domingo, 29 de julho de 2012

A Borboleta Azul e Branco

A Borboleta Azul e Branco


Aconteceu em Brasília onde passava alguns dias de férias. Era o dia 28 de julho de 2012, quando se realizou o casamento de Geraldo Júnior e Janiele Mendes. Ele é filho de uma família conhecida há muitos anos. Fiz a leitura do santo Evangelho de Jesus Cristo que, a pedido do padre, contou a história das Bodas de Caná da Galileia, onde Maria, Jesus e seus discípulos estavam presentes, porque também haviam sido convidados (Jo 2). Durante a homilia, o Padre Paulinho explicava o sentido profundo daquele texto, sobretudo, enfatizando que, para o sacramento do matrimônio, pedir a benção de Deus na Igreja significa, justamente, convidar Jesus e Maria para tomarem parte na vida do novo casal. Infelizmente, destacava o pregador, muitos ajuntamentos modernos, também chamados de “casamento”, não contam mais com a presença de Jesus nem de Maria, porque eles não são mais convidados, como se ainda fosse possível construir a vida sem Deus, uma mentalidade fortemente presente na sociedade consumista e autossuficiente. 

Naquele momento, ocorreu-me a lembrança de uma missa de sétimo dia que acontecera na Igreja Jesus Ressuscitado, em Aracaju, durante a qual uma jovem cerimonialista vira um senhor encostado a um jovem com quem conversava longamente. Depois da missa, ela quis saber de quem se tratava e, para surpresa sua, o rapaz dissera-lhe que ela estava enganada porque ninguém se aproximou dele, muito menos puxou conversa com ele no instante da celebração. O fato é que, quando ela viu a foto do santinho do defunto, a pessoa correspondia exatamente àquela que, na sua visão, estava conversando com o jovem na liturgia da missa. Era o primeiro dia da cerimonialista no ofício que começava a exercer. Mas isso não é o mais importante quanto ao que eu gostaria de relatar. Ora, se em determinadas circunstâncias há pessoas que veem outras que já morreram, por que o Padre Gilvan Rodrigues não poderia ver? É que no casamento faltava Creusinha, a mãe do noivo que falecera em outubro de 2010, vitimada por um câncer que a raptou de nosso convívio. Amiga de todo mundo, muito gentil e disponível, nunca nos negou o carinho de sua amizade singela de mulher, mãe e avó. Fiel cristã, sempre pegada ao seu marido, legou-nos o testemunho da fé simples, mas não ingênua, generosa, mas não sem compromisso leal com o próprio Cristo, na pessoa do próximo, a quem procurou amar e testemunhá-lo na brevidade de sua existência. 

Eis, então, o que desejei durante o enlace matrimonial: Ver Creusinha presente entre nós. Ela – Creusa Juventina Caroba – que desejou e sonhou tanto com aquele momento tão especial na vida de seu filho. No giro de meu pensamento, na dinâmica da pregação e na sublimidade daquela conjuntura de festa e celebração, eis que, de repente, uma borboleta pintada de azul e branco surgiu da frente do altar e voou em direção a Geraldo Caroba, esposo de Creusa, depois voltou em minha direção e foi sumindo pela frente do altar de onde surgira e por onde instantaneamente desapareceu. Fiquei encantado com aquela presença, que não era quimera, era real. Uma borboleta com as referidas cores faz-nos sempre lembrar as cores do manto de Nossa Senhora, que estava presente nas Bodas de Caná, do mesmo modo misterioso como se faz presente na vida dos cristãos que a invocam como protetora e auxiliadora em suas necessidades. O fato fez-me lembrar de que, no dia primeiro de maio de 1994, quando morreu Ayrton Senna da Silva, eu me encontrava num recanto do Distrito Federal, chamado Betânia, na direção de São Sebastião. Tratava-se de um encontro de catequese durante o qual eu acompanhei um casal amigo, que me convidara para o evento. Era um lugar muito agradável, circundado de beleza natural, onde havia muitas árvores e flores, que enfeitavam o ambiente também espiritual de recolhimento e oração. No meio do mato, havia uma pequena trilha que favorecia bons passeios e grande oportunidade para a reflexão e o amadurecimento. Não lembro bem se havia uma cachoeira no local, de onde corria uma água mansa e benfazeja, refrescante e saudável. Fazia frio. Então, no meio da verde paisagem, apareceram borboletas tingidas de azul e branco que passeavam por entre os transeuntes. Recordo-me de que, encantado com aquilo, alguém fez um comentário muito belo, afirmando que era uma raridade aparecerem “insetos lepidópteros diurnos” daquele tipo. Que se tratava de um bom presságio, alvissareiro de tempos de graça e renovação interior para quem os visse. 

Não sei se Creusinha gostava de borboletas lá pelo interior de Minas Gerais, em Bambuí, de onde viera, mas confesso que fiquei feliz e agradecido pelo toque sobrenatural manifestado, de modo inesperado, mas oportuno, na borboleta azul e branco, enquanto o celebrante falava de Jesus e sua mãe numa festa de casamento. Pode até ser uma bobagem, fantasia demais para o desejo inconsolável de rever alguém a quem tanto amamos, mas o fato é que convém considerar a maneira surpreendente como Deus, com sua delicadeza, toca a nossa sensibilidade com sinais tão visíveis, palpáveis, perceptíveis. Sem a delicadeza para os pequenos gestos divinos, não conseguiremos alcançar os grandes eventos de sua generosidade, porque Deus é discreto e não faz alarde ao querer comunicar-nos suas bênçãos. O problema é a indiferença de nosso espírito que nos deixa cegos em relação à frieza dos olhos distantes, longínquos, incapazes de se abrirem ao óbvio que nos cerca, gritando forte à surdez de todos os nossos sentidos. Se ele se manifesta na leveza da erva do campo que amanhece vicejante e mais tarde, murcha, seca e morre, quando mais na suavidade rasante do voo de uma minúscula borboleta que dança ao embalo da vida que lhe é própria. Onde morre a sensibilidade humana, tudo parece perder o seu brilho, sua essência, sua possibilidade de vibração existencial, pois lá também fenece a capacidade para o espanto, para a maravilha, para a admiração. Na verdade, esse é um dos prejuízos da sociedade moderna, pressurosa e aflita, que não encontra mais tempo para a reflexão sobre o que poderia tornar a vida mais bela e cheia de encanto. Falta-lhe a percepção mais apurada para constatar a possibilidade dos milagres. Dos milagres que só existem para aqueles que se permitem acreditar no sobressalto do impossível, e colocam sua sensibilidade a serviço do improvável. 

A borboleta, pintada pela criação divina de azul e branco, e que nos provocou tal reflexão, seguirá seu curso livre e solto pelo espaço sideral azul e branco do céu que acoberta nossas esperanças na direção do alto, onde, um dia, todos queremos viver, sem saudades, no abraço eterno do reencontro.

                                           livre borboleta vector art