terça-feira, 16 de abril de 2013

E se fosse com o seu filho?

E se fosse com o seu filho? 

 



Ultimamente, tem-se reacendido no Brasil inteiro a possibilidade de reduzir a maioridade penal para os crimes graves e hediondos que algum adolescente possa cometer, tais como estupro, latrocínio e assassinato. Não sou perito no assunto, mas imagino que a discussão é muito mais complexa do que nossa vã filosofia existencial possa conceber ou intuir. O fato é que todos nós ficamos indignados com a assustadora onda de crimes contra a vida humana, em várias raias da sociedade brasileira e, inclusive, com motivações banais: um celular, uma bicicleta, um tênis, um bate-boca frívolo no trânsito, e por aí vai a torrente bestial do comportamento humano que se precipita na usurpação dos bens e da própria vida alheia. 


O estopim incendiário da polêmica é um fato acontecido recentemente em que um jovem assaltante matou um rapaz para roubar-lhe o aparelho celular, poucos dias antes de completar 18 anos de idade. Apenas mais uma amostra corriqueira do quanto vale a vida humana diante da agressividade dos delinquentes de plantão que espreitam suas vítimas acobertadas pela possível e cabível impunidade pelos seus delitos. A sacralidade da vida é devorada pelo sistema frágil e vulnerável da educação e do respeito pelo outro, cuja estrutura não consegue oferecer-lhe segurança nem proteção. A impunidade escancara as portas da criminalidade. Aí, somos tomados pela raiva, pela ira, pela indignação e até pela vontade de “vingança”, o que, geralmente, substituímos pelo desejo de “justiça”.  Porém, que justiça? Difícil mesmo é a gente colocar-se no lugar do outro, assumir o grito desesperado da dor que o invade, num piscar de olhos, sem que nada mais possa ser feito diante de quem lhe foi, assassinamente, tolhido de sua convivência. Pessoalmente, talvez, eu não tenha uma opinião formada sobre o assunto, de modo especial, pela complexidade dos fatores que envolvem o cerne da questão da maioridade dentro dos limites de suas penalidades. Mas, será que um adolescente que se considera apto a votar antes dos dezoito anos não estaria também consciente de suas responsabilidades criminais perante a sociedade? A quem, de fato, interessaria ou não a redução da maioridade penal? São perguntas que deixo aos espíritos mais argutos, que lidam diretamente com as malhas da confusão dos elementos múltiplos que dizem respeito à argumentação. 

Na verdade, quando as coisas trágicas acontecem na vida do vizinho, tudo parece mais suscetível de critérios e possibilidades de remediar o ocorrido. Com efeito, longe do circuito do drama que pervaga a casa e a vida das pessoas, não me permitindo o envolvimento na rede instantânea dos sentimentos que se instaura na emoção das aflições experimentadas e vividas, é mais tranquilo avaliar os estragos alheios. Assim, nada parece falar abertamente à nossa consciência civilizatória, para não dizer o contrário. No entanto, e se o acontecido fosse com o nosso filho, nosso irmão, um parente próximo, alguém dos círculos de nosso convívio, será que reagiríamos com a mesma frieza e indiferença de opinião com que nos arvoramos em juízes da causa alheia? Que ninguém se coloque inume ou acima do rastro de violência e agressividade que golpeia, fatalmente, a vulneração da segurança em que nos julgamos estar protegidos. Quando a dor dói em nós, deixamos extravasar o caudal impetuoso da revolta que poucas palavras ou menos gestos ainda não podem minimizar no âmago de nós mesmos o fulcro operante dos ressentimentos. O governo federal já se posicionou contra a possibilidade da redução da maioridade penal. E, aqui, não estou defendendo nenhuma posição que seja a convicção acertada da superficialidade de meu pensamento. Porém, do mesmo jeito que algumas questões são debatidas abertamente pela sociedade, considero que valeria a pena a sustentação da troca de ideias entre os vários componentes dos grupos sociais. Infelizmente, na contramão de tudo o que poderia ser a manifestação clara, honesta e aberta de altercações pertinentes ao interesse da maioria democrática, que não se sente representada pelas minorias fechadas no pedestal da delegação ou representatividade que lhe fora atribuída, inclusive, por voto direto nas urnas, quando tais minorias querem aprovar certos “direitos” da liberdade das pessoas, fazem-no à surdina e sorrateiramente, sem a participação legítima de todos os afetados nas questões. 


É verdade que as palavras podem provocar associações indesejáveis, mas quando alguns grupos, que se dizem legais representações da maioria, tomam o direito de decidir pela maioria, e contra a maioria, que nem sequer foi consultada, sem colocar a pauta em discussões francas e honestas, eles impõem sua decisão como norma civilizatória de respeito – falso respeito – pela dignidade de terceiros, em detrimento dos direitos sagrados de outros. Somente para soprar o pó da memória esquecida de alguns distraídos pelo afã do vai e vem do quotidiano, não foi justamente isso o que aconteceu quando o Conselho Federal de Medicina [CFM, que alguém o classificou como Conselho Federal da Morte] defendeu a liberação do aborto até a décima segunda semana de vida, desde a concepção? Tudo isso sob o dogma do cinismo de quem, hipocritamente, diz-se “a favor da vida”, contanto que seja “respeitada a autonomia da mulher”. Se patrocinar a morte do feto dentro do útero da mulher não é assassinato, isto é, a imposição de limites à sobrevivência de uma vida própria, o que seria, então? 


Não são comportamentos e palavras que vão além do absurdo de premissas contraditórias e de aberrantes que não justificam a lógica de sua exposição? É como se eu dissesse que gosto muito dos animais, no entanto, se pela estrada eu encontrasse uma filharada de gatos indefesos estendidos no meio do caminho, passaria com o carro por cima deles sem dó nem piedade. Ou que sou a favor da lei seca, contanto que o bafômetro do policial não me flagre embriagado ao volante. Em síntese, tento defender alguma situação comportamental pela qual manifesto atitudes totalmente contrárias ao meu estilo de vida. Como já disseram, a corrupção não é uma invenção nossa, isto é, dos brasileiros, mas a impunidade, sim, é uma criação, originalmente, nossa. Quanto ao mais, o resto que se dane!