o que é sensível,
dificultando o homem no impulso infrene de sua ascensão para Deus. O vilipêndio
das paixões e a espiritualidade do neoplatonismo tornaram-se atraentes. Santo
Agostinho começava então a sentir o imenso desejo de libertação dos sentidos.
Então, num inesperado voo de sua alma longe da frondosa árvore do ceticismo,
encontrou alegria e satisfação profundas para seu espírito, numa adesão total e
voluntária à doutrina cristã, que, por coincidência, também significava adesão
à fé convicta do próprio Cristo, permanecendo até o fim de seus dias, quando
repousara para sempre em Deus, à sombra dessa incomparável árvore, com todos os
ramos e folhagens inerentemente centrados no tronco da eternidade. Santo
Agostinho se converteu ao Cristianismo, fazendo-se batizar na noite pascal de
387, por Santo Ambrósio, aos trinta e três anos de idade, como reza a Liturgia
da Igreja, que se expressa no eloquente hino que diz: “Com a idade de Cristo
desce às águas, com o pão que nos transforma se nutriu, e da antiga Beleza,
tarde amada, novos selos abriu...”.
“Vá
e viva em paz, pois é impossível que se perca um filho de tantas lágrimas!” Foi
essa a resposta lúcida e contundente, dada por um bispo já meio aborrecido à
Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, quando ela, com exigência quase
intransigente, tentou instigá-lo a ter uma conversa com ele no intento de
dissuadi-lo do mal, refutá-lo dos erros e ensinar-lhe a verdade. Mesmo assim,
as palavras foram recebidas por Santa Mônica como vindas do céu para sua
consolação. Como não beber da fonte inexaurível de espiritualidade que foram a
vida e o testemunho vivo desse imenso farol para o Cristianismo dos séculos
terceiro e quarto! Não apenas de sua vida, mas também de seus escritos muito
profundos. Segundo Daniel Rops, “pensem o que pensarem os preguiçosos e os
tolos, uma das qualidades superiores do escritor ou do artista é a fecundidade”.
Quem
o poderia prever? Do coração inquieto, em busca da verdade, e da angústia de
uma mãe que vê o filho no caminho do mal e do erro, surge uma luz que não se
extinguirá jamais da inteligência que por ela se deixa envolver. O caminho para
Deus é, verdadeiramente, pleno de idas e vindas inopinadas, imprevisíveis. Como
Santo Agostinho mesmo afirmara, num íntimo diálogo com Deus: “Como é
impenetrável o abismo de tuas decisões!”. Assim são os frêmitos de uma alma
totalmente aberta às vicissitudes arrebatadoras do Espírito Divino.