quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Querida Amazônia

Querida Amazônia

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Diferentemente dos aspectos polêmicos que muitas pessoas gostariam que o Papa Francisco abordasse na Exortação Apostólica Pós-sinodal, Querida Amazônia, o texto é profundamente substancioso e sereno quantos à riqueza e aos desafios que Igreja sempre enfrentou na extensão geopolítica da região continental da Amazônia.
O Papa Francisco demonstra, evidentemente, muitas preocupações pontuais em razão da história dos povos que ali habitam – sua cultura indígena, suas festas e danças, seus símbolos culturais, tradições propriamente indígenas etc. – sem desconsiderar a presença da Igreja, da evangelização, da inculturacão do Evangelho, das deficiências pastorais – mas também trazendo a lume, do ponto de vista ecológico e humanitário, a importância física da Amazônia para a sobrevivência dos povos de toda a Terra. Tudo isso dentro do contexto da preocupação eclesial que está sempre presente no coração do Santo Padre, inclusive reconhecendo alguns equívocos no exercício da missionariedade pelo que, também, pede perdão e renova o compromisso da Igreja: “[...] a Igreja não pode estar menos comprometida, chamada como está a ouvir os clamores dos povos amazónicos, ‘para poder exercer com transparência o seu papel profético’. Entretanto como não podemos negar que o joio se misturou com o trigo, pois os missionários nem sempre estiveram do lado dos oprimidos, deploro-o e mais uma vez ‘peço humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América’ e pelos crimes atrozes que se seguiram ao longo de toda a história da Amazônia. Aos membros dos povos nativos, agradeço e digo novamente que, ‘com a vossa vida, sois um grito lançado à consciência (…). Vós sois memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum’” (n. 19).
Outra inquietação do Papa está relacionada ao que ele chamou de “indigenismo completamente fechado, a-histórico, estático, que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem”. (n. 37). E ele continua no mesmo parágrafo, de modo que, assim sendo, “Uma cultura pode tornar-se estéril, quando ‘se fecha em si própria e procura perpetuar formas antiquadas de vida, recusando qualquer mudança e confronto com a verdade do homem’. Isto poderia parecer pouco realista, já que não é fácil proteger-se da invasão cultural. Por isso, cuidar dos valores culturais dos grupos indígenas deveria ser interesse de todos, porque a sua riqueza é também a nossa. Se não progredirmos nesta direção de corresponsabilidade pela diversidade que embeleza a nossa humanidade, não se pode pretender que os grupos do interior da floresta se abram ingenuamente à ‘civilização”. (n. 37). Desse modo, o Papa reconhece ainda que “mesmo entre os distintos povos nativos, é possível desenvolver ‘relações interculturais onde a diversidade não significa ameaça, não justifica hierarquias de um poder sobre os outros, mas sim diálogo a partir de visões culturais diferentes, de celebração, de inter-relacionamento e de reavivamento da esperança’”. (n. 38). Ou seja, no geral, Romano Pontífice se detém muito em relação aos direitos dos povos indígenas, à complexidade dos problemas relacionados ao desenvolvimento dos grupos sociais, como, por exemplo, exigindo o “protagonismo dos atores sociais locais a partir de sua própria cultura”. (n. 40).  

