quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

 

O NATAL E A ESPERANÇA DA HUMANIDADE 

 


Chegando o Natal, e a esperança da Humanidade se acende numa vacina, testada e aprovada, para combater o covid-19 e reestabelecer os laços humanos de proximidade, de amizade, de afeto, de carinho. Infelizmente, nesses últimos tempos nebulosos da pandemia, arrastamos com o mundo inteiro a agonia da humanidade. Muitos morreram, e outros tantos ainda vão morrer por causa da peste moderna do coronavírus. Mas, e aí, com a chegada da vacina, será que melhoramos? Será que redescobrimos, no meio da tempestade mortífera, que ainda precisamos de Deus? Será que entendemos que somos vítimas de um vírus mais letal do que o covid-19? Será que aceitamos que a vacina que nos cura nada mais é do que um ligeiro afastamento da morte, que virá, mais cedo ou mais tarde? 

A morte é uma certeza vital da qual não poderemos fugir sempre. Mas o vírus do pecado, do afastamento de Deus, pode nos precipitar na morte eterna. Analogicamente, comparativamente, há um abismo de incompreensão entre o aqui e o além, entre a vida cósmica e a transcendente, mas essa verdade da nossa condição transitória nos foi revelada pelo mistério da Encarnação de Jesus, o Salvador da morte eterna. Vivemos nossa liberdade, seguimos nossas escolhas, teimamos em pensar que podemos decidir sobre o bem e mal, sobre a vida e a morte, sobre o certo e o errado, sobre a mentira e a verdade, etc., etc., etc. No entanto, quando o mal nos assombra em demasiado nível de espanto, de morte e de consequências trágicas, que não podemos controlar, rezamos a Deus e lhe pedimos inteligência e sabedoria para contornar os efeitos deletérios da nossa libertinagem. E, assim, depois do golpe da aparente superação do mal, efetivado pela ciência, concretizada numa vacina, talvez, voltemos a nos esquecer de Deus, do dono da História, do Senhor de Tudo e de Todos.

É verdade que a euforia do momento presente, que se alegra com a testagem de uma vacina, deve nos encher de esperança, de entusiasmo e de alegria. Mesmo assim, não podemos nem devemos nos esquecer dos que já pagaram o preço da morte que os precipitou, às vezes, precocemente, no "sono impossível". De fato, a nossa vida é tão cheia de altos e baixos nos movimentos da efemeridade, que até aquilo que, por um instante, pareceria a indicação de uma luz a seguir os passos na direção do horizonte, de repente, pode transformar-se na escuridão de novas incertezas. Porém, não obstante tudo, devemos permitir e ter a segurança existencial de que o Natal de Jesus, no nascimento do Filho de Deus entre nós, é a mais luminosa certeza de que Ele nunca nos abandonou. 

O Pe. Reginaldo Manzotti nos lembrou, com lucidez e fé, que o início da vacinação no Reino Unido começou, exatamente, do dia 8 de dezembro, quando a Igreja celebra, no mundo inteiro, o dia da Imaculada Conceição da Virgem Maria, isto é, d’Aquela em cuja pessoa não há mácula de pecado. "Tota pulchra es, amica mea, et macula non est in Te". (Ct, 4,7). Na proximidade do Natal, essa constatação também é profundamente significativa, não apenas para os cristãos, mas para todos os habitantes da terra sob a sombra tétrica da pandemia do Covid-19. Ou seja, Aquela que nos trouxe no seio virginal o Salvador do mundo, livrando-nos por sua Morte e Ressurreição da condenação eterna, por causa do pecado, segue intercedendo ao Filho em favor do povo sofrido no contexto pandêmico. Na verdade, não bastam somente as descobertas científicas no desejo de uma vacina, mas é preciso igualmente a iluminação divina, a fim de que o homem encontre o caminho da equalização entre os males que afetam o corpo e a eficácia do antídoto que combate sua destruição implacável. Desse modo, apesar da resistência agnóstica ou das barreiras ateístas que tentamos colocar diante da evidência dos fatos, sem Deus, a humanidade continuará cega, tateando, na escuridão de sua contumaz rebeldia e insubmissão, o vislumbre da salvação que não está em seu poder, que não é domínio de sua sabedoria. Por isso, apesar de todos os males causados pela pandemia e de todos os mortos por causa da virulência letal, devemos seguir apostando na bondade de Deus, na misericordia de Jesus, que nos salvou com sua Cruz, e na intercessão de Nossa Senhora, sob todos os títulos que ela comporta em todos os Continentes da Terra.

A celebração do Natal nos traz a luz de que precisamos para atravessar todas as trevas da humanidade; para superar todas as dores do mundo descaído pelo pecado; para curar todas as férias das relações humanas que nos separaram uns dos outros; para mergulhar, humildemente, nossa pequenez e insignificância na grandeza magistral do Menino de Belém, que nos arranca de nossas mesquinhezes e nos introduz no Reino Eterno de sua Redenção. Sim, não obstante toda a escuridão que enfrentamos no ano de 2020, marcado terrivelmente pela pandemia, acendamos as luzes da esperança naqueles que nos ajudaram e nos protegeram e estiveram à frente da batalha pestilenta, com altivez e coragem, tanto no hospitais quanto nos nossos lares, nos serviços emergenciais e em tantas outras dimensões da caridade fraterna que os motivou a não perder o brio de sua vocação e missão humanitária. Com efeito, neles, nós encontramos a manifestação do amor divino como reflexo de sua doação e generosidade em favor de todos nós.

Com certeza, diante do manto de misericórdia e de amor com que tantas pessoas de boa vontade se entregaram umas às outras, Deus estava lá, no esconderijo da caridade, a nos dizer que nem tudo estava perdido, que ainda podemos seguir em frente na confiança de sua bondade universal Salvadora. De fato, a Âncora da Salvação é a presença incondicional do Senhor que, na simplicidade de uma manjedoura, armou sua tenta no meio de nós, superando a noite de nossa escuridão com a luminosidade de sua Redenção. (PGRS).

 

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Cartas d'além mar

 

Cartas d’além mar

 

O gosto pela arte literária arrebenta as bordas do cálice e transborda na ânfora da sede dos intelectuais. Desse modo, mais uma vez, somos brindados pela grandeza magistral da literatura cabralduartiana, isto é, relativa à exposição linguística de Dom Luciano Duarte (1925-2018), que, ao contrário de ser um “franco-atirador da palavra”, como disseram de Friedrich Nietsche (1844-1900), sempre disparava em alvos certeiros, atingidos pela competência ligeira e eloquência franca quando construía suas rápidas elucubrações e desferia as flechas do saber. Trata-se, portanto, de mais um trabalho organizado por aquela a quem considero, carinhosamente, minha “madrinha intelectual”: Ana Maria Fonseca Medina, da Academia Sergipana de Letras.

O estilo cabralduartiano é envolventemente solene em todos os estágios e aspectos de sua leveza e contundência. Com a palavra, ele quase conseguia materializar na fantasia do leitor – ou do ouvinte – desde as emoções mais profundas da existência humana aos lugares físicos da história descritos pelo pincel da argumentação genuína, calemburista e metafórica. No entanto, é preciso mais do que veio artístico para podermos apreciar, na justa medida, o rio caudaloso, travolgente, impetuoso, da artimanha da elasticidade conteudística de suas proposições. Com efeito, a própria experiência antropológica dos mortais sobrevive no tecido dos vocábulos para o deleite dos que não foram esquecidos pelo curriculum de suas façanhas existenciais, porque ressuscitados na memória dos vivos. Sua palavra não é um corte vazio no rasgo dos sentimentos ou na sensibilidade das feridas abertas da alma. Na verdade, carregada de emoções, com vibrações de êxtase interior, flanando vicejante pelas frestas do espírito, a dinâmica da sua grafologia invade a essência da vontade no comando das letras. E elas lho obedecem! No entanto, tudo isso poderia permanecer escondido no segredo do tempo, sem manifestar sua tempestiva novidade, se não fossem a munificência e o interesse de alguém em querer expor, de maneira ponderada e contextualizada na moldura da cronologia experiencial, os textos sincronizados e harmonizados na constituição de um livro. Com efeito, história que não é contada pode também permanecer desconhecida.

Nesse sentido, o mérito da obra poderia ser tripartido entre o autor: Dom Luciano Duarte, que o escreveu; Carminha Duarte, que disponibilizou os textos para publicação; e, evidentemente, Ana Maria Medina, que soube, como em tantas obras suas, garimpar no celeiro da cultura das letras o brilho e a essência das pérolas grafológicas do autor. O próprio título – Cartas d’além mar – já penetra a intuição dos ledores numa atmosfera de saudade e nostalgia que enchem de luz e encanto o horizonte inolvidável de plagas distantes, geográfica e sentimentalmente intensas, enquanto mergulha o saudosismo benéfico da nossa percepção nas profundidades desconhecidas do próprio ser.

Nas palavras da Organizadora, que nos apresenta a Obra, “As cartas são dos anos 1954, 1955, 1956, 1957, período em que buscou na Europa o doutoramento em Filosofia, na Sorbonne. O papel é fino, mas estão muito bem conservadas. Algumas manuscritas e a maior parte escrita à máquina. A atitude preservacionista da genitora do Padre Luciano Duarte, colecionando-as, foi continuada por Carminha, a irmã, o que nos possibilitou fazer esta publicação”. Portanto, dentro desse contexto de erudição literária, continua a Organizadora: “O jovem sacerdote, de apenas 30 anos, despe-se da metáfora da sotaina preta, soturna, sisuda, para revelar a alma delicada do filho e irmão amoroso, saudoso dos seus, do seu país e sensível àquele Velho Mundo, tão novo para ele e pleno de possibilidades culturais. Sem dúvidas, a experiência na Europa protagonizou problemas comuns a qualquer estudante estrangeiro, inicialmente, a barreia da língua, que rapidamente ultrapassou com eficiência, recebendo elogio dos professores; o problema do clima, do ritmo pesado das aulas, enfim, tudo foi superado pela obstinação de o desejo tantas vezes expresso desse sonho do doutoramento na ‘velha e inesquecível’ Sorbonne’”.

Nessa linha de raciocínio, gostaria de registrar também o pensamento do prefaciador, Carlos Pina, igualmente, da Academia Sergipana de Letras: “Surpreende, então, que mais de seis décadas passadas da redação das Cartas, o Autor tenha tanto a nos ensinar quanto à qualificação do comportamento humano, diante da crise dos padrões éticos desta nossa já antiga civilização ocidental”. De fato, a incisão literária da pena cabralduartiana não abandona os ditames axiológicos da perenidade do que sempre foi o correto agir humano, mesmo quando, infelizmente, vez por outra, devamos reconhecer que o dramático panorama civilizacional do ocidente está à beira do abismo ou do descalabro moral, quase sem solução reversível. Mais ou menos, quando a ligeireza da esferografia do autor, precisa sobre os trilhos das letras, segue, com inopinada observação, conjunturas que são praticamente como aquelas que “Não têm solução” (p. 80), ao se referir ao Brasil político, acolhendo, desse modo, a compreensão da poesia de Dorival Caymi.

A obra de 498 páginas foi patrocinada pelo Governo do Estado de Sergipe e entregue à Arquidiocese de Aracaju, a fim de que administre as vendas e os beneméritos pecuniários em atividades pastorais ou educacionais, máxime, na formação dos candidatos ao sacerdócio, por quem Dom Luciano demonstrou tanto apreço e dedicação pessoal, motivando neles a conquista do saber erudito. Ou seja, mesmo ausente, Dom Luciano Duarte permanece colaborando, mediante os frutos de sua atividade intelectual e literária, com a Arquidiocese de Aracaju à qual tanto serviu, com competência, palavra e, sobretudo, verdade. (PGRS). 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

O Beato Carlo Acutis...

 

O Beato Carlos Acutis



Os amigos de Deus também podem se tornar incorruptíveis aos olhos desse mundo. Hoje, no dia em que celebramos a memória de Santa Terezinha do Menino Jesus (1873-1897) – que igualmente morreu jovem e teve o privilégio da santidade, com o seu corpo incorruptível – contemplamos, extasiados a imagem do corpo do Beato Carlo Acutis (1991-2006). Na verdade, o sentido do corpo incorruptível é uma expressão meio forte para o que entendemos por isso. Tanto que a Arquidiocese de Assis emitiu uma nota explicando: "Quando foi exumando no cemitério de Assis, o que se realizou a 23 de janeiro de 2019, com vista à sua transferência para o Santuário - explica Dom Sorrentino - encontrava-se no estado normal de sua condição cadavérica. No entanto, como os anos não foram muitos, o corpo, embora transformado, tinha várias partes ainda com sua forma anatômica. Foi tratado com aquela técnica de conservação e integração habitualmente praticadas para expor com dignidade os corpos dos beatos e santos para a veneração do fiéis. Uma operação feita com arte e amor. A reconstrução do rosto com máscara de silicone foi particularmente bem-sucedida. Com um tratamento específico foi possível recuperar a preciosa relíquia do coração que será aproveitada no dia da beatificação".  

Agora, ele começa a subir os degraus do altar pela sua santificação. Com efeito, a santidade não é uma definição dada pela Igreja nem um prêmio de consolação para os super-heróis da modernidade da História. Pelo contrário, ela é uma confirmação da amizade com Deus durante toda a existência humana, que aponta na direção do alto, não obstante as conjunturas desafiadoras da cotidianidade. Os santos miram Deus em sua plenitude e se unem a Ele pelo esforço de santidade exigido para essa intimidade profunda, radical. A beatificação acontecerá no próximo dia 10 de outubro, em Assis, mas seu corpo já pode ser venerado, desde o início do mês de outubro.

Jovem como tantos outros de seu tempo, amigo da internet e das redes sociais, ofereceu o sacrifício de sua vida pelo Papa Bento XVI. No seu livro biográfico – Eucaristia, a minha estrada para o céu – o autor, Gori, destaca que Carlo não era uma pessoa alienada, mas consciente de ter encontrado Cristo, e a fim de lhe permanecer fiel, estando disposto e pronto para desafiar a opinião comum e os hábitos da maioria. Não teme as críticas nem os escárnios, considerando já algo inelutável, e de onde poderia partir para conquistar seus amigos à causa do Senhor Jesus. Todos recordam, então, seu sorriso, sua serenidade, sua profunda bondade, como sinais daqueles que vivem segundo os estigmas do evangelho e são contagiantes. Trata-se, pois de um apóstolo dos tempos modernos, com os novos instrumentos que o progresso e a técnica colocaram à disposição, de modo que ele consegue anunciar não uma ideia, fechada em si mesma, mas uma Pessoa, um Amigo, com o qual teve um encontro fulminante que transtornou a sua existência. (Gori). Deus não apenas escreve suas maravilhas na história dos homens, mas, também, manifesta o seu poder extraordinário mediante coisas inexplicáveis como é o caso do corpo incorruptível dos santos. Deus e seus mistérios! Quem poderia compreendê-los a fundo?



Curiosamente, o primeiro milagre atribuído ao novo beato, que nasceu na Inglaterra, morreu em Milão e foi sepultado em Assis – por cuja terra tinha grande devoção em virtude de São Francisco, que o admirava muito – foi de um garoto brasileiro de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Acometido por uma doença rara, tocou em uma roupa-relíquia de Carlo Acutis e pediu-lhe a cura. Agora, com a beatificação, o jovem, que foi enterrado de moletom e tênis da Nike – que, por sinal, ao que parece, não se deterioraram – foi considerado um “ciberapóstolo da Eucaristia”, e, assim, exercia o seu apostolado em nome de Cristo. Segundo nosso autor, o tempo transcurso diante da Eucaristia era para Carlo Acutis como uma “escola de amor”. Não somente devia comportar-se bem, mas deveria fazer algo mais: deveria entregar-se a Deus para ser útil aos irmãos. Daí nasce seu zelo pelas almas. Não bastava rezar, era preciso ainda falar de Jesus, de Maria, dos Novíssimos – referentes, segundo a escatologia, às últimas experiências da pessoa, isto é, morte, juízo, inferno e paraíso – e do risco de perder-se. Talvez, pensasse no perigo que as almas correm de desfalecer ou desencorajar-se em relação a Deus. (Gori).

A maior parte de suas férias era vivida, especialmente, em Assis, numa casa da família. Ali, com os jovens amigos Mattia e Jacopo, divertia-se imensamente ao ar livre, parecendo ver a presença do Pobrezinho de Assis, que amou as criaturas e a natureza, reflexos da bondade e da sabedoria do Criador. Como grande explorador que era, Carlo Acutis, desbravava as belezas do lugar, colocava-se a procura de Deus também durante as inocentes caminhadas pelos campos de Assis. O ar puro, o sol, o calor, o vento quente, Carlo e seus amigos, que tinham quase a mesma idade. (Gori). De fato, às vezes, pensamos que os santos são pessoas muito distintas de nós mesmos, quando, na verdade, eles vivem uma vida normal, tranquila nos afazeres da cotidianidade. Contudo, penetrados pelo espírito de uma consciência profunda por estarem, sempre, diante de Deus. É o olhar da graça que tende a agradar a Deus em tudo, o que, certamente, os eleva acima das almas sonolentas em relação às coisas do alto. Mas eles não estão fora do mundo, não são extraterrestres, esperando a nave espacial que os arrebatará para o além.

Como Francisco de Assis, Carlo Acutis também ajudava os pobres, os desamparados, inclusive tirando dinheiro de sua “paghetta”, quer dizer, da sua mesada. Eram gestos inspirados em dois grande santos que foram contemporâneos: São Francisco (1182-1226) e Santo Antônio (1195-1231). Em contextos tão diferentes dos tempos em que vivemos, a marca dos santos são indeléveis em relação à caridade de Cristo que se desvela pelos irmãos até às últimas consequências. Os testemunhos se completam, de modo que, como escrevi, intitulando outro texto sobre esse jovem beato, “santidade não tem idade”. Ou seja, que todos podemos alcançar os bens eternos pelo espírito de abertura às moções do Espírito de Cristo, como fizeram o santos.

Desejamos que o novo beato, Carlos Acutis, interceda, máxime, pela juventude desses tempos difíceis, de percepções rasteiras, sub-répteis, tão desorientada, desenraiza dos valores cristãos na sua imensa maioria. Que o futuro santo de calça jeans, de moletom e de tênis nikeano, seja uma referência e uma bússola norteadora das aspirações sublimes para os nossos jovens, para todos nós. Beato Carlo Acutis, Rogai por nós! Amém. (PGRS).


quarta-feira, 23 de setembro de 2020

 



DOM FRANCISCO AGAMENILTON DAMASCENA 



BISPO DE RUBIATABA-GO 

Não sem comoção e profunda palpitação e júbilo interior, soube de sua nomeação episcopal para a Diocese de Rubiataba. Louvado seja Deus! É o mistério das escolhas divinas que nos alcançam onde quer que nos encontremos.

Agora, no seu coração deve aparecer o vislumbre histórico do caminho percorrido até aqui, entre idas e vindas, permanência nos seminários, dedicação aos estudos, desafios propriamente vocacionais, contato com pessoas do mundo inteiro durante o período de formação. Deus tem seus caminhos e prepara seus eleitos. Quanto a isso, não tenho dúvidas, especialmente quando ele deposita no coração dos consagrados o espírito da mansidão, da humildade e da sabedoria que sempre o acompanhou.

A história pessoal de cada pessoa possui seus mistérios, escondidos na inconsciência do tempo, mas revelados na oportunidade da manifestação da graça divina. Em todas as sendas que percorreu, não apenas vocacional, mas também acadêmica e espiritual, seguindo, de igual modo, as linhas antropológicas das inquietações que o motivaram a ir sempre adiante, com certeza, tudo aconteceu dentro da normalidade da vontade dos homens serenos, que somente andam, e se permitem que as moções do Espírito os conduzam à verdade de si mesmos. E, graças a Deus, em alguns casos, tudo acontece sem a necessidade política do “servilismo de bajulação” que, muitas vezes, eleva a pedestais superiores carreiristas que fazem muito mal à Igreja. Felizmente, sua lisura pessoal, colhendo bem a formação que lhe foi oferecida, não obstante os sacrifícios inerente à existência humana – “cada homem tem seu preço”, já dizia o Pe. Luiz Farias, que nem completou um ano de sacerdócio e Deus o levou – traz agora frutos de sucessão apostólica para o bem da Igreja Universal e Particular que lhe fora apresentada para pastorear uma porção do rebanho do Senhor. Ele é o dono da vinha, não o devemos esquecer! No entanto, Ele está muito próximo de seus colaboradores.

Sua nomeação acontece num dia especial, isto é, quando celebramos a memória de São Pio de Pietrelcina, um grande sacerdote e pastor de almas dos nossos tempos. Zeloso e caritativo em suas obras de pregação, conversão e vivência da palavra de Deus. Rezei a missa de Ação de Graças em latim. Outra feliz coincidência é que sua nomeação aconteça de Francisco para Francisco: dois nomes; duas personalidades; dois indivíduos distintos; um, Romano Pontífice; outro, sucessor dos Apóstolos! Fecundo ministério episcopal.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Aos 50 anos de VidA...

 

Aos50AnoSdeVidA

 

(1970-2020)

A história pessoal não se acaba quando deixamos de existir, sobretudo se tivermos tido a oportunidade de deixar alguma coisa escrita como legado ou herança literária de nossa passagem pela Terra, mesmo que ela contenha nossas próprias inquietações ou insuficiências existenciais. Sim, a história cronobiográfica de uma pessoa não se acaba quando sua vida se fecha na morte! Por isso, à primeira vista, ao primeiro lance curioso do olhar, o tema desse livro não me parece muito comum. Não faz parte de conversas sociais de círculos que se assentam ao redor das mesas nem nos cafés ou nos banquetes festivos dos sorvedores da reflexão humana. Todavia, “às portas da morte, o ser humano recolhe [todas as] suas máscaras e fala sem disfarce”. (Cury).

Marcados que somos pelo envelhecimento natural das vísceras que nos albergam no organismo e pela decorrente consequência da paralisação das articulações biofísicas por todas as resistências da nossa vontade, mas também da incoercibilidade do tempo, não apenas devemos partir como devemos nos permitir a chance da despedida. Com efeito, a cada instante que passa nos despedimos mais um pouco das belezas transitórias da existência, mesmo que a despedida última seja um adeus sem o assentimento pleno da vontade. No entanto, ele precisa ser processado em vista de todas as incongruências inevitáveis do existir. Assim, vamos adiante, até depois do túmulo, em direção à luminosidade intensa e definitiva que nos aguarda do outro lado da sobre-existência pessoal, incomunicável e derradeira. Por isso, sempre me alegro e agradeço por ter vivido mais do que outras pessoas – entre artistas, músicos, escritores, poetas, doutores, filósofos, et alii, famosos ou anônimos, que viajaram mais rapidamente pelo sopro breve da vida – também não por ter sido mais digno ou mais merecedor do que eles. Simplesmente por ter sido meu tempo e minha oportunidade.

Os projetos para a vida de cada pessoa é um segredo dos céus. E não nos foi dado conhecer, até o fim da estrada, o alcance de nossa travessia. Mas vamos seguindo até aonde der e for possível. É o mistério inaudito da nossa perpétua ignorância quanto às curvas cronológicas da estrada individual que percorremos na solidão de nós mesmos. No entanto, não precisamos esperar a morte chegar para descobrirmos até onde poderemos viver. Simplesmente, vivamos intensamente a vida que ainda nos resta por viver, pois, às vezes, o absurdo do mistério da existência é justamente seu desfecho inesperado ou violentamente cortado.

Refletir sobre a morte é a possibilidade que temos para repensar a vida e cultivar melhor seus valores mais sagrados, porque “morrer é uma questão de tempo”. (Santos). E, embora o pensamento preceda à escrita, somente a escritura pode favorecer-nos o amadurecimento do sentido buscado no entretenimento das ideias.

 

sábado, 29 de agosto de 2020

Novo Núncio no Brasil

 

    Novo Núncio Apostólico no Brasil

Apostolic Nunciature, India & Nepal

Nomen meum tene

“O Papa Francisco nomeou o novo Núncio Apostólico para o Brasil: Dom Giambattista Diquattro, até agora Núncio Apostólico na Índia e no Nepal. Mais um italiano que nos brinda com sua presença. Entre outros lugares, mais perto de nós, trabalhou no Panamá e na Bolívia.

Seu lema episcopal é “Nomen meum tene...” – “Tém [imperativo!] o meu nome!”. Com certeza, como geralmente acontece com as escolhas desse moto, trata-se de uma motivação espiritual que anima o candidato disposto a servir a Cristo na Igreja, colaborando na missão evangelizadora. Portanto, nesse sentido orienta a bússola da vida interior dos eleitos do Senhor. 

Bem-vindo, Senhor Núncio Apostólico, Dom Giambattista Diquattro. Nomeado num dia muito especial, 29 de agosto, por causa de seu onomástico: João Batista, quando a Igreja celebra seu ingresso na glória através do martírio, por ter sido testemunha da verdade diante dos poderosos desse mundo...” (PGRS).

sexta-feira, 20 de março de 2020

Coronavírus: para refletir


Coronavírus: um poder ameaçador
que deveria fazer a humanidade refletir

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O coronavírus está aí, aqui, lá, acolá, presente, invisível, ameaçador, destruidor, impactante, assombroso, poderoso, delator... etc. Seriam infinitas as qualificações para essa perturbação da saúde humana que tem paralisado o muno inteiro. De onde ele veio? Para onde está nos levando? Que reações ele tem provocado além das fronteiras das proximidades humana, geográfica, política, econômica, religiosa, racial, étnica, cultural, artística, social, antropológica, humanitária, etc.? Mais do que interrogações pontuais, consectárias de uma pandemia galopante, que tipo de lições ou mensagem ele quer nos deixar?
Autoridades e países estão em estado de choque pela força brutal de um vírus que ainda não se sabe bem a sua origem nem seu destino, embora anunciem na China, onde tudo começou, que o pico da recrudescência já atingiu seu auge e começa a declinar, mas no resto do mundo o risco só aumenta. Então, diante de uma tragédia humanitária de saúde pública, não seria oportuno o momento para a Humanidade refletir sobre si mesma, sobre sua decadência moral, espiritual, civilizatória, descalabro propriamente humano, diante de ideologias deletérias de valores e perspectivas de melhoramento da própria identidade humana? Recentemente, pensava-se, filosoficamente, numa sala de aula da universidade que nunca se provocou tanto as especulações humanas da liberdade de pensamento quanto nos dias que correm. No entanto, esta foi uma das conclusões abordadas na ocasião: não obstante toda a liberdade do pensar e do agir humanos, o “pensamento [a ideia que precede ou preside às ações do homo sapiens] não tem melhorado o ser o humano”. Ou seja, que vivemos tempos de altercações dialéticas de todo tipo, mas sem que o ser pensante se dê conta de que ele só tem piorado em seu estágio de elevação humana e espiritual. Cada um tentando encontrar a verdade sobre si mesmo, mas alheio à transcendência e ao princípio vital de sua intrínseca espiritualidade. Todavia, não é a primeira vez que a humanidade se assombra com uma doença invisivelmente contagiosa, mesmo se reconheço que, durante os quase cinquenta anos das minhas primaveras existenciais, nunca presenciei reações globais de isolamento radical como no momento presente! Nem na época em que o mundo vivia assustado com as ondas locais de terrorismo que ameaçavam algumas capitais da Europa, como Londres, Roma e Madri, enquanto a gente circulava, desconfiando de tudo e de todos, pelas galerias das estações e linhas de trens e de metrôs do velho Continente em 2002.
Desafios humanitários e científicos manifestam a impotência humana diante do desconhecimento da atual virulência inimaginável. Desse modo, o barulho silencioso do novo coronavírus – COVID-19 – está despertando o espírito humano para a solidariedade, a fraternidade, o cuidado recíproco de uns com os outros. Isso tudo porque ninguém se sente mais seguro ou imune às ameaças letais que avançam mundo afora.

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Quando foi que um papa se isolou? Que celebrações de missas foram suspensas? Que aglomerações de pessoas fossem desaconselhadas por terrível ameaça? Que viagens e voos fossem “autoritariamente” proibidos de um continente a outro em nome da proteção viral? Quando em tempos de liberdades tão profundas, pessoas se sentiram vítimas de sua própria liberdade, orientadas a fechar as portas, a estocar alimentos, a não sair de casa senão em conjunturas extremamente urgentes e necessárias? Quando tantas pessoas foram levadas à quarentena compulsória? Quando embarcações gigantescas como são os cruzeiros foram peremptoriamente determinadas a aportar em algum lugar, com autorização expressa de autoridades constituídas, e ali manter seus passageiros em isolamento total? Quando o mundo e as cidades ficaram propositalmente despovoadas por causa de sintomas graves da infestação da perigosa doença? Quando vimos tantas pessoas mascaradas? Quando vivemos isso? Pelo menos, eu não me lembro de ter experimentado pavor tão grande que levou tantas pessoas ao curral invisível do medo viral! Os ventos das contingências humanas estão soprando fortemente para nos dizer o quanto somos frágeis em nossas arrogâncias, em nossas prepotências, em nossa orgulho mesquinho, em nossa psicopatia egoísta, em nossas doenças mentais mais recônditas e escondidas no âmago do calabouço de nossas podridões humanas, morais, autossuficientes e, no entanto, tudo isso congelado pela síndrome fóbica de um vírus.
Onde antes o turismo atraía multidões para o recreio de migrações prazerosas nas megalópoles mundiais, tudo agora se faz deserto, prudência, ponderação e suspeita; onde o vozerio desencontrado de culturas linguísticas e sociais fazia rumor, tudo ali agora é melindre, silêncio; onde ambições políticas e ganâncias financeiras gritavam alto, a brisa suave da discrição tenta acalmar os ânimos, desejando que a tempestade passe logo, para dar espaço ao tempo da bonança, do descanso, do desassombro coletivo e da calmaria maior das nações em ebulição geopolítica; onde cada um cultivava a indiferença doentia, mórbida, diante de seus iguais, com preconceitos e desprezos irracionais, agora o coronavírus coloca todos em pé de igualdade no abraço desconfortante de um perigo letal; onde as leis do mercado ditava as normas exploradoras e abusivas dos poderosos, no momento, o dinheiro acumulado e guardado é distribuído à maneira de lenitivo, para refrear o avanço da calamidade púbica que invadiu povos e nações; onde a vida parecia opulenta e alegre, condicionada pelo materialismo ateu, agora, a cortina da tristeza, da insegurança e do medo, abre-se no palco obscuro da vulnerabilidade dos supostamente fortes e inatingíveis na fortaleza de suas pretensões inapeláveis.
E, assim, no circuito dessas reflexões rasteiras, pontuadas de inquietações e angústias, muitas pessoas já pagaram o preço da pandemia - que não respeita classes sociais, nacionalidades nem etnias, culturas nem raças, cor da pele, nem riqueza, nem pobreza - esgarçando e destruindo o frágil tecido da sublimidade da vida, que se encontra e se desfaz no amplexo fatídico da morte. São flagelos que se abatem contra a humanidade quando ela vive afastada e esquecida de Deus. O mundo contemporâneo já vive aquilo a que, um dia, chamaram de “utopia pós-religiosa”. Uma “utopia humanista-secular do século XXI”, para a qual “sem a tolice da fé, tudo ficará bem, tudo entrará nos eixos”. (Prothero). No entanto, não é essa a segurança da apostasia mundial a que estamos assistindo. Com efeito, a incoerência do ateísmo moderno é sentir as pernas tremeram quando o chão cosmológico de suas certezas e presunções também se abala. E, assim, mesmo quem não desconfia do medo que sente, de igual modo, também sente medo. Portanto, ainda nesse vislumbre de insegurança e fobia, os cristãos, que nunca temeram o martírio, nem a fome, nem a peste nem até a própria guerra em tempos de crises, não obstante os temores próprios da humanidade, agora vivem acuados por causa da séria gravidade de um vírus que grassa sobre todos nós. Atitudes mundiais de coragem de médicos e enfermeiros, entre tantos outros agentes de saúde ou de outros órgãos de auxílio humanitário, tentam trazer consolo e esperança a todos. E os que já perderam seus entes queridos, sobretudo, na China e na Itália, como em outras partes do mundo, vendo desaparecerem sem o devido momento de despedida natural, sem velório, sem orações nem exéquias, merecem a condolência de todos nós. Estamos todos prostrados!

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Como diria um autor moderno, o Venerável Fulton Sheen, sobre tempos nebulosos e obscuros da história humana, “A Guerra Mundial, por exemplo, quis ser o purgatório do mal; quis nos ensinar que não podemos seguir sem Deus. Mas o mundo se recusou a aprender a lição”. Então, que esse experiencia terrível e tremenda da história atual também nos ensine algo e que possamos aprender a lição. Deus proteja o mundo, livrando-o, o mais rápido possível do mal que nos perturba e nos conceda a graça de renascermos da crise mais humanos, mais fraternos, mais fortes e mais fiéis aos princípios de suas leis, porque sem Deus só pioramos. (PGRS).


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Querida Amazônia

Querida Amazônia

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Diferentemente dos aspectos polêmicos que muitas pessoas gostariam que o Papa Francisco abordasse na Exortação Apostólica Pós-sinodal, Querida Amazônia, o texto é profundamente substancioso e sereno quantos à riqueza e aos desafios que Igreja sempre enfrentou na extensão geopolítica da região continental da Amazônia.
O Papa Francisco demonstra, evidentemente, muitas preocupações pontuais em razão da história dos povos que ali habitam – sua cultura indígena, suas festas e danças, seus símbolos culturais, tradições propriamente indígenas etc. – sem desconsiderar a presença da Igreja, da evangelização, da inculturacão do Evangelho, das deficiências pastorais – mas também trazendo a lume, do ponto de vista ecológico e humanitário, a importância física da Amazônia para a sobrevivência dos povos de toda a Terra. Tudo isso dentro do contexto da preocupação eclesial que está sempre presente no coração do Santo Padre, inclusive reconhecendo alguns equívocos no exercício da missionariedade pelo que, também, pede perdão e renova o compromisso da Igreja: “[...] a Igreja não pode estar menos comprometida, chamada como está a ouvir os clamores dos povos amazónicos, ‘para poder exercer com transparência o seu papel profético’. Entretanto como não podemos negar que o joio se misturou com o trigo, pois os missionários nem sempre estiveram do lado dos oprimidos, deploro-o e mais uma vez ‘peço humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América’ e pelos crimes atrozes que se seguiram ao longo de toda a história da Amazônia. Aos membros dos povos nativos, agradeço e digo novamente que, ‘com a vossa vida, sois um grito lançado à consciência (…). Vós sois memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum’” (n. 19).
Outra inquietação do Papa está relacionada ao que ele chamou de “indigenismo completamente fechado, a-histórico, estático, que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem”. (n. 37). E ele continua no mesmo parágrafo, de modo que, assim sendo, “Uma cultura pode tornar-se estéril, quando ‘se fecha em si própria e procura perpetuar formas antiquadas de vida, recusando qualquer mudança e confronto com a verdade do homem’. Isto poderia parecer pouco realista, já que não é fácil proteger-se da invasão cultural. Por isso, cuidar dos valores culturais dos grupos indígenas deveria ser interesse de todos, porque a sua riqueza é também a nossa. Se não progredirmos nesta direção de corresponsabilidade pela diversidade que embeleza a nossa humanidade, não se pode pretender que os grupos do interior da floresta se abram ingenuamente à ‘civilização”. (n. 37). Desse modo, o Papa reconhece ainda que “mesmo entre os distintos povos nativos, é possível desenvolver ‘relações interculturais onde a diversidade não significa ameaça, não justifica hierarquias de um poder sobre os outros, mas sim diálogo a partir de visões culturais diferentes, de celebração, de inter-relacionamento e de reavivamento da esperança’”. (n. 38). Ou seja, no geral, Romano Pontífice se detém muito em relação aos direitos dos povos indígenas, à complexidade dos problemas relacionados ao desenvolvimento dos grupos sociais, como, por exemplo, exigindo o “protagonismo dos atores sociais locais a partir de sua própria cultura”. (n. 40).  

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Numa visão mais ecológica e humana, constata-se que “Numa realidade cultural como a Amazônia, onde existe uma relação tão estreita do ser humano com a natureza, a vida diária é sempre cósmica. Libertar os outros das suas escravidões implica certamente cuidar do seu meio ambiente e defendê-lo e – mais importante ainda – ajudar o coração do homem a abrir-se confiadamente àquele Deus que não só criou tudo o que existe, mas também Se nos deu a Si mesmo em Jesus Cristo. O Senhor, que primeiro cuida de nós, ensina-nos a cuidar dos nossos irmãos e irmãs e do ambiente que Ele nos dá de prenda cada dia. Esta é a primeira ecologia que precisamos. Na Amazónia, compreendem-se melhor as palavras de Bento XVI, quando dizia que, ‘ao lado da ecologia da natureza, existe uma ecologia que podemos designar ‘humana’, a qual, por sua vez, requer uma ‘ecologia social’. E isto requer que a humanidade (…) tome consciência cada vez mais das ligações existentes entre a ecologia natural, ou seja, o respeito pela natureza, e a ecologia humana’. Esta insistência em que ‘tudo está interligado’ vale especialmente para um território como a Amazónia”. Aqui o Sumo Pontífice reclama a urgência de considerarmos a interligação entre ecologia, humanidade e anúncio da verdade de Cristo, que salva o homem e o mundo. Essa seria uma “ecologia cristocêntrica”, com referência ao que nos ensina São Paulo: “a criação foi submetida à vaidade [...] na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus – liberabitur a servitute corruptionis in libertatem gloriae filiorum Dei. Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores do parto até o presente”. (Rm 8,21-22). Daí o fato de o Santo Padre destacar também a importância da água no ambiente amazônico, o que encontramos, poeticamente, nos números 43 a 46. Vale a pena a leitura desse texto.
Indo mais além, não obstante a colocações sob a ótica das reflexões propriamente ecológicas, o pensamento do Papa se estende, e não poderia ser diferente, sobre o que é mais primordial ainda quanto ao papel evangelizador da Igreja na região: “Eles têm direito ao anúncio do Evangelho, sobretudo àquele primeiro anúncio que se chama querigma e ‘é o anúncio principal, aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar duma forma ou doutra’. É o anúncio de um Deus que ama infinitamente cada ser humano, que manifestou plenamente este amor em Cristo crucificado por nós e ressuscitado na nossa vida. Proponho voltar a ler um breve resumo deste conteúdo no capítulo IV da Exortação Christus vivit. Este anúncio deve ressoar constantemente na Amazónia, expresso em muitas modalidades distintas. Sem este anúncio apaixonado, cada estrutura eclesial transformar-se-á em mais uma ONG e, assim, não responderemos ao pedido de Jesus Cristo: ‘Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura’” (Mc 16, 15). (n. 64). Sabiamente, o Papa não deixa escapar a oportunidade de desqualificar o papel que algumas ONG’S que se colocam pretensamente a serviço dos povos indígenas, mas, na verdade, terminam por aproveitar da situação para escravizar ainda mais os índios sem a devida tutela de seus reais direitos de sobrevivência. De qualquer modo, em relação à pregação do Evangelho de Cristo, o Papa é incisivo: “Qualquer proposta de amadurecimento na vida cristã precisa de ter este anúncio como eixo permanente, porque ‘toda a formação cristã é, primariamente, o aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne’. A reação fundamental a este anúncio, quando o mesmo consegue provocar um encontro pessoal com o Senhor, é a caridade fraterna, aquele ‘mandamento novo que é o primeiro, o maior, o que melhor nos identifica como discípulos’. Deste modo, o querigma e o amor fraterno constituem a grande síntese de todo o conteúdo do Evangelho, que não se pode deixar de propor na Amazónia. É o que viveram grandes evangelizadores da América Latina como São Toríbio de Mogrovejo ou São José de Anchieta”. (n. 65).
Outrossim, como não seria de apreciar aqui texto tão fecundo e profético no contexto de sua abrangência eclesial, especialmente, devotado às populações da Amazônia, o Santo Padre, em nenhum momento, talvez para frustração de quem desejaria o contrário, nem de longe, mencionou a possibilidade de ir buscar os viri probati – homens provados, de fé íntegra e de incólume testemunho cristão, dentro do Sacramento do Matrimônio – para ordená-los padres, mesmo depois de escorreita e devida preparação teológica. Todavia destacou a importância dos sacerdotes para a celebração da Eucaristia (números 91 a 93); a presença fidedigna de leigos bem preparados e engajados no labor pastoral (números 94 a 96); e enfaticamente da presença dos mulheres, que não deixam morrer o serviço da evangelização e a conservação da herança cristã da fé recebida (números 99-103). E, como não poderia ser diferente, o Papa insiste na atitude eclesial da oração pelas vocações sacerdotais, religiosas e leigas: “Esta premente necessidade leva-me a exortar todos os bispos, especialmente os da América Latina, a promover a oração pelas vocações sacerdotais e também a ser mais generosos, levando aqueles que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazônia. Ao mesmo tempo, é oportuno rever a fundo a estrutura e o conteúdo tanto da formação inicial como da formação permanente dos presbíteros, de modo que adquiram as atitudes e capacidades necessárias para dialogar com as culturas amazônicas. Esta formação deve ser eminentemente pastoral e favorecer o crescimento da misericórdia sacerdotal”. (n. 90).
Enfim, o texto apresenta um diagnóstico eclesial de profunda realidade vivida pelos povos da Amazônia, mas também que diz respeito ao ambiente mais amplo da Igreja de Cristo, com seus desafios, suas propostas de evangelização, com a necessidade de protagonistas mais fiéis e pontuais, sobretudo diante das exigência evangélicas. Mesmo sabendo que a doutrina nem a catequese sejam aceitos por todos, a preocupação do Santo Padre incentiva a necessidade de, pelo menos, ao que estiver ao alcance de todos não descuidar do fato de que “Ao mesmo tempo que acreditamos firmemente em Jesus como único Redentor do mundo, cultivamos uma profunda devoção à sua Mãe. Embora saibamos que isto não se verifica em todas as confissões cristãs, sentimos o dever de comunicar à Amazônia a riqueza deste ardente amor materno, do qual nos sentimos depositários”. Assim seja! (PGRS).


terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Dom Dilmo Franco de Campos


Dom Dilmo Franco de Campos
Primeiro bispo da minha turma de filosofia em Teologia, em Brasília

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No dia 25 de janeiro de 2020, dia festa da conversão de São Paulo, foi sagrado o primeiro bispo da minha turma, egresso daquela casa de formação. De 15 sacerdotes ordenados para vários dioceses do Brasil, dois deixaram o ministério sacerdotal e um, de Formosa, faleceu. Pois, então, Dom Dilmo Franco de Campus, foi nomeado pelo Papa Francisco no dia 27 de novembro de 2019, aos 47 anos de idade, com 22 anos de exercício do ministério sacerdotal. Era a minha turma dando frutos de sucessão apostólica. Uma alegria incomensurável. Filho de Formosa, no interior do Estado de Goiás, foi sagrado na catedral sede da Diocese onde também fora ordenado sacerdote. O bispo sagrante principal foi Dom João Casimiro Wilk, bispo de Anápolis, para cuja diocese Dom Dilmo foi nomeado o primeiro bispo auxiliar, sendo o bispo titular de Itá - uma sede episcopal antiga, que não existe mais. Essa é uma tradição na Igreja Católica Apostólica Romana. Todos os bispos que assumem alguma função na Igreja – como, por exemplo, bispo auxiliar, núncio apostólico, secretário de Estado do Vaticano, et alii – recebem uma sede episcopal imaginário. Entre os bispos consagrantes, estava Dom Waldemar Passini Dalbello, que fora nosso contemporâneo em Brasília, durante seus estudos de Teologia. O outro, Dom Aldair José Guimarães, Bispo de Formosa, veio do clero da Diocese de Uruaçu, tendo passado por outra diocese.

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CONGRAGAVIT NOS IN UNUM CHRISTI AMOR

Dom Dilmo assumiu como lema episcopal Congragavit nos in unum Christi Amor - O amor de Cristo nos uniu! A sagração episcopal é o terceiro grau do sacramento da Ordem. Quando éramos seminaristas em Brasília, Dilmo me fizera uma proposta, dizendo: "Gigi - era assim que me tratava - se, um dia, você for morar em Roma, você vai me dar uma bíblia, em latim, de presente". Aceitei o trato, mas me esqueci de fazer a contraproposta: "E, se você for, você compra sua Bíblia". O fato é que eu fui antes dele e, depois, nos encontramos pelas paragens da cidade de Rômulo e Remo. Então, como a bíblia era cara, manifestei o desejo de cumprir a promessa apenas com o Novo Testamento, que era, inclusive mais simples e portátil. Mas ele não o aceitou. Portanto, resolvi comprar uma bíblia bem grande, edição da vulgata, só para fazer mais volume na sua bagagem. E, desse modo, mais uma vez, o vento da história sopra o pó de nossas reminiscências. Dom João Wilk, polonês, muitas vezes, foi recebido por mim no Seminário Maior de Brasília quando eu era seminarista e compunha a equipe do economato, ajudando da administração das finanças, sob à liderança de um padre formador. Ele era o responsável direto pelo pagamento da mensalidade dos franciscanos. Era um bom pagador, fiel, não atrasava!
Sobre Dom Waldemar Passini Dalbello, posso narrar o fato de eu ter conseguido para ele hospedagem de cinco dias em Paris, quando de sua primeira viagem a Israel. Um dia, ele, ainda seminarista, precisou fazer uma ligação para o Canadá com o intuito de falar com um padre que fora formador em Brasília, o Pe. Paul Terrio, que, algum tempo depois,  em 2012, foi nomeado bispo da Diocese de São Paulo, em Alberta, naquele país.  Dom Paul Terrio foi o meu primeiro diretor espiritual em Brasília. Então, por não falar francês ainda, pediu, sob sigilo, que fizesse a ligação para o Canadá, chamando-o em francês. A partir daquele colóquio, Dom Waldemar pôde organizar sua viagem para breves estudos de hebraico em Jerusalém. Voltando, permaneceu cinco dias em Paris, hospedado na casa geral da Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora. Quem o conseguiu para mim, foi a Ir. Maria Alice Portela, uma santa religiosa que Deus me concedeu a graça de conhecê-la. Na ocasião, o jovem Waldemar me trouxe um livro com informações turísticas sobre Paris no qual escreveu: "...para uma preparação antecipada de sua visita à capital francesa". Em 1999, durante o mês de agosto, eu estava lá, conferindo as novidades da histórica Paris que já conhecia pela fama, e pelos livros, e pelo idioma neolatino.
Assim é a história dos homens, assim é também a história da Igreja de Cristo. Basta um piscar de olhos, pousando o raio da visibilidade sobre o mosaico dos seus personagens, para descobrirmos quantas personalidades se cruzam no mapa das nossas investigações mentais. Ninguém é estranho a ninguém quando expandimos o leque das boas recordações de fatos e pessoas.