terça-feira, 26 de março de 2013

Via Crucis Domini Mei!

Via crucis Domini Mei 

 



Via crucis Domini mei é uma expressão da bela língua latina que significa: “A via-sacra [‘o caminho da cruz’] do meu Senhor!” Foi, pois, essa a inspiração que me veio quando pensei em escrever sobre os dias santos que estamos vivendo com a chegada da Semana Santa. No Domingo de Ramos, Cristo entra, de maneira inesperada, mesmo se anunciada pelas profecias antigas, na Cidade Santa de Jerusalém, aclamado como o rei messiânico esperado pelo povo de Israel. Mas, a expectação de um rei terreno, capaz de estabelecer tempos de paz no meio de um povo dominado pelas nações estrangeiras – o que acontecera ao longo dos séculos com o povo eleito do Senhor – certamente frustra o desejo do coração dos filhos de Deus, cuja promessa tem mais a ver com as coisas do alto e com a herança espiritual divina do que com as coisas próprias da terra. Que povo oprimido não cansa da tirania de seus déspotas? Que povo, humilhado de todo tipo no frenesi de suas esperanças, não deseja tempo novo de libertação e glória, mormente, pelo fato de se tratar do sonho de uma promessa divina? 

 


O ar da liberdade se respira onde não existe nenhum modo de condicionamento externo, perpetrado pelas forças do poder caudilhista de governos totalitários e onipresentes na vida de um povo. Israel sentia falta dessa dimensão livre de todos os povos. A potência do Império Romano grassava sempre mais sobre os territórios da Palestina, e, então, seria normal, depois de tantos anos de expectativa, de repente, perceber a chegada de uma nova aurora sobre os escombros da opressão que se arrastava por séculos acima da comunidade judaica. Eis que aparece o Messias, montado sobre um jumentinho, filho de uma jumenta, conforme a citação simplória do texto do profeta Zacarias: “Exulta muito, filha de Sião! Grita de alegria, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti: ele é justo e vitorioso, humilde, montado sobre um jumento, filho da jumenta. Ele eliminará os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém; o arco de guerra será eliminado. Ele anunciará a paz às nações. O seu domínio irá de mar a mar e do Rio às extremidades da terra” (Zc 9,9-10). Destarte, comparável a um rei de guerra que chega para a batalha, é anunciada a vinda do Messias no meio de seu povo. Todavia, nada é como parece ser à primeira impressão do leitor nem dos espectadores presentes no evento. De fato, quem é esse Messias e qual a sua função pedagógica em meio ao vendaval histórico em que se encontra o povo de Israel? Ainda mais, agora, depois que o Cristo conseguira atrair alguns seguidores pelas estradas empoeiradas de Israel e nas proximidades do lago de Genezaré, quando se deparou com alguns pescadores, que, de chofre, abandonaram, as redes e o seguiram prontamente (Mt 4,18-22)! 