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Numa visão mais ecológica e humana, constata-se que “Numa realidade cultural como a Amazônia, onde existe uma relação tão estreita do ser humano com a natureza, a vida diária é sempre cósmica. Libertar os outros das suas escravidões implica certamente cuidar do seu meio ambiente e defendê-lo e – mais importante ainda – ajudar o coração do homem a abrir-se confiadamente àquele Deus que não só criou tudo o que existe, mas também Se nos deu a Si mesmo em Jesus Cristo. O Senhor, que primeiro cuida de nós, ensina-nos a cuidar dos nossos irmãos e irmãs e do ambiente que Ele nos dá de prenda cada dia. Esta é a primeira ecologia que precisamos. Na Amazónia, compreendem-se melhor as palavras de Bento XVI, quando dizia que, ‘ao lado da ecologia da natureza, existe uma ecologia que podemos designar ‘humana’, a qual, por sua vez, requer uma ‘ecologia social’. E isto requer que a humanidade (…) tome consciência cada vez mais das ligações existentes entre a ecologia natural, ou seja, o respeito pela natureza, e a ecologia humana’. Esta insistência em que ‘tudo está interligado’ vale especialmente para um território como a Amazónia”. Aqui o Sumo Pontífice reclama a urgência de considerarmos a interligação entre ecologia, humanidade e anúncio da verdade de Cristo, que salva o homem e o mundo. Essa seria uma “ecologia cristocêntrica”, com referência ao que nos ensina São Paulo: “a criação foi submetida à vaidade [...] na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus – liberabitur a servitute corruptionis in libertatem gloriae filiorum Dei. Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores do parto até o presente”. (Rm 8,21-22). Daí o fato de o Santo Padre destacar também a importância da água no ambiente amazônico, o que encontramos, poeticamente, nos números 43 a 46. Vale a pena a leitura desse texto.
Indo mais além, não obstante a colocações sob a ótica das reflexões propriamente ecológicas, o pensamento do Papa se estende, e não poderia ser diferente, sobre o que é mais primordial ainda quanto ao papel evangelizador da Igreja na região: “Eles têm direito ao anúncio do Evangelho, sobretudo àquele primeiro anúncio que se chama querigma e ‘é o anúncio principal, aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar duma forma ou doutra’. É o anúncio de um Deus que ama infinitamente cada ser humano, que manifestou plenamente este amor em Cristo crucificado por nós e ressuscitado na nossa vida. Proponho voltar a ler um breve resumo deste conteúdo no capítulo IV da Exortação Christus vivit. Este anúncio deve ressoar constantemente na Amazónia, expresso em muitas modalidades distintas. Sem este anúncio apaixonado, cada estrutura eclesial transformar-se-á em mais uma ONG e, assim, não responderemos ao pedido de Jesus Cristo: ‘Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura’” (Mc 16, 15). (n. 64). Sabiamente, o Papa não deixa escapar a oportunidade de desqualificar o papel que algumas ONG’S que se colocam pretensamente a serviço dos povos indígenas, mas, na verdade, terminam por aproveitar da situação para escravizar ainda mais os índios sem a devida tutela de seus reais direitos de sobrevivência. De qualquer modo, em relação à pregação do Evangelho de Cristo, o Papa é incisivo: “Qualquer proposta de amadurecimento na vida cristã precisa de ter este anúncio como eixo permanente, porque ‘toda a formação cristã é, primariamente, o aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne’. A reação fundamental a este anúncio, quando o mesmo consegue provocar um encontro pessoal com o Senhor, é a caridade fraterna, aquele ‘mandamento novo que é o primeiro, o maior, o que melhor nos identifica como discípulos’. Deste modo, o querigma e o amor fraterno constituem a grande síntese de todo o conteúdo do Evangelho, que não se pode deixar de propor na Amazónia. É o que viveram grandes evangelizadores da América Latina como São Toríbio de Mogrovejo ou São José de Anchieta”. (n. 65).
Outrossim, como não seria de apreciar aqui texto tão fecundo e profético no contexto de sua abrangência eclesial, especialmente, devotado às populações da Amazônia, o Santo Padre, em nenhum momento, talvez para frustração de quem desejaria o contrário, nem de longe, mencionou a possibilidade de ir buscar os viri probati – homens provados, de fé íntegra e de incólume testemunho cristão, dentro do Sacramento do Matrimônio – para ordená-los padres, mesmo depois de escorreita e devida preparação teológica. Todavia destacou a importância dos sacerdotes para a celebração da Eucaristia (números 91 a 93); a presença fidedigna de leigos bem preparados e engajados no labor pastoral (números 94 a 96); e enfaticamente da presença dos mulheres, que não deixam morrer o serviço da evangelização e a conservação da herança cristã da fé recebida (números 99-103). E, como não poderia ser diferente, o Papa insiste na atitude eclesial da oração pelas vocações sacerdotais, religiosas e leigas: “Esta premente necessidade leva-me a exortar todos os bispos, especialmente os da América Latina, a promover a oração pelas vocações sacerdotais e também a ser mais generosos, levando aqueles que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazônia. Ao mesmo tempo, é oportuno rever a fundo a estrutura e o conteúdo tanto da formação inicial como da formação permanente dos presbíteros, de modo que adquiram as atitudes e capacidades necessárias para dialogar com as culturas amazônicas. Esta formação deve ser eminentemente pastoral e favorecer o crescimento da misericórdia sacerdotal”. (n. 90).
Enfim, o texto apresenta um diagnóstico eclesial de profunda realidade vivida pelos povos da Amazônia, mas também que diz respeito ao ambiente mais amplo da Igreja de Cristo, com seus desafios, suas propostas de evangelização, com a necessidade de protagonistas mais fiéis e pontuais, sobretudo diante das exigência evangélicas. Mesmo sabendo que a doutrina nem a catequese sejam aceitos por todos, a preocupação do Santo Padre incentiva a necessidade de, pelo menos, ao que estiver ao alcance de todos não descuidar do fato de que “Ao mesmo tempo que acreditamos firmemente em Jesus como único Redentor do mundo, cultivamos uma profunda devoção à sua Mãe. Embora saibamos que isto não se verifica em todas as confissões cristãs, sentimos o dever de comunicar à Amazônia a riqueza deste ardente amor materno, do qual nos sentimos depositários”. Assim seja! (PGRS).


terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Dom Dilmo Franco de Campos


Dom Dilmo Franco de Campos
Primeiro bispo da minha turma de filosofia em Teologia, em Brasília

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No dia 25 de janeiro de 2020, dia festa da conversão de São Paulo, foi sagrado o primeiro bispo da minha turma, egresso daquela casa de formação. De 15 sacerdotes ordenados para vários dioceses do Brasil, dois deixaram o ministério sacerdotal e um, de Formosa, faleceu. Pois, então, Dom Dilmo Franco de Campus, foi nomeado pelo Papa Francisco no dia 27 de novembro de 2019, aos 47 anos de idade, com 22 anos de exercício do ministério sacerdotal. Era a minha turma dando frutos de sucessão apostólica. Uma alegria incomensurável. Filho de Formosa, no interior do Estado de Goiás, foi sagrado na catedral sede da Diocese onde também fora ordenado sacerdote. O bispo sagrante principal foi Dom João Casimiro Wilk, bispo de Anápolis, para cuja diocese Dom Dilmo foi nomeado o primeiro bispo auxiliar, sendo o bispo titular de Itá - uma sede episcopal antiga, que não existe mais. Essa é uma tradição na Igreja Católica Apostólica Romana. Todos os bispos que assumem alguma função na Igreja – como, por exemplo, bispo auxiliar, núncio apostólico, secretário de Estado do Vaticano, et alii – recebem uma sede episcopal imaginário. Entre os bispos consagrantes, estava Dom Waldemar Passini Dalbello, que fora nosso contemporâneo em Brasília, durante seus estudos de Teologia. O outro, Dom Aldair José Guimarães, Bispo de Formosa, veio do clero da Diocese de Uruaçu, tendo passado por outra diocese.

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CONGRAGAVIT NOS IN UNUM CHRISTI AMOR

Dom Dilmo assumiu como lema episcopal Congragavit nos in unum Christi Amor - O amor de Cristo nos uniu! A sagração episcopal é o terceiro grau do sacramento da Ordem. Quando éramos seminaristas em Brasília, Dilmo me fizera uma proposta, dizendo: "Gigi - era assim que me tratava - se, um dia, você for morar em Roma, você vai me dar uma bíblia, em latim, de presente". Aceitei o trato, mas me esqueci de fazer a contraproposta: "E, se você for, você compra sua Bíblia". O fato é que eu fui antes dele e, depois, nos encontramos pelas paragens da cidade de Rômulo e Remo. Então, como a bíblia era cara, manifestei o desejo de cumprir a promessa apenas com o Novo Testamento, que era, inclusive mais simples e portátil. Mas ele não o aceitou. Portanto, resolvi comprar uma bíblia bem grande, edição da vulgata, só para fazer mais volume na sua bagagem. E, desse modo, mais uma vez, o vento da história sopra o pó de nossas reminiscências. Dom João Wilk, polonês, muitas vezes, foi recebido por mim no Seminário Maior de Brasília quando eu era seminarista e compunha a equipe do economato, ajudando da administração das finanças, sob à liderança de um padre formador. Ele era o responsável direto pelo pagamento da mensalidade dos franciscanos. Era um bom pagador, fiel, não atrasava!
Sobre Dom Waldemar Passini Dalbello, posso narrar o fato de eu ter conseguido para ele hospedagem de cinco dias em Paris, quando de sua primeira viagem a Israel. Um dia, ele, ainda seminarista, precisou fazer uma ligação para o Canadá com o intuito de falar com um padre que fora formador em Brasília, o Pe. Paul Terrio, que, algum tempo depois,  em 2012, foi nomeado bispo da Diocese de São Paulo, em Alberta, naquele país.  Dom Paul Terrio foi o meu primeiro diretor espiritual em Brasília. Então, por não falar francês ainda, pediu, sob sigilo, que fizesse a ligação para o Canadá, chamando-o em francês. A partir daquele colóquio, Dom Waldemar pôde organizar sua viagem para breves estudos de hebraico em Jerusalém. Voltando, permaneceu cinco dias em Paris, hospedado na casa geral da Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora. Quem o conseguiu para mim, foi a Ir. Maria Alice Portela, uma santa religiosa que Deus me concedeu a graça de conhecê-la. Na ocasião, o jovem Waldemar me trouxe um livro com informações turísticas sobre Paris no qual escreveu: "...para uma preparação antecipada de sua visita à capital francesa". Em 1999, durante o mês de agosto, eu estava lá, conferindo as novidades da histórica Paris que já conhecia pela fama, e pelos livros, e pelo idioma neolatino.
Assim é a história dos homens, assim é também a história da Igreja de Cristo. Basta um piscar de olhos, pousando o raio da visibilidade sobre o mosaico dos seus personagens, para descobrirmos quantas personalidades se cruzam no mapa das nossas investigações mentais. Ninguém é estranho a ninguém quando expandimos o leque das boas recordações de fatos e pessoas.