A dinâmica dos acontecimentos de dureza e perseguição despertou no povo o sentido de um messianismo libertador imediato, cujas promessas estariam a ponto de concretizarem-se no balanço circunstancial das imprevisíveis motivações do novo líder que despontara. Contudo, as razões de seu aparecimento demonstraram-se contrárias à novidade desejada. Seu messianismo estava revestido de uma autoridade que não era desse mundo, como vemos nos poderes políticos e governamentais de todos os tempos. Enquanto homens anelaram o prestígio e a veneração dos deuses, Cristo, por sua vez, mesmo sendo o Filho de Deus, e, portanto, participante da natureza da própria divindade, e “estando na forma de Deus não usou de seu direito de ser tratado como um deus, mas se despojou, tomando a forma de escravo. Tornando-se semelhante aos homens e reconhecido em seu aspecto como um homem abaixou-se, tornando-se obediente até a morte sobre uma cruz” (Fl 2,6-8). O mistério da humildade de Deus que se faz igual aos homens em tudo, exceto no pecado, inicia o ingresso na glória pela simbologia dos dias tensos, de angústia e de dor, de sofrimento e de morte, que culminam na manhã luminosa da Ressurreição. Mas, antes, é preciso que Cristo viva em plenitude o seu “êxodo”, como a semente que necessita morrer na escuridão da terra para germinar e produzir os devidos frutos no momento oportuno. Com efeito, “se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto” (Jo 12,24-). É o Filho de Deus que, moído pelos nossos pecados, restaura nossas feridas mais profundas, trazendo-nos a alegria salutar e perene da sua Ressurreição eterna. A glória de Cristo ressuscitado manifesta o triunfo da cruz pela humilhante, mas voluntária, obediência ao projeto do Pai. Segundo Angélico Poppi, a hora da paixão de Jesus coincide com a hora da glorificação. A pequena semelhança com o grão de trigo (versículo 24) mostra analogias com as parábolas sinóticas da semente (Mc 4,1-9.26-32 e paralelos). Porém, no evangelho de São João, o acento é colocado sobre a necessidade da morte, a fim de que possa trazer frutos; já os sinóticos enfatizam a certeza da colheita abundante, não obstante a insignificância da semente e os obstáculos para desenvolver-se, amadurecendo. Se, no contexto dos sinóticos, Jesus pretendia reforçar a fé vacilante dos discípulos pela lentidão do reino, aqui, em São João, ele anuncia, de modo profético, a urgência da própria morte para a atualização do projeto salvífico do Pai em favor, inclusive, dos pagãos, como aqueles que vieram da Grécia querendo ver Jesus (Jo 12,20-22). 



Depois de tantos séculos passados, ainda somos chamados a pendurar nossos olhos no Cristo crucificado, pois a compaixão e a misericórdia de Deus jamais se cansarão de encher todos os espaços vazios do tempo e da vida das gerações humanas. No entanto, o indiferentismo diante do Crucificado e da manifestação radical de seu amor pelo mundo, pela criatura humana, é o mais triste reflexo de uma sociedade que pensa bastar-se a si mesma. É o que presenciamos durantes os dias sagrados quando bares abertos e carros de som, nem sequer, respeitam a devoção dos que ainda tentam externar sua fé e sua gratidão ao amor divino que se derrama da cruz do Redentor sobre todos os homens. A semana santa dos pagãos, simplesmente, alarga, cada vez mais, o abismo interior do vácuo espiritual que os consome numa vida sem sentido, sem Deus mesmo. 



“Ó Dulcíssimo Jesus, amado Redentor! Como ainda vivemos tão longe e distantes da vida da graça que o Teu sacrifício na cruz quis presentear-nos! Quanto tempo perdido em busca das migalhas mundanas que jamais preencherão os mais íntimos desejos da alma que se desencontra no garimpo inconsistente de tanta banalidade! Que o teu grito na cruz desperte nossa consciência para que se aproxime mais da fonte de águas cristalinas que jorram para a vida eterna e que brotam do seu lado aberto pela lança. Dá-nos a oportunidade de encontrar o nosso devido lugar no mistério de tua eterna redenção”. Amém! 


 








Quando dois Papas se encontram!

Quando dois Papas se encontram 

 

  
Há muito pouco tempo, há menos de meses, quem poderia imaginar que presenciaríamos o histórico fato de dois papas se encontrarem? Foi somente o Papa Bento XVI anunciar que renunciaria ao Pontificado no dia 28 de fevereiro de 2013, para o coração dos cristãos e dos curiosos do mundo inteiro excogitar a extraordinariedade do acontecimento. Um fato nunca noticiado em quase seiscentos anos. Já do dia doze de março, antes mesmo que o mundo conhecesse o novo Romano Pontífice, o Papa Francisco, eles já tinham trocado algumas palavras por telefone, linha direta da Capela Sistina para Castelgandolfo, onde se encontrava o Papa Emérito. 
 


No encontro, acontecido na manhã do sábado dia 23 de março de 2013, o Papa Francisco, que chegou de helicóptero em Catelgandolfo, presenteou Bento XVI com um ícone de Nossa Senhora da Humildade, enfatizando o grande testemunho que o Papa Bento XVI dera durante o seu Pontificado, inclusive, com a renúncia, depois de reconhecer que suas forças haviam diminuído nos últimos tempos, de modo que gostaria de deixar o posto ao seu Sucessor mais jovem e com mais energias para a missão. Dois Papas que se olham nos olhos e se consideram irmãos: “Somos irmãos”, afirmou o Papa Francisco. Durante o encontro, tiveram uma conversa reservada de 45 minutos, trocaram presentes e almoçaram juntos. Depois do almoço, fizeram breve passeio pelos jardins internos de Catelgandolfo. Enquanto isso, para variar, os jornalistas, sempre indiscretos, com línguas ervadas de sucos dialeticamente venenosos, tentavam sugerir os temas discutidos pela histórica reunião dos papas. Os problemas recentes que afetaram a vida da Igreja e o Pontificado de Bento XVI. Os casos de pedofilia, o roubo dos documentos pontifícios, que foram publicados em forma livro, a situação administrativa do Banco do Vaticano, entre outros temas correntes, ao sabor do palpite de repórteres e vaticanistas, tudo deixou em suspense o verdadeiro conteúdo da conversa. 

 


Pelo menos, o encontro serviu para fazer calarem as línguas maldosas que imaginaram que Bento XVI criaria dificuldades desnecessárias ao novo Papa, com estilo totalmente diferente do seu. Um latino americano e outro europeu. Quantas comparações já não foram feitas entre os dois! Ninguém é igual a ninguém, pois cada ser humano faz valer as características de sua história pessoal, de sua cultura, de seu tempo, de suas percepções afetivas e dialéticas, enfim de tudo aquilo que compõe o bojo formativo de sua personalidade. Claro que Jorge Mário Bergoglio, atual Papa Francisco, não poderia mudar tão radicalmente seu jeito de ser, simplesmente, porque fora eleito Papa. Muito pelo contrário, agora, seu estilo de pastor torna-se mais evidente e claro porque diante dos holofotes indiscretos do mundo inteiro. A simplicidade de seus gestos não é fruto do desejo instantâneo de aparecer ou de querer ser aplaudido por ninguém. Lembro-me de que, antes das últimas eleições na Itália, um jovenzinho jornalista criticava, abertamente, o Primeiro Ministro Mário Monti por exibir ostentação ao ser católico, sempre indo as Igrejas e sendo fotografado pelos paparazzi de plantão. Sua resposta não poderia ter sido mais serena: “Eu não tenho culpa se em qualquer lugar onde me encontro sempre tem alguém querendo fotografar-me! Nunca chamei ninguém para me acompanhar”. O mesmo acontece com todos os Papas, embora o serviço fotográfico seja especializado e reservado uma equipe do Vaticano. O fato é que, como reza a filosofia, “agere sequitur esse!” [“o agir segue o ser”]. Trata-se de uma máxima filosófica para determinar o fundamento metafísico da pessoa humana na sua essência existencial. Isso para dizer que a pessoa que virou Papa não abandona, como por uma cisão radical de comportamento, os trejeitos próprios de seu caráter, intrinsecamente, pessoal. 

 


Daí as comparações costumeiras entre um papa e outro, embora, ninguém se engane, pois apenas os estilos são diferentes. Portanto, seja quem for, venha de onde vier, o Papa será sempre o guardião do depósito da Fé confiado por Cristo à sua Igreja. Mudam-se os acidentes que constituem o ser da pessoa, mas não muda a essência do que a Igreja de Cristo proclamou e proclamará ao longo dos séculos, da “perene e imutável” verdade do Evangelho de Jesus. O resto nada mais é do que reflexo do que o mundo sempre viveu distante dos ensinamentos divinos, com espírito de soberba, arrogância, libertinagem, busca de si mesmo e autossuficiência. Mas sem Deus não somos nada. É, pois, esse o grande desejo de Cristo e de sua Igreja, isto é, a insistência no fato de que o homem redescubra os valores da importância de Deus na constituição de todos os seus sistemas temporais de realização e autêntica plenitude. Quanto a isso, nenhum Papa poderia jamais dizer o contrário, porque já não mais seria o legítimo representante visível da Igreja do Senhor. Viva a Igreja de Cristo! Vivam os Papas!